Opinião

Já não há famosos em Portugal

As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente o seu autor.

O fenómeno é global, mas interessa-me salientar a realidade portuguesa, porque sou português e devido ao facto do cenário se tornar mais evidente num território pequeníssimo.

Não é novidade que houve uma perda de deslumbramento em relação às celebridades, pelo menos, no mundo ocidental: há registos dos cabelos arrancados em concertos dos Beatles, da subserviência dos fãs perante a atitude Rock n’ Roll dos Doors e Stones, que subiam ao palco como deuses, ou da sucessão de eventos que causaram desastres como a morte da princesa Diana.

Em Portugal, o tal de “brandos costumes”, da saudável vergonha da importunação, nunca se sofreu muito com a adoração abusiva feita aos famosos, salvo as habituais exceções. Todavia, a minha perceção indica-me que no espaço de duas décadas, o impacto dos famosos nas audiências mudou. Não acham? Vamos analisar alguns casos.

A agridoce fama andou sempre à boleia do sucesso televisivo, e, creio, é precisamente a queda das audiências que está na origem do desencantamento no que diz respeito ao estrelato. Reality Shows (como “A Quinta das Celebridades”), telenovelas (menções honrosas para “Vila Faia” e “Olhos de Água“, os Talk Shows, como o “Cá Por Casa”, ou mesmo as aparições messiânicas das principais figuras da música em público, são exemplos de como o audiovisual semeava terreno para novas caras e vozes – a companhia de milhões de portugueses: “Não havia mais nada”, como diz o Zé Povinho. E bem. Não havia, justamente, a internet – pelo menos com a expressão e influência que tem atualmente.

O surgimento de plataformas que facilitam o acesso ao conteúdo, como o Youtube, o Spotify, entre outras, abriu o mercado para uma esfera internacional e, de repente, o conceituado Herman José (peguemos neste exemplo como símbolo da comédia portuguesa) começou, sem querer, a competir com o Ricky Gervais ou, simples e ironicamente, com os youtubers nacionais e internacionais.

As telenovelas carimbadas com um selo de qualidade comercial e que facilitavam a entrada de personagens icónicas na casa das pessoas, ficaram impiedosamente arredadas pela concorrência da Netflix, da Amazon, da HBO ou, se recuarmos uns anos, pelos canais por cabo que se focam na ficção. Até os programas de entretenimento ficaram reduzidos a um público-alvo que abrandou no tempo, uma vez que existem inúmeros criadores de conteúdo que até já procuram munir-se de ferramentas para recriar programas não tradicionais noutras plataformas alternativas, onde podem escapar às censuras do politicamente correto.

Todos estes fatores agudizaram-se com a chegada das redes sociais. Os apresentadores, atores, humoristas, futebolistas, habitualmente seguidos pela imprensa cor-de-rosa, tornaram-se mais próximos das pessoas e, por consequência, mais humanos. A humanização das celebridades retira-lhes o encanto, pois perante a consciencialização de que são feitas de carne e defeitos como nós, surge a natural empatia. Contudo, o carinho e a proximidade não significam fascínio e adoração.

Portugal nunca teve muito disso, mas se teve, as últimas duas décadas trataram de eliminar a romantização que restava. Muitos até podem agradecer os novos ares sociológicos, outros temem o facto de a audiência, arrisco-me a dizer, sentir que não há nada de mágico em irromper pela casa das pessoas.

Como será um futuro no qual o impressionismo mediático deixa de produzir pequenos rasgos de embriaguez? Eu vivo bem com isso, mas questiono: e as agências, os canais tradicionais, a indústria da publicidade, a imprensa cor-de-rosa e, o mais importante, as presenças na zona VIP das discotecas?


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