Opinião

O estigma do doente oncológico em contexto laboral

O direito laboral português tem um enorme trilho a percorrer no que diz respeito à tutela jurídica dos doentes oncológicos. Não se entenda que o legislador tenha sido relapso, mas esta temática obriga a uma atuação mais incisiva.

É preciso mostrar que falta um verdadeiro regime jurídico próprio para os doentes oncológicos e que, não impeditivo a ocorrência do cancro estar a aumentar na população ativa, não é menos verdade que a taxa de sobrevivência tem cada vez maior expressão. É inevitável que se façam determinadas perguntas: Como proteger o doente oncológico no regresso ao trabalho? Qual a postura da entidade empregadora?

Aquela que é considerada a “doença do século” já afronta suficientemente as pessoas. A agressão dos tratamentos e o desgaste psicológico não deveriam cumular-se com um regime jurídico que não os protege.

O Código do Trabalho é perentório ao proibir qualquer prática discriminatória contra o trabalhador em razão de doença – sendo no entanto necessário aplicar este regime por analogia quando nos referimos ao trabalhador sobrevivente de cancro. Também a Lei n.º 46/2006 nos socorre nesse sentido mas não é suficiente.

Aliás, admito que a Liga Portuguesa Contra o Cancro também se deparou com o vazio de legislação específica, e essa terá sido a razão para a elaboração de um Guia dos Direitos Gerais do Doente Oncológico. Isto porque, na vigência da relação laboral, deveria permitir-se que o trabalhador sobrevivente de cancro pudesse regressar ao seu posto de trabalho sem qualquer dificuldade.

Veja-se o subsequente exemplo: um doente oncológico que, após os tratamentos, deseja reaver as suas funções na empresa, munido de um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso.

Este trabalhador pode depara-se com os seguintes cenários:

1) a entidade patronal pretende retirá-lo do cargo que ocupava, modificando para categoria profissional inferior;

2) a entidade patronal pretende, em seguimento, diminuir-lhe a retribuição. O que fazer?

A lei permite subsumir a posição do doente oncológico aos regimes adequáveis, quer ao trabalhador com capacidade reduzida, quer ao trabalhador com deficiência ou doença crónica. Por esta ordem de razões, o empregador tem o dever de adaptar as situações de trabalho à aptidão do trabalhador, sem qualquer reserva. Num sistema consonante, o trabalhador deverá ser desobrigado de prestação de trabalho em determinadas alturas e não ser obrigado à prestação de trabalho adicional.

Relativamente à diminuição da retribuição – e admitindo que não houve mudança para categoria profissional inferior por ausência de conciliação com o trabalhador – que se sentia perfeitamente apto, tal não pode agir em sujeição ao princípio basilar da irredutibilidade salarial, sob pena de o empregador incidir numa contraordenação muito grave.

Lamentavelmente, o doente oncológico ainda é estigmatizado e, frequentemente, vítima de um “bullying” laboral  – assédio moral sobre o trabalhador, que é a parte mais vulnerável da relação jurídica, e que acaba submetido em qualquer tentativa negocial.

Não tenho dúvidas de que, existindo tutelas distintas para trabalhador com capacidade de trabalho diminuída e para trabalhador com deficiência ou doença crónica, deve legislar-se, de fundo, sobre esta matéria. Sem estas modificações, continuaremos a aceitar a rejeição dos direitos fundamentais destes cidadãos.


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