Opinião

Do direito a não votar!

Uma crónica de Isabel de Almeida.

Dia oficial de eleições em plena pandemia, tendo decorrido na passada semana as sessões de voto antecipado também pautadas, em muitos casos por longas filas de voto e longo tempo de espera em muitas mesas de voto por este país infectado fora. Tal como hoje, longas filas, espaços melhor ou pior organizados e novamente o pais e as redes sociais divididos  quanto à adesão ou contestação dos clássicos clichés: “vou votar porque é um Direito e um dever cívico e muitos lutaram para ser possível”, “quem não vota não pode depois vir reclamar” ou em termos de novidade adaptada ao contexto também li algo como: “não votam mas fazem compras nos supermercados” ou “não votam mas andam sempre à procura das excepções para violar o confinamento” arrisco a adiantar algumas frases que não li mas que devem ter sido escritas algures: “não votam mas vão passear os cãezinhos” etc etc.

Pois bem, lamento desapontar alguns leitores, e respeito opinião diversa, só acho escusado expressar opinião diversa com ataques arvorados em verdades absolutas, simplesmente, porque verdades absolutas não existem e, na minha opinião, a democracia passa precisamente por ter livre arbítrio, poder de escolha desde que dentro da legalidade e a todos deve ser reconhecido vivenciar e expressar o seu sentimento de agrado ou desagrado face à política.

Optei por ir votar, fi-lo à segunda tentativa pois nunca tinha presenciado tantas filas e tanta demora, reconheço que são tempos peculiares. Esperei vinte minutos para votar, levei um livro e tive /tivemos todos a sorte de não estar a chover como ontem.

Todavia, cheguei a considerar abster-me, confesso, e não recrimino quem optou por se abster muitos em sinal claro de protesto ou num arremedo possível e perfeitamente legal de “desobediência civil” face ao seu descontentamento com o estado da Nação, que é a primeira dos piores lugares em termos de estatísticas de COVID-19, que tem o SNS a entrar em ruptura, que tem as aulas online suspensas para todos os alunos porque não foi cumprida uma promessa pública no sentido de distribuir computadores e outros meios tecnológicos pela comunidade escolar menos favorecida, porque há pessoas que, neste momento, já perderam os seus empregos, perderam ou estarão em vias de perder as suas habitações, há quem já não tenha dinheiro para sustentar a família, mormente filhos menores, há quem esteja em risco de ser despejado porque não tem dinheiro para comer quanto mais para pagar uma renda de casa, pode haver quem esteja em protesto simplesmente porque não se assistiu propriamente a uma campanha eleitoral rica em ideias e respeito, antes sendo vários os episódios de agressão verbal gratuita entre vários candidatos, porque há uma forte crença de que um determinado candidato é, à partida, o incontestável vencedor e então “não adianta de nada ir votar” ou, e de forma muito simples e compreensível, porque há pessoas que não se revêm propriamente em nenhum dos candidatos e respectivos projectos e nem sequer consideram escolher por exclusão de partes exercendo o chamado “voto útil”.

Democracia é também em sinal de protesto ou desinteresse ter o legítimo direito a não exercer um direito nem um dever cívico (que sendo um dever cívico ainda assim legalmente não é uma obrigatoriedade frise-se bem).

Menos democrático será fazer depender a expressão de opinião do exercício de um dever que não é uma obrigação, e persistir neste entendimento é estar também em negação de que a democracia é a diversidade, multiplicidade de opiniões e o respeito por cada uma delas como válida. E criticar a abstenção assim de forma linear é, a meu ver, e em especial nos tempos conturbados em que vivemos, recusar-se a olhar para mais um sinal de que os nossos políticos no geral não são detentores de um elevado poder de mobilização do eleitorado, o que só por si já permite fazer uma análise bastante política, social e económica da abstenção, pois que esta tendo subjacentes várias razões cada uma delas simboliza algo com reflexo na nossa sociedade.

Naturalmente, não deixa de ser também um contrasenso realizar estas eleições em pleno confinamento “pseudo” geral, quando as autoridades andam na rua com o poder de verificar moradas de quem sai para um passeio higiénico, para ir às compras havendo lugar à aplicação de coimas elevadas (e bem sei como uma má interpretação da lei pode gerar abusos e problemas para qualquer incauto cidadão, até porque são aplicadas por não juristas e a redação do texto legal também nem sempre prima pela clareza jurídica).

Veremos que mensagens subliminares virão a resultar destas eleições!


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