Opinião

Confinamento pseudo geral “Made In China”!

Uma opinião de Isabel de Almeida.

O milagre Português da primeira vaga da pandemia, em que erámos citados como um exemplo a seguir por outros países há muito findou e deu lugar ao pesadelo a que hoje assistimos e que tende a piorar a cada segundo que passa.

Se o ano passado foi decretado em Março um confinamento geral que foi para todos um choque, que para sempre deixará marcas dolorosas na mente de muitos Portugueses, parece-me que 2020, o nosso anus horribilis afinal era apenas “o ano do início do fim”. Vivemos em sucessivos Estados de Emergência, renovados num contínuo que já cai no ridículo constitucional e que a meu ver já merecia uma revisão legislativa a decretar que a emergência é “o novo normal” que pode ser decretada por período superior a quinze dias e que, se houver um novo milagre, poderá ser interrompida por um período de acalmia a que chamaríamos, por exemplo “estado de estabilidade”.

Logo que o Primeiro Ministro, o Governo e o Presidente da República avisam que vão ter reuniões com o Infarmed e com especialistas  prevendo a necessidade de fixar medidas mais restritivas porque, como disse o Presidente da República, o povo Português não cumpriu o voto de confiança firmado no Natal (mas depois ironicamente é o PR quem faz uma série de testes à COVID-19, apresentando resultados contraditórios e mostrando finalmente alguma inquietação e dúvidas, terá o Senhor Presidente da República incumprido também o voto de confiança do Natal?) todo o país entra numa espiral de ansiedade e quase histeria colectiva.

É inevitável que todos os Portugueses com o mínimo de consciência e que lutam diariamente para sobreviver e para manter, muitos deles a custo, os seus negócios e os seus empregos, estes a par com aqueles que já perderam mesmo os empregos e a fé, sintam uma angústia antecipatória das restrições a fixar em sede de confinamento geral, sem saberem se no dia seguinte nomeadamente:  irão as escolas fechar? que lojas de bairro permanecerão abertas? teremos horários restritos de recolher obrigatório e códigos de cores com os níveis de risco para decorar?  Que documentos precisamos para circular em Trabalho?

Depois há sempre mais um detalhe que, ainda que não intencional, mais faz aumentar a angústia e ansiedade de muitos cidadãos: o horário para saber as medidas restritivas também foi prorrogado cerca de uma hora e meia, e os níveis de tensão eram perceptíveis em família e também nas redes sociais.

E eis que o Primeiro Ministro falou ao pais e prontamente descobrimos que, afinal, “ a montanha pariu um rato.” Ou seja, desde logo uma das maiores polémicas ficou resolvida de uma forma que seria caricata não estivéssemos nós a enfrentar uma estratégia, precisando, a questão das escolas que ficaram todas em pleno funcionamento (situação a que se opõem especialistas na área da saúde) arriscando-se diariamente o que possa sobrevir. Os tribunais mantêm-se abertos (a cumprir a democracia…mas correndo o risco de se perderem vidas pela teimosia em não adoptar como regra a realização de diligências à distância com recurso a videoconferências ou salas virtuais) mas pasme-se, os pequenos negócios que têm mostrado cumprir maioritariamente as normas de segurança com bastante rigor, tais como cabeleireiros, gabinetes de estética,  estabelecimentos de ATL e Centros de Estudos  e livrarias recebem ordem de encerramento, mas as escolas e Tribunais estão abertos … volto a frisar na esperança de que em mais pessoas soem os alarmes da falta de lógica e da desproporcionalidade e incoerência de medidas que apenas irão contribuir para dar o golpe de misericórdia neste tipo de negócios, porque, pasme-se, não são essenciais.

Num tique de imitação do que já sucedeu, por exemplo em França, proíbe-se a venda de livros, vestuário e materiais de decoração nas grandes superfícies (a pretexto de suprimir concorrência desleal) mas depois encontramos modelos de negócio amplos que podem estar abertos ao público enquanto os seus similares são forçados a fechar portas (e agora já não há concorrência desleal?).

Anuncia-se também condicionamentos no acesso a plataformas de streaming para visualização de filmes e mini-séries em formato de subscrição pelos aderentes, ou seja, confinados com acesso reduzido a livros, filmes e formas de entretenimento saudáveis que seriam um excelente pretexto para manter as pessoas em casa com a devida sanidade mental.

Ora, será notório uma sobrecarga da internet com perturbações do sinal que já são recorrentes e já antes sucederam, portanto, se calhar é questão de tempo termos dificuldades em aceder a plataformas de compras online, além de que há custos superiores com portes, há atrasos na distribuição do correio, há extravios mais potenciados do que nunca e há pessoas que não têm computadores nem internet em casa que suportem estes acessos.

Foi notório o desespero de muitos pais quando na passada sexta-feira de defrontaram com o encerramento de locais que eram extensão da ocupação de tempos livres dos filhos em complemento ao horário escolar e que se viram privados de ter onde deixar os filhos até ao fim do horário de trabalho desses mesmos encarregados de educação, com ATL e Centros de Estudos encerrados.

O sector livreiro, que já reportou perdas assinaláveis no ano passado vê-se assim ainda mais limitado e com perdas acrescidas. Somos um pais pautado pela iliteracia, temos um plano nacional de leitura que procura incentivar a leitura em faixas etárias muito mais focadas nas tecnologias e sem hábitos de leitura na sua maioria, e então o que fazer? Limitar o acesso aos livros, até mesmo aos que são recomendados pelo plano nacional de leitura e que, pasme-se podem ser solicitados para cumprir os programas escolares, podem não estar preparados stocks para venda online destes obras em quantidade suficiente e podem os alunos não ter livros para trabalhar nas aulas (aulas onde passam frio, correm riscos mas têm de continuar a frequentar).

A cultura é pois vista pelo nosso Estado como um bem não essencial no seu conjunto, os apoios a vários sectores da cultura são escassos e chegam mesmo a ser insuficientes ou inexistentes em muitos casos, castra-se a cultura e deixa-se que as massas vejam os canais generalistas com os seus formatos nada enriquecedores e que, entre estes, assistam ao triste espectáculo de notícias sucessivas sobre um pais que morre todo ele!

Consciente de que irei ferir susceptibilidades afirmo que não posso entender como estou proibida de ir a uma livraria, ir comprar um livro no supermercado porque é mais prático e pode ser feito durante as compras alimentares, mas posso entrar numa Igreja, assistir a uma missa e partilhar este espaço e ritual com muitas pessoas. Do mesmo modo, não posso ir ao cabeleireiro frequentando um espaço gerido por pessoa da minha confiança com provas dadas de cumprir profissional da minha confiança e com provas dadas no que tange ao rigor no cumprimento das normas de segurança e higienização, com atendimento individual e por marcação, mas sou obrigada a deslocar-me a diligência em Tribunal presenciais em edifícios que nem todos garantem as necessárias condições de protecção da saúde dos seus utentes.

Os alunos não podem ter explicação individual presencialmente, mas são forçados a ir para a escola nas condições que todos sabemos.

Não posso ir comprar livros presencialmente mas ninguém me proíbe de ir ao mercado comprar um quilo de alho francês para a sopa, qual é mesmo o critério de diferenciação alguém sabe explicar isto em termos científicos?

Se consideramos a qualificação de bens como essenciais ou não, esta é subjectiva, vejamos, para mim, pessoalmente, o livro é mais essencial do que o alho francês da sopa, eu posso ter uma horta em vasos no quintal ou na varanda, mas que saiba não posso “plantar livros” e bem que gostaria!

Ah, já me esquecia, não posso ir à livraria, mas posso ir votar! Posso ir visitar familiares idosos a um lar (quando estamos a ser assolados por constantes e graves surtos em lares) e mais uma  vez me falha a compreensão desta lógica perversa.

Depois, o que assistimos com estas medidas de pseudo confinamento pseudo geral foi a uma mole de pessoas nas ruas, logo no primeiro dia.

Sejamos duros, estes meios termos não terão outros resultados que não o homicídio da iniciativa privada em vários quadrantes numa desproporção e tratamento privilegiado para outros. O duro golpe na cultura irá apenas ajudar a aniquilar os empresários do sector e fazer perder empregos, além do nítido empobrecimento cultural de uma sociedade que, já de si e sem pandemias, estava a afastar-se da cultura dita clássica com notória iliteracia.

Não é válido o argumento de que “é apenas um mês”, tanto mais que já foi admitido manter-se este estado de coisas até Março…

Em suma, este confinamento de geral não tem nada, mas é um verdadeiro holocausto da iniciativa privada, do pouco que sobra da nossa sanidade mental e…mais grave, não vai resolver nada em termos de decréscimo dos números da pandemia, que não param de aumentar.

Questiono também, face ao choque de assistir à ruptura do atendimento e capacidade hospitalar, porque não foi ainda feita a requisição civil de privados?

Estamos condenados à morte, erros nossos, má fortuna e falta de sentido da realidade (numa adaptação de versos que Camões certamente me perdoará) em nossa perdição se conjuram.

Condenados à morte, morreremos obesos, feios, falidos por fim, deprimidos, ansiosos, tendencialmente incultos, e se os incultos acabam por se conformar, aos cultos está reservado o maior sofrimento antecipatório já que são traídos pelo excesso do seu pensamento crítico.

Será melhor ponderar um confinamento “a sério” sem ser uma imitação atabalhoada “Made in China” que é duro, mas que pode revelar-se eficaz em menos tempo, esta é pelo menos a minha opinião, outras haverá, mas é o futuro que mostrará quem tem razão, e acreditem que muito gostaria de estar errada!


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