Opinião

AML NUTS III e o Robin Hood invertido

A península de Setúbal era, em 2016, a 4ª região mais pobre do país. Apesar disso, não tem acedido a fundos Europeus, como outras regiões igualmente pobres. Isto porque na classificação NUTS a península de Setúbal integra a AML, estando assim abrangida por uma estatística na qual o PIB per capita era, em 2017, de 30.100 €.

Ou seja, a região mais rica do país. Desta forma, este território fica de fora da classificação de território de coesão, perdendo com isso o acesso a fundos comunitários num valor que poderia ascender a 2 mil milhões de euros relativos ao quadro comunitário para 2021-2027, também chamado de Portugal 2030.

Para alguns dos deputados eleitos pelo distrito de Setúbal esta situação parece não ser um problema. Segundo estes, existem outras medidas que poderão compensar a perda destes fundos. O que, a avaliar pelo programa Portugal 2020, não será o caso.

A Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, que em novembro do ano passado declarava que era urgente que a Península de Setúbal passasse a ser uma NUTS III, defende agora que não faz sentido essa alteração já que seria uma “fragmentação da Área Metropolitana de Lisboa com consequências a nível estratégico”.

Outra justificação que atira é que tal classificação só teria efeito em 2027. Ou seja, depois da vigência do próximo quadro comunitário. Pelo andar da carruagem, a manter-se o jogo político, em 2027 estaremos a ouvir a então ministra dizer que tal alteração não terá aplicação antes de 2034.

Procrastinar raramente é solução, a menos que o que se pretenda seja, de facto, manter a situação tal como está, criando um padrão invertido de Robin Hood, beneficiando a região mais rica do país em detrimento de uma das regiões mais pobres do país.

Continua a ser urgente desligar a península de Setúbal da AML na classificação NUTS. A nossa região está a servir de muleta para baixar a classificação da AML perdendo, assim, acesso a importantes fundos que fariam toda a diferença.

Afinal, qual a importância destes fundos e, porque podem ser uma ameaça para a margem norte e, como tal, trazer “consequências a nível estratégico”?

Os fundos em causa poderiam auxiliar na implementação de projetos de relevância, com efetiva criação de postos de trabalho através de vários mecanismos, como a fixação de empresas nos concelhos da margem sul. Mecanismos estes como, impulsionar o empreendedorismo, na modernização, na contratação e com seed capital para start-ups regionais.

Ou ainda melhorar significativamente as vias de comunicação, o transporte público, as variadas infraestruturas que, ou estão degradadas ou são inexistentes, como a rede de esgotos e a rede de distribuição de águas, ou até mesmo, modernizando outras como a rede elétrica, enterrando as linhas de alta tensão que pairam sobre os campos da nossa região.

Ainda quanto à melhoria das infraestruturas, o desenvolvimento das mesmas não seria propulsionado apenas pelo financiamento, mas também pela pressão da instalação de indústrias e pelo desenvolvimento urbano mais exigente.

Um outro eixo beneficiário seria o dos transportes, o público por necessidade de sustentar mais deslocações intrarregionais, devido à necessidade de movimentos pendulares de residentes para postos de trabalho, mas também o privado por redução das comutações realizadas atualmente pelos milhares de habitantes da margem sul que se deslocam a Lisboa para mais um dia de trabalho.

Este último fenómeno iria também aliviar a pressão que hoje existe sobre os transportes ferroviários e fluviais entre Lisboa e os diferentes concelhos servidos por estes.

Em resultado de tudo isto, além da redução do desemprego nos diferentes escalões da sociedade, também seria notória uma melhoria no «elevador social», que, por estas terras, se encontra «avariado» e em declínio. Melhores ordenados, maior estabilidade e, com isso, mais exigências na qualidade dos serviços básicos, escolas, acessibilidades e até infraestruturas sociais e equipamentos como piscinas, jardins e outros.

Além de que, a pressão imobiliária daria origem à reabilitação e requalificação urbana.

Perante este cenário, é possível perceber que a correta utilização destes fundos pode conduzir à deslocalização de empresas para a margem sul, à perda de mão de obra mais barata na margem norte e, portanto, levar à escassez e ao aumento do custo da mão de obra.

Conduzir a um período de abrandamento da valorização ou até de desvalorização imobiliária. Razões mais que suficientes para promover o aparecimento de lóbis que, facilmente, justificariam a radical mudança de opinião, não só da ministra titular da pasta, mas também de alguns deputados eleitos pela região à qual parecem, agora, virar as costas.

Ficam muitas dúvidas se a “estratégia específica e especial” terá a capacidade para compensar perder a oportunidade de aceder a estes projetados 2 mil milhões, que somam a outros 2 mil milhões já perdidos no programa Portugal 2020.

A avaliar pelos últimos 7 anos, o distrito de Setúbal pouca esperança terá de sair beneficiado desta inação da Ministra.


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