Opinião

Advocacia – Reservado o Direito de acesso à profissão?

Uma crónica de Isabel de Almeida.

Recentemente em Assembleia Geral a Ordem dos Advogados aprovou deliberação no sentido de ser exigido o Grau de Mestre Pós-Bolonha para efeitos de acesso à profissão de Advogado, considerando que aceitar, como actualmente sucede, o grau de Licenciatura corresponde a um défice de formação comparativamente a outras profissões forenses de entre as quais se destaca o acesso à carreira de Magistrado.

Naturalmente que, pelo menos na minha opinião, a questão dos conhecimentos adquiridos versus grau académico não deve ser encarada de ânimo leve, nem poderá ser equacionada de forma linear e simplista. A meu ver, não é o grau académico de per se que permitirá aferir por si só, a aptidão ou inaptidão de um candidato à advocacia para a prática profissional com o ingresso no estágio profissional junto da Ordem dos Advogados.

Com efeito, os conhecimentos adquiridos dependem de diversos factores que não apenas a duração efectiva do ciclo de estudos (actualmente, uma licenciatura tem a duração de quatro anos e um mestrado corresponde a cinco anos de ciclo de estudos), desde logo, não devem ser despiciendos os conteúdos programáticos atinentes às diversas unidades curriculares, bem como sempre terá de se reconhecer o défice de treino prático que, se sanado durante a formação universitária permitiria finalmente uma verdadeira reestruturação dos planos de estudos e seria uma mais-valia para todos quantos ingressam nas Faculdades de Direito com a pretensão de um dia poderem abraçar a Advocacia como profissão.

A verdade é que, numa postura de honestidade intelectual, sempre terá de se reconhecer que no essencial pouco ou nada mudou na formação universitária de Direito, pois que hoje como durante a fase pré Bolonha, com raras excepções de algumas faculdades de que será exemplo a Universidade Nova de Lisboa, os juristas terminam a sua Licenciatura ou mesmo o seu Mestrado sem terem a noção de como se processa uma audiência de julgamento, e igualmente sem terem qualquer noção de redacção de peças processuais. Importante seria ainda que os currículos contivessem uma Unidade Curricular de Deontologia Profissional, optativa de forma genérica, mas obrigatória para todos os alunos que pretendessem ingressar na advocacia.

Logo, existe um longo caminho a percorrer, haja a coragem necessária para tanto, mas não é solução justa considerar linearmente a questão do mero grau académico. Pelas redes sociais venho lendo testemunhos de Colegas que questionam o exercício da advocacia por “meros licenciados”, não concordo com esta visão, pois “meros licenciados pré Bolonha” constituem a grande maioria dos Advogados inscritos em Portugal (creio não estar errada nas estatísticas),eu desde já mera Licenciada me confesso, possuindo por ironia do destino um Grau de Mestre (Pós Bolonha) em Psicologia Clínica, e questiono comparativamente: estarei eu Mestre em Psicologia mais apta do que um Colega Licenciado em Psicologia Pré Bolonha? Tendo sido avaliada em algumas Unidades Curriculares com testes de modelo americano onde, teoricamente podemos  acertar na respostas por mera sorte? Não creio… tudo é relativo e nada é linear!

Não podemos também olvidar a natural preocupação dos mais jovens relativamente ao encarecimento da já tão dispendiosa saga de acesso à profissão, pois que um Mestrado é mais caro do que uma licenciatura, tanto em propinas como em tempo a esperar para  o concluir, sendo que uma dissertação, muitas vezes feita a duras penas enquanto se trabalha para sustentar a própria frequência universitária não será um factor de democratização, na medida em que, mais uma vez as elites saem beneficiadas pelo mero poder económico superior a um aluno da classe média que seja trabalhador estudante.

Mais à frente, em termos de emolumentos a pagar junto da respectiva Associação Profissional, não podemos em boa verdade, e novamente sendo intelectualmente honestos, afirmar que o acesso ao Estágio de Advocacia está ao alcance de todas as bolsas.

Por tudo isto, não posso deixar de me solidarizar com todos os jovens juristas que encaram com apreensão e até angústia estas propostas alterações e restrições ao acesso à profissão.

Na próxima semana terei oportunidade de dar continuidade a esta reflexão sobre o futuro da Advocacia nacional, numa vertente diversa que se prende com a minha análise da proposta de alteração legislativa recentemente apresentada pelo grupo parlamentar do PS que, por ironia do destino, contraria frontalmente a posição oficial da Ordem dos Advogados, e que, arrisco já a adiantar, procura ir até quiçá demasiado longe tendo em conta a independência da profissão num estado de Direito que se pretende democrático, independência esta que sempre tivemos por garantida e sagrada, mas que me parece com os dias contados.

 


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