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Doentes de Oftalmologia do Hospital Garcia de Orta descontentes com director de Serviço

«Carta aberta de uma doente de Glaucoma

O meu nome é Rafaela Bastos e tenho 24 anos e tenho glaucoma.»

É desta forma que se inicia o apelo da jovem Rafaela Bastos, que através de uma publicação no Facebook quis partilhar o seu descontentamento com o atendimento prestado pelo médico especialista Dr. Nuno Campos, Director de Serviço do Centro de Responsabilidade de Oftalmologia do Hospital Garcia de Orta, Almada, serviço que em 2018 venceu a Menção Honrosa da 7.ª edição do Prémio Saúde Sustentável.

Rafaela Bastos

Ao Diário do Distrito a jovem explicou que nasceu com cataratas congénitas, tendo sido operada pela primeira vez aos 4 anos de idade “pelo Prof. Dr. Eugénio Leite, operação em que é colocada uma lente óptica, após o que fiz a minha vida completamente normal”.

No entanto, com 16 anos, na altura no 12.º ano e praticante de desporto, área que desejava seguir profissionalmente, começaram os problemas. “Gosto muito de ler mas comecei a sentir que ao fim de alguns minutos me doía atrás do olho direito. Fui a uma consulta para substituir a lente mas fui logo avisada pelo médico que a situação estava a avançar para um glaucoma, e recomendou que me fosse implementada uma microválvula (válvula de Ahmed) para escoar o líquido que causa a pressão no olho, tendo em conta a minha idade e porque a longo prazo era a melhor solução.”

O glaucoma provoca episódios de pressão alta na vista com acumulação de líquido, o que causa desgaste no nervo óptico e a morte das células, levando à cegueira e exige acompanhamento médico contínuo. “Nessa altura, a minha vida levou uma volta, tive de reaprender a fazer tudo, e escolher outra linha para a minha vida. Literalmente tive as pernas cortadas porque uma coisa é dizer «já não quero», outra é dizer «já não podes». Mas o meu corpo tem-se readaptado a esta circunstância e isso permitiu-me até tirar a carta de condução.”

Residente em Almada com os pais, a opção passou por ser seguida no Hospital Garcia de Orta, “porque já não tínhamos possibilidades de continuar no particular, são cirurgias muito caras e como a catarata era congénita, o seguro não cobria a despesa.”

Ali passou a ser tratada pelo Dr. Nuno Campos, “tecnicamente o especialista mais habilitado para o meu caso, que sempre foi muito estranho”.

Logo na primeira consulta, foi abordada a hipótese “de colocar a microválvula e a resposta dele foi: «isso não pode ser assim, vamos com calma porque temos de seguir todo um protocolo e sabe quanto isso custa ao Estado?». A minha mãe ainda lhe disse se era possível saltar alguns passos tendo em conta a minha idade, mas nada o demoveu.”

Seguiram-se os procedimentos ‘de protocolo’, a trabeculectomia a lazer (furos na íris). “Mas não correu bem, porque o procedimento foi em ambos os olhos, e depois da intervenção, tive de voltar para o bloco porque acharam que esses «furos» eram poucos e fizeram mais e depois acharam que afinal estes tinham sido demais e tiveram de coser uns quantos.”

No entanto, os problemas continuaram e a opção passou mesmo pela colocação da micro-válvula, “o último procedimento cirúrgico que o Dr. Nuno Campos disse ser possível para a minha situação, mas verificou-se que era demasiado pequena e teve de ser substituída em 2016. No entanto, foi colocada sob a pálpebra inferior quando o procedimento «normal» é que seja colocada sob a superior e por detrás do olho, para não ser notada. Na forma como está, causa um enorme inchaço e de vez em quando ainda entope, o que causa picos de subidas de tensão na vista.”

Inchaço causado pela microválvula

O Diário do Distrito contactou a administração do HGO e o respectivo serviço de oftalmologia sobre este assunto, obtendo do Gabinete Comunicação e Imagem a explicação de que «a utente chegou ao HGO em Maio de 2013 com uma situação de hipertensão ocular no olho direito. No primeiro momento houve boa resposta á terapêutica tópica mas começou a ficar descontrolada pelo que, após análise e reflexão por todo o departamento de glaucoma, foi realizada em Abril de 2014 uma trabeculectomia do OD que decorreu sem complicações.

Cerca de um ano e meio depois, em Junho de 2016, aconteceu novo desequilíbrio tensional, possível na doença de base da utente, afaquia pós-operatória em catarata congénita, condição que já tinha à chegada ao HGO, tendo-lhe, por isso, sido implantada nesse momento uma válvula de Ahmed. Depois de ter realizado esta cirurgia ficou com bom controle tensional, com alguns episódios pontuais de hipertensão que cediam á medicação de SOS, a Acetazolamida.»

O HGO nega que a decisão de seguir o protocolo tenha «critério economicista, apenas de bom-senso clínico e nada mais» e rejeita também «a afirmação de que a válvula esteja mal colocada. Está bem colocada e funcionante, na melhor localização possível, num olho que já tinha chegado ao hospital com limitações anatómicas da cirurgia de catarata congénita, o que poderá ser confirmado por qualquer outro oftalmologista, que conheça a história clínica total e não apenas factos parciais.»

Para Rafaela Bastos “terei sempre a dúvida de que se logo de início me tivesse sido colocada a microválvula não teria evitado passar por tantas operações, e o meu desgaste não teria sido menor. Uma coisa é certa, o protocolo hospitalar que é aplicado a uma pessoa de 60 anos, a media de idade em que surgem os glaucomas, não pode ser o mesmo que para uma pessoa jovem. Neste momento tenho o olho com muito pouca sensibilidade, nem sinto pingos que coloco nem quando tenho alguma crise devido às mais de oito operações a que fui sujeita no HGO.”

Sem marcação de consultas
nem relatório médico

O que levou Rafaela Bastos a queixar-se nas redes sociais tem a ver duas situações com que se deparou: a falta de marcação de novas consultas e a recusa do especialista em entregar-lhe um relatório médico completo.

“Neste momento não tenho acompanhamento médico, porque desde a última consulta em Dezembro de 2018 não me foi marcada mais nenhuma. Tendo em conta que preciso de medicação diária, de medicação SOS para as crises (que tem de ser alterada porque o meu corpo faz habituação) e ainda que a microválvula seja vigiada para evitar entupimentos, nunca devia estar mais de seis meses sem uma consulta. Estamos em Maio e não me foi marcada nenhuma. Sou eu que me automedico, quando sinto que uma crise ocular se aproxima.”

A jovem queixa-se ainda que “nos últimos tempos, tinha apenas ‘consultas de corredor’ ou «não programadas» como ele designa no relatório. Eram consultas onde me dizia «venha cá daqui a uma semana» e me atendia no corredor, media os valores de tensão e via que estavam bons e voltava a dizer para regressar dali a umas semanas, mas nem sequer tinha a preocupação de ver se a válvula estava entupida, por vezes nem entrava no gabinete nem registava na minha ficha essas leituras.

Cheguei a ir ter com ele porque estava há bastante tempo sem consulta, e ele recusou atender-me porque «a consulta não estava marcada e o meu processo não estava com ele»… esquecendo todas as outras vezes que me consultara sem entrar sequer no gabinete.”

Da parte do HGO a resposta ao Diário do Distrito sobre esta queixa foi de que «quer a mãe (acompanhante) quer a utente em causa apresentaram repetidamente dificuldades em vir à consulta nas horas e dias marcados pelo Serviço mas, apesar disso, foi sempre atendida quer pelo Sr. Diretor do Serviço quer por outros colegas. Sempre que necessário a utente foi avaliada, nunca lhe foram negados cuidados e quando vinha sem marcação foi sempre observada.»

Descontente com os procedimentos, “e porque numa das consultas o Dr. Nuno Campos disse que já não sabia o que fazer com a minha situação” Rafaela Bastos decidiu consultar especialistas no privado. “Já trabalho e tenho outras condições, e devo agradecer aos meus patrões que compreendem a minha situação de saúde. Mas para ter essa consulta, todos me exigiram um relatório do meu médico especialista sobre as várias operações a que já fui sujeita. Pedi o relatório ao Dr. Nuno Campos há cinco anos, mas apenas no dia 10 de Maio deste ano ele mo enviou, mas incompleto. Refere que me fez apenas duas cirurgias, quando tenho mais de oito, não refere sequer a primeira colocação da microválvula nem as cirurgias ao olho esquerdo. De cada vez que ia à consulta, pedia-lhe o relatório e a resposta era sempre a mesma: «da próxima vez». Acabei por ter de fazer uma queixa aos serviços e lá o recebi mas quando o li, ainda no HGO, fui logo ao Gabinete do Utente e fiz nova reclamação e um pedido para um relatório mais completo.”

Esta situação leva a jovem a desconfiar: “o que é que se passou no meu caso que ele não quer colocar no relatório?”. Embora afirme que “sei que há casos que podem não ter solução e o meu pode ser um desses, e o médico será sempre inocente até prova em contrário, mas como paciente, agora tenho receio de saber o que foi feito, mas tenho esse direito e preciso de saber.”

Da parte do HGO, garantem ao Diário do Distrito que «a utente solicitou um relatório clínico em 2016 e outro já este ano, 2019, ambos satisfeitos na íntegra».

Os próximos passos para Rafaela Bastos será procurar ajuda com um especialista da doença, “mesmo com o relatório incompleto e mais alguma documentação que consegui juntar, como as várias notas de alta das cirurgias. Pondero também fazer uma queixa na Ordem dos Médicos, daí ter tornado pública a minha situação. Isto até podia ser um caso isolado, mas quando tornei isto público, recebi mensagens de pessoas a queixarem-se do mesmo médico e da mesma falta de acompanhamento. Volto a frisar que até se provar alguma coisa, ele é inocente, mas há qualquer coisa na política de trabalho dele que não está a funcionar em condições.”

«Uma desgraça total»

Paula Cristina Coutinho é uma das pacientes do Dr. Nuno Campos que comentou a publicação de Rafaela Bastos. “Não a conheço, mas enviaram-me o texto que ela partilhou e tive de comentar, porque tenho também uma ‘história’ com esse especialista”, contou ao Diário do Distrito.

A crescente dificuldade em ver, “sobretudo depois do nascimento do meu filho mais novo”, levou-a ao médico especialista que 20 anos antes a operara com lasik às diopemetrias (cinco em cada olho). “Nessa consulta descobri que tinha cataratas, com tendência a piorar, e foi-me proposta uma cirurgia e a mudança das lentes, mas tudo custava cerca de 7.000 euros no particular”.

Sem capacidade financeira, solicitou à médica de família que a encaminhasse para a especialidade de oftalmologia no HGO, “na expectativa de que para além de me retirarem as cataratas, me pusessem também a dita lente, mas já ficava satisfeita com a remoção das cataratas”.

A primeira consulta teve lugar no dia 13 de Novembro de 2017, “e logo ali o Dr. Nuno Campos (que eu nem conhecia) teve um comportamento muito deselegante, porque estando já sentada no consultório, ele manteve durante largos minutos uma conversa particular ao telemóvel, que só acabou quando viu a minha cara de desagrado. Examinou-me e perguntou se eu queria que também fosse colocada a dita lente, que me evitava ter de usar óculos, o que me deixou muito contente. Marcou-me então um exame para medir a graduação e perceber que tipo de lente tinha de ser posta.

Mas daqui para a frente foi tudo ‘uma desgraça total’… perdi incontáveis meios dias de trabalho no hospital e até ao dia de hoje não tenho absolutamente nada feito.

Uma coisa é dizerem-nos que vão fazer algo, mas que o hospital não tem capacidade agora, outra é ignorarem completamente os doentes.”

A ‘desgraça’ começou no dia 21 de Dezembro “quando entrei no HGO às 9h30 para fazer o dito exame, e às 12h28 o Dr. Nuno Campos me veio dizer que afinal não podia fazer porque o equipamento tinha avariado e que só estaria pronto a partir de 10 de Janeiro, marcando novo exame para 19 de Janeiro de 2018”, explica mostrando as justificações do Hospital.

“Embora algo chateada, não tinha razões para duvidar da sua história, mas em conversa com um amigo que trabalhava em Oftalmologia no HGO, este disse-me que o equipamento nunca tinha avariado, e verificou ainda que esse meu exame não tinha sequer sido marcado.”

Devido a outro exame que tinha de fazer a 18 de Janeiro “e para não perder logo dois dias seguidos no emprego”, Paula Cristina Coutinho ligou para o HGO “para remarcar o exame. Foi uma manhã inteira a tentar ligar e sem me atenderem, até que me atenderam e para meu espanto disseram que «não estava marcado qualquer exame, e que naquele dia da semana (sexta-feira) não se realizavam exames».”

Nova marcação foi feita “pelos serviços, quando depararam com isto, para 31 de Janeiro de 2018, e tudo correu bem. Ao guichet marquei então nova consulta com o Dr. Nuno Campos para o dia 2 de Fevereiro, para as 10h00. Nessa consulta, fiquei a saber que «estava no limite de idade para poder colocar a tal lente, (46 anos), mas até brinquei um pouco a dizer que ainda só tinha 45 anos. E nisto, diz-me que não «sabia o que fazer no meu caso, porque como já tinha feito lasik» e que tinha de pensar no assunto, mandando-me voltar ao HGO na semana seguinte. Para não perder mais dias de trabalho, pedi-lhe que me atendesse logo cedo, marcando ele para 14 de Fevereiro às 8h45.”

Também esta consulta não foi do agrado de Paula Cristina, “porque a meio entrou uma médica a pedir uma opinião e ele levou o tempo aos piropos com ela, ausentou-se por largos minutos do gabinete e depois veio com aquela resposta. Não percebo como um especialista chefe de serviço, com experiência, tinha de pensar na minha situação, quando fora ele próprio a sugerir aquele tratamento na primeira consulta.”

Nova ‘surpresa’ esperava esta utente no Dia dos Namorados, “data que não esqueci, porque cheguei ao HGO às 8h30 e saí de lá às 9h55, falando com o Dr. Nuno Campos num corredor e menos de dois minutos, obtendo como resposta «não posso atende-la porque tive um imprevisto, é uma manhã muito complicada». Tenho a certeza de que nunca mais se lembrou nem pensou no assunto e disse para eu dar o meu contacto à funcionária do guichet, que nesse dia sem falta me ligaria. Estamos a 23 de Maio de 2019 (dia da entrevista) e nunca mais sequer me foi marcada nova consulta.”

Paula Cristina contactou o serviço de Oftalmologia por email, dirigido ao Dr. Nuno Campos, “mas sem qualquer resposta. Qualquer dia deixo de ver pela progressão das cataratas e o Dr. Nuno Campos não se lembra sequer que eu existo. Acho que ele só quis fazer a primeira consulta para diminuir a lista de espera, e depois dai para a frente é protelar qualquer decisão.

E não posso chegar ao HGO e marcar uma consulta por minha iniciativa, ou voltar a pedir à minha médica de família que remarque nova consulta porque o HGO é o meu hospital de residência. Mas perante tudo isto, que vontade ou garantias tenho se continuar a ser atendida por este médico?”.

Face ao que se estava a passar, Paula Cristina fez um seguro de saúde em 2018, “na Medis, e contactei de novo o Dr. Carpinteiro, que me tinha operado inicialmente. Ele tentou tudo mas o seguro considerou que as cataratas são «um problema pré-existente» e recusou. O Dr. Carpinteiro voltou a enviar um relatório e foi novamente negada a comparticipação, com a alegação que «as cataratas tinham sido consequência da cirurgia de lasik».

Perdi dinheiro e tempo e não tenho solução, estando em risco de cegar. Já tenho dificuldades a conduzir de noite.”

Em desespero, Paula Coutinho já pensou até “marcar uma consulta no Hospital da CUF, onde o Dr. Nuno Campos dá consultas particulares e apresentar-me lá só para ver qual será o tratamento que recebo e a resposta que ele daria ao meu problema. Também já me aconselharam para ir ao HGO a uma quarta-feira (dia de reunião) e esperar pelo médico nos corredores e ver o que ele me diz, mas não tenho vida para perder uma manhã e sair de lá sem respostas, porque também vi outros doentes a querer falar com ele, com situações semelhantes e ele nem responde. Ou se lá for, ele terá de ouvir umas quantas coisas…”

Também sobre esta situação o Diário do Distrito solicitou declarações à administração do HGO, obtendo como resposta que «o tempo de espera por uma consulta da utente Paula Cristina Godinho, no Serviço de Oftalmologia, tem a ver com a grande procura do Serviço e escassez de recursos humanos. A utente será chamada tendo em conta a urgência do seu estado e as possibilidades do Serviço em causa.»

Foram também contactados pelo Diário do Distrito o serviço de Oftalmologia do HGO, directamente para Dr. Nuno Campos; o ministério da Saúde; a Secretária de Estado; a Direcção Geral de Saúde, sem qualquer resposta destas entidades, e a ARS-LVT que encaminhou o assunto para o HGO.


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