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Campanha ‘Vamos ajudar o Piloto’ reúne verba para carro adaptado

No dia 6 de Dezembro de 2019 a vida de Ricardo Piloto mudou. Um despiste na viagem de motorizada da Moita até ao Algarve causou-lhe uma lesão na medula, e consequente paralisia dos membros inferiores.

No entanto, apesar das alterações que teve de fazer à sua vida, Ricardo Piloto não desistiu e das fraquezas fez forças, colocando dois objectivos na sua vida: recuperar o máximo de mobilidade e conseguir comprar um carro adaptado, que lhe garanta a autonomia.

Do acidente fala com o distanciamento de quem reviveu várias vezes todos os momentos.

“Fiz a viagem com um amigo, cada um na sua moto, sempre com o Luís à frente. Perto de Ourique, parámos num posto de combustível, e foi então que ele me disse para ir eu à frente. Cerca de dez minutos depois de termos arrancado, deu-se o despiste, numa curva larga e fácil de fazer. Ainda hoje não faço ideia do que aconteceu, não chovia, embora estivesse frio. Ia a curvar, deitei um pouco a moto e creio ter perdido a tração nos pneus. A moto caiu, saiu-me das pernas e seguiu e eu fui embater num suporte dos rails de proteção, só pensei ‘já me lixei’.

Do choque, além de um abrasão no braço, devido ao atrito com o alcatrão, resultou ter pressionado cinco vértebras “e uma delas partiu e comprimiu a medula espinhal.

“Na altura, sei que tentei mexer as pernas e estas não obedeciam, e apesar das dores, coloquei o braço no ar porque deu-me a sensação de ter ido parar à faixa de rodagem contrária e tinha receio de ser atropelado.”

O socorro foi prestado “por uma enfermeira que segundo soube depois, ia a caminho de Lagos e parou para me ajudar”, e pelos Bombeiros de Ourique, que foram chamados ao local pelo companheiro de viagem “que viu logo que o caso era grave. Eu acho que estive sempre consciente, mas o Luís disse que ao chegar perto de mim, eu estava inanimado, e temeu o pior.”

Aos Bombeiros agradece o imediato socorro, que levou a que fosse helitransportado para o heliporto de Hospital de Santa Maria “e depois fui transportado numa ambulância em marcha lenta até ao Hospital de S. José, onde fui avaliado e submetido a uma cirurgia, mas a compressão na medula deixou-me paraplégico e numa cadeira de rodas”.

Após o acidente “fui para o Curry Cabral e depois para Alcoitão, em Março de 2020, precisamente na altura que surgiu a pandemia de covid19”, que não facilitou a vida a Ricardo Piloto, porque além de ter de ficar afastado da família, viu também o processo burocrático com a Segurança Social muito dificultado.

“Ao fim de oito semanas de internamento, tive alta do Curry Cabral, e vim uma semana para casa, para me ambientar com a cadeira de rodas, avaliar os obstáculos e o que era necessário alterar.

Fui logo chamado para Alcoitão, e a partir daí já não pude voltar a casa, por precaução devido aos contágios, e as visitas eram muito limitadas, apenas de dois a cinco minutos para entregar a roupa suja e receber roupa limpa, sempre mantendo uma distância de cerca de quatro metros para falar com as minhas filhas e com a minha noiva.”

Em Alcoitão iniciou o processo que lhe permitiu recuperar alguma mobilidade. “Nessa altura estava muito debilitado, perdi muita massa muscular e tinha muita dificuldade em fazer os exercícios, havia dias em que não conseguia completar tudo, mas tudo isso serviu para chegar onde estou hoje. Durante os dois meses que estive lá senti pequenas melhorias, mas nunca é nada como queremos… Consegui recuperar algumas coisas, mas a cadeira mantém-se e os médicos dizem que dificilmente recuperarei, porque a minha lesão está classificada como «Asia ‘A’» (Escala ASIA – American Spinal Injury Association), o que significa uma «Lesão Completa» e muito dificilmente tem recuperação total ou parcial, visto que ainda não existe tratamento para este tipo de lesões na medula.”

O impacto da sua situação nas filhas também marca Ricardo Piloto. “A mais velha, Lara com quinze anos, tem mais noção das coisas, e sempre me deu força, e a Beatriz com nove também nunca mostrou fraqueza. Sempre me motivaram, mas só elas é que sabem como se sentem ao ver o pai numa cadeira de rodas.”

Vida em suspenso por falta de respostas

“Dá-me sempre a sensação que a partir do momento do acidente, a vida ficou em pausa.”

E Ricardo Piloto tem razão nesta afirmação, uma vez que, se em Portugal todos os processos burocráticos são morosos, o covid19 veio complicar tudo ainda mais.

“O meu acidente foi a 6 de Dezembro de 2019 e no dia 3 de Janeiro de 2020 a minha noiva foi pedir ao Centro de Saúde uma Junta Médica para me ser atribuído um Atestado Multiusos, a certificação da minha incapacidade, que permite o acesso a apoios da Segurança Social e a certos aspectos burocráticos, como o dístico de deficiente. Mas só o recebi em Abril deste ano, um ano e quatro meses depois do pedido.”

Agora aguarda uma resposta da Segurança Social, “para me reformarem da profissão que exercia, como vidraceiro, à qual não posso regressar porque era muito exigente em termos físicos.

A empresa onde trabalhava deu-me a hipótese de regressar, num cargo de escritório para trabalhar com as encomendas, facturação e clientes, e também posso vir a dar formação, mas só podem fazer-me novo contrato quando a Segurança Social responder e assim extinguirem o meu anterior posto de trabalho.”

Por ter sido vítima de despiste, “o seguro não me valeu de nada, porque tinha a apólice mais básica. Tive as despesas hospitalares pagas pelo SNS, porque recebia o ordenado mínimo e fui considerado como ‘insuficiente económico’”.

Outra das mudanças na vida de Ricardo Piloto foi passar “de um terceiro andar sem elevador, para uma moradia térrea, nas Arroteias, que pertence aos meus pais, e na qual tivemos de fazer uma série de adaptações, que passaram por tirar paredes e portas, de forma a que pudesse circular na cadeira de rodas”.

Sendo uma casa térrea, algo salta à vista, umas escadas que sobem para um piso superior. E a questão é inevitável: consegue usá-las?

“As escadas foram uma teimosia minha. Mesmo sem perspectivas dos médicos de voltar a andar, insisti que fossem colocadas e mantenho que as irei subir um dia. Neste momento dão para uma zona de arrumação da casa, que virá a ser para um quarto para as minhas filhas, que agora dormem connosco no único quarto da casa.

Foi o que conseguimos arranjar, de outro modo ficava limitado ao terceiro andar e a ter de ser transportado sempre pelos bombeiros. Assim, posso sair de casa, e ir fazer a fisioterapia deslocando-me na cadeira de rodas até à ambulância de transporte. Aqui em casa vou fazendo alguns exercícios, e já consigo dar alguns passos com o apoio do andarilho.”

T-shirt e sweatshirt solidárias ajudam na compra da viatura adaptada

Dois anos após a lesão, Ricardo Piloto quer recuperar o que puder da sua vida. “A vida continua e não pode ser só fisioterapia, tenho a minha noiva e as minhas filhas, e quero continuar a minha vida profissional.  Já aceitei que isto me aconteceu, e quero agora dedicar-me ao trabalho e a uma vida minimamente normal.”

Além da hora diária de fisioterapia, obtida através do SNS, “tento também ir ao ginásio que frequentava antes do acidente, mas preciso de boleia de amigos ou da minha noiva”.

O que nos leva ao intuito desta reportagem, de dar a conhecer o objectivo de Ricardo Piloto a curto prazo, e para o qual têm contribuído vários amigos e a solidariedade motard: a compra de uma viatura adaptada para garantir a sua autonomia.

“Esta campanha ‘Vamos ajudar o Piloto’ surgiu numa conversa de café com um amigo. Quando me perguntou como estava, queixei-me de que tem de ser a minha noiva a sair do trabalho para tratar de toda a burocracia, e que não tenho sequer forma de ir buscar as minhas filhas à escola.

Ele achou que a melhor maneira de me ajudar seria divulgar a minha situação e pedir a todos que contribuíssem para angariarmos a verba e comprar uma viatura adaptada, que eu pudesse conduzir. Disseram-me para escolher o modelo, para sabermos o valor do carro e o orçamento para a adaptação, porque os meus pés não mexem e os comandos terão de ficar perto do volante, e com caixa automática.”

Mais uma vez as redes sociais fizeram o seu papel, com a partilha através de amigos “e daí começou esta ‘bola de neve’, em que várias pessoas têm tentado ajudar de diversas maneiras, o que me mostra que ainda há gente boa no mundo”.

As ajudas vieram também através de iniciativas organizadas por vários moto-clubes, “embora nunca tenha feito parte de nenhum, sempre fui apenas simpatizante e ia a algumas festas, mas nunca me fidelizei. No entanto, tive um grande retorno, pelo facto de os motards serem muito solidários.”

Algumas das iniciativas previstas são “um bailarico, um jogo de futebol, um corte de cabelo solidário com o Moto Clube de Alhos Vedros, mas com os novos surtos de covid19, também ficou tudo um pouco em stand-by”.

Outra divulgação foi feita através da APAVAM by Patrícia Tenreiro “que soube do meu caso e quis conhecer-me e ajudar-me com angariação de fundos para a minha causa”.

Os donativos podem ser realizados através da página pessoal de Ricardo Piloto – Ricardo Krazypilot, e da noiva, Catarina Prata, onde também podem ser adquiridas as t-shirt e sweatshirt solidárias, mais uma forma de ajudar na angariação de fundos.

“A Catarina está no ramo da moda, tem a loja ‘Miss K’, e teve a ideia de vender este vestuário, com o logotipo ‘RK- Strong for life’, que foi feito por um amigo do Pinhal Novo, entre ele e a Catarina, e só depois de tudo preparado é que me mostraram. O ‘RK’ pode ser interpretado de várias maneiras: ‘Ricardo Krazypilot’ ou ‘Ricardo e Katarina’.”

Apesar das ajudas, “ainda estamos longe do valor para comprar o carro”, e em mais uma prova de amor, Catarina Prata colocou a sua motorizada à venda, “e o valor vai reverter também para a minha causa. Por um lado, ela ficou com algum receio após o meu acidente, porque se ela faltasse à família, ficaríamos em grandes dificuldades uma vez que a minha mãe, que mora aqui ao lado, também tem problemas de saúde. Mas também penso que ela não anda mais de moto para não me magoar.”

No final de cada entrevista, impõe-se a pergunta sobre o futuro. E Ricardo Piloto tem uma data definida: “no dia 15 de Agosto de 2022, tenho o casamento marcado com a Catarina”.

Entretanto, luta dia-a-dia para recuperar o máximo de mobilidade. “Nos hospitais disseram-me qual é a minha situação, sobretudo baseados nas estatísticas, mas vou tentar contrariar essas estatísticas e acredito que posso recuperar mais do que aquilo que os médicos me dizem.”


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