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«As pessoas são pobres sem parar de trabalhar»

O Fórum Cultural do Seixal recebeu esta terça-feira o primeiro Ciclo de Debates promovido pela União Distrital das Instituições Particulares de Solidariedade Social de Setúbal (UDIPSS), sob o tema ‘O empobrecimento da sociedade e o papel das IPSS’.

Nas várias intervenções foi comum a conclusão de que o Estado terá de aumentar o apoio dado às entidades e associações que, dia a dia, combatem a pobreza, mas também dão respostas sociais em vários aspectos, seja no isolamento, no apoio psicológico e também na promoção da qualidade de vida das populações.

Outro aspecto que foi realçado abordou a questão da pobreza de pessoas que, tendo rendimentos provenientes do seu trabalho ou de pensões de reforma, não conseguem suprir às suas necessidades mais básicas.

A sessão foi iniciada pelo presidente da UDIPSS, Fernando Sousa, e pelo vice-presidente da Câmara Municipal do Seixal, Paulo Silva.

Embora prevista a presença e intervenção da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, esta não se concretizou.

“As perspectivas de futuro do combate à pobreza não são animadoras”, referiu o Padre António Sílvio Couto, Pároco da Moita em representação do Centro Paroquial da Moita.

Com fortes críticas para o desempenho das entidades governamentais, o pároco frisou que “há quem ganhe com a pobreza, e em manter os pobres presos pela boca.

As pessoas são pobres sem parar de trabalhar, porque não conseguem ganhar o suficiente para viver acima do limite da pobreza.”

Presidente da Associação NÓS, que completa agora quarenta anos de existência, Humberto Candeias destacou “a necessidade de preservar o espírito aventureiro de todos os que ao longo dos anos foram criando estas instituições, mas também é essencial que haja paixão no que se faz”.

A crítica foi dirigida “ao modelo de financiamento das IPSS, que tem de ser revisto porque, não podemos continuar a ter de pagar tudo ao preço de mercado, e não cobrar nada aos utentes. Os apoios não são suficientes para conseguirmos prestar o nosso serviço com dignidade. Se somos a primeira linha de ajuda, são necessários mais apoios.”

Baixos salários promovem a pobreza

Do Centro Social Paroquial Padre Ricardo Gameiro, Ana Carvalho, focou as várias valências da entidade, mas destacou também os principais motivos que levam os utentes a solicitar auxílio: “pessoas com problemas mentais que não conseguem obter ajuda; trabalhadores cujos salários servem quase exclusivamente para manterem o seu tecto e idosos com pensões muito baixas”.

A pobreza que ainda se faz sentir no arquipélago dos Açores foi abordada por Anabela Borba, da URIPSS Açores, derivada de factores como “a baixa escolaridade e o abandono escolar, e uma estratégia de combate à pobreza que está praticamente parada.

Por outro lado, as pessoas trabalham, mas ganham muito pouco, uma vez que no tecido empresarial nos Açores não pagam os salários equivalentes às funções desempenhadas, mesmo aos quadros superiores”.

O Diácono Horácio Félix, responsável da Comunidade Vida e Paz, destacou os problemas que levam as pessoas à situação de “ficar em condições de sem-abrigo, e não de ser ‘sem-abrigo’ como por vezes é rotulado, e que passam por problemas como o alcoolismo, socialmente aceite, barato e que destrói tantas vidas e famílias. Quero frisar que ninguém está na rua porque quer.

E neste momento temos pessoas que têm tecto, mas não têm alimentação, um problema que está a aumentar.”

Também aqui as críticas foram dirigidas “aos organismos com capacidade de decisão, que poderiam não promover a pobreza. As comparticipações pagas às IPSS não são actualizadas desde 2008, quando temos os custos a aumentar constantemente, mas depois as inspeções às contas das associações são muito zelosas.

Preocupam-se com as normativas, em vez de se preocuparem com as pessoas, mas perante os problemas, é à nossa porta que depois vêm bater.”

Do Centro de Solidariedade Social Nossa Senhora das Dores de Ortiga, Mação, João Filipe, frisou o problema do envelhecimento do interior do país, “mas também o facto da falta de emprego, sendo que no caso do nosso concelho, a maior empregabilidade vem precisamente das IPSS.

Por outro lado, temos de andar constantemente a fazer ‘contas de merceeiro’ para conseguir equilibrar os orçamentos, porque entre o que pagamos à Segurança Social pelos funcionários e o que recebemos de apoios para tratar dos utentes, pouco sobra.

Temos de insistir no novo paradigma da comparticipação por parte do Estado no valor dos cinquenta por cento.”

Rita Valadares, José Carlos Batalha, Luís Capucha

Seguiu-se a conferência ‘Pobreza – Desafios e Oportunidades’, pelo Professor Dr. Luís Capucha, que defendeu ser possível “combater a pobreza com políticas sociais correctas, e para isso temos os países nórdicos, que em poucos anos conseguiram chegar a um patamar com o qual apenas sonhamos.

Também não podemos ter a funcionar a caridade em lugar da solidariedade. Esta pode ser um paliativo, mas não deve ser a alternativa à política de solidariedade.”

A sessão encerrou com as participações José Carlos Batalha, presidente da Mesa da Assembleia Geral da CNIS – Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade, e de Rita Valadas, presidente da Cáritas Portugal, a relembrar que “foi no distrito de Setúbal que comecei a minha actividade e este é um distrito com o qual muito tem a ensinar”.

Em relação ao tema da pobreza, considerou “sentir-me culpada por não ter conseguido fazer mais.

Mas somos um país pobre que vive como rico, e onde criamos desperdício de tudo. Somos também pouco assertivos na resolução dos problemas, continuamos a querer fazer cosmética com os números da pobreza, que na realidade dizem muito pouco, ou dizem que estamos pior que nunca.

Podemos fazer todos os estudos, estatísticas e afins, mas senão formos aos locais, trabalhar em proximidade com a população, não conseguimos saber a realidade do que se passa. É necessário olhar o território como um todo, mas também no seu particular.”


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