Sesimbra: Ex-combatente mora há dois meses dentro do carro na Quinta do Conde (atualizado)

João Manuel Ferreira vive há dois meses dentro do seu carro, que estaciona perto das redondezas do Pingo Doce da Quinta do Conde. A reforma dá para pagar a comida e os medicamentos. Já para alugar um quarto é impossível. Passou por duas encarcerações, e crê que há de voltar a ser preso.

Ao refletir sobre a sua rotina, explica que é “Comer assim, assim. E esperar que o tempo passe”, diz ao Diário do Distrito.

Desde que foi parar à rua, a higiene pessoal tem sido mantida à base de um ou dois duches por semana, num centro de dia na Quinta do Anjo, em Palmela. Onde encontrou alguém que trata-se da sua roupa.

Com dificuldades em encontrar um quarto disponível, o ex-combatente de 72 anos tem procurado um quarto para alugar, uma tarefa que se tem mostrado difícil:

 “A pessoa do outro lado não me aceita”, diz o próprio, “ou o quarto é para jovens, ou é apenas para mulheres, ou os valores são muito altos”. Ainda que o Sr. João estivesse disposto a abdicar de quase toda a sua reforma, o sacrifício resultaria na impossibilidade de pagar pelas suas refeições diárias.

Por outro lado, o ex-combatente recusou diversas propostas apresentadas pela autarquia de Sesimbra, continuando a desejar uma habitação noutros concelhos.

“Hei de regressar para a prisão“

“Fui para a Marinha na década de 60, jurei a bandeira, depois a PIDE meteu-me na rua, a mim e a muitos outros”. “Em 1973, acabei por ir outra vez para o Exército”, diz, com mais entusiasmo. Da mesma forma, lembrou-se de ter jurado a bandeira mais do que uma vez, o que até acredita ser inconstitucional. 

Como civil, João dedicou a vida à construção civil. Morou numa casa com a esposa e os seus dois filhos. Em 2003, separou-se da mulher, um desgosto que se aliou à morte do pai e a um grave acidente de mota na juventude que continua a constranger a sua saúde.

Uma inesperada traição do irmão, seguida da morte do pai, foi o golpe final:

“Um irmão meu roubou tudo da herança do meu pai. Fui ao tribunal, mas a advogada que tomou conta do meu caso não fez nada “. Desabafa, refletindo sobre o período conturbado.

“Descarrilei”, concluiu. Após a sequência de eventos, João gastou o dinheiro que tinha a viajar e acabou por ter de viver no carro. Desmotivado pelo caos que via no seu dia a dia, não renovou a carta, e a justiça chegou até si: “Fui para a prisão por não ter renovado a carta”, explica “E hei de ir outra vez…”

Apoios e saúde mental

Após cumprida a segunda pena, João percorreu as instituições que podia à procura de auxílio. Os serviços de reinserção social, que poderiam ajudar, não o fizeram. João contactou a Linha Social de Emergência Social, número 144, serviço que dirigiu o seu caso para os técnicos da Câmara Municipal de Sesimbra, órgão com a competência para o ajudar. A autarquia tem mobilizado esforços conjuntos com a Câmara de Palmela para fornecer o apoio necessário neste caso, e encontrar a habitação certa.

Mas ainda sem aceitar as propostas apresentadas, o Sr. João continua à procura de um quarto disponível na região.

Em resposta, a autarquia salienta que está comprometida em apoiar o caso do ex-combatente, desde o apoio à higiene pessoal, o apoio alimentar e na procura de uma solução de habitação viável, no entanto, o sucesso dessas medidas depende também da aceitação e colaboração dos próprios cidadãos:

“A 13 de março veio ao serviço buscar nova listagem de quartos/casas para alugar e ao ver a lista que lhe foi entregue, reclamou dizendo que eram situações que não queria porque se recusa ir para zonas como Almada, Seixal, Moita e arredores, aceitando apenas opções em Palmela ou na Quinta do Conde. Saiu do serviço a reclamar, tendo sido mal-educado e verbalizando palavrões/asneiras.”, conta a autarquia.

O ex-combatente confessa que se excedeu no discurso, e admite que recusou as opções fora dos concelhos de Palmela e Sesimbra, nomeadamente em Almada e Seixal. João refere que pretende uma solução nos concelhos onde sempre habitou, e que não teve interesse em visitar os quartos nessas localidades.

O futuro

Com lesões na perna, na bacia, e os efeitos de um AVC a corromperem-lhe a qualidade de vida, João continua a viver no banco traseiro do seu carro.

Contactado esta quinta-feira, 27 de março, o ex-combatente mantém a esperança de vir a encontrar uma solução de habitação num dos concelhos onde sempre viveu e afirma que vai tentar encontrar apoio junto da Liga dos Ex-combatentes.

*O presente artigo foi atualizado no dia 27 de março, na sequência da necessidade de esclarecer os factos previamente apresentados.

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