Sandro Saldanha: “A incerteza sobre o futuro é constante”
Conheça as dificuldades e as singularidades do percurso de Sandro Saldanha, músico frelancer a trabalhar em Portugal há mais de 20 anos.
Viver da música não é fácil, e Sandro Saldanha sabe-o bem. Desde os primeiros acordes na guitarra de 12 cordas na casa de infância e do “café da Zézinha” às atuações em casamentos e até em funerais, o músico conheceu os altos e baixos da “montanha-russa emocional” de um artista freelancer em Portugal.
Quem é Sandro Saldanha?
Acima de tudo, sou um homem de família. A minha filha é a minha maior alegria. A música é a minha paixão, mas a família sempre vem em primeiro lugar. Apesar dos altos e baixos da vida, procuro manter a serenidade e a positividade. Acredito que a honestidade e o trabalho duro são fundamentais para construir uma vida feliz e significativa. Sou um eterno aprendiz, sempre buscando me aprimorar e ser uma pessoa melhor a cada dia.
A música é a minha profissão, mas também é a minha paixão. Gosto de tocar, de compor, de compartilhar a minha boa disposição o mundo. No entanto, sei que é importante encontrar um equilíbrio entre a vida profissional e pessoal. Em casa, gosto de ter uma rotina tranquila, de ler um bom livro, de fazer exercícios. Apesar dos erros que cometi no passado, aprendi com eles e hoje me considero uma pessoa mais madura e responsável.
Sempre fui uma pessoa bastante independente e autossuficiente. Gosto de ter o meu próprio espaço, de cuidar da minha saúde e do meu bem-estar. A música me ajuda a expressar meus sentimentos e a lidar com as dificuldades da vida. Apesar de ter cometido alguns erros no passado, nunca desisti dos meus sonhos e sempre busquei me superar. Acredito que a vida é uma constante evolução, e que é preciso estar sempre disposto a aprender e a mudar.
A relação com a música vem de família?
As minhas primeiras memórias são marcadas pela voz do meu Pai, a cantar fado nas festas familiares e com amigos. Ele tinha um talento inegável e sua música embalava as nossas noites. Em casa, a trilha sonora era eclética: desde Roberto Carlos até os Scorpions. A música sempre fez parte da nossa rotina. Até hoje, quando visito meus pais, a casa continua vibrante, com o rádio sempre a tocar, desde que nasce o dia até à noite.
De que forma nasceu esta paixão pela música?
A paixão pela música sempre fez parte da minha vida. Desde que nasci, havia uma guitarra acústica em casa – uma Eko de 12 cordas dos anos 60 que meu pai trouxe de Angola. Lembro-me de passar horas dedilhando as cordas e tentando descobrir novas harmonias. Por volta dos 10 anos, comecei a frequentar um café no meu bairro, o “café da Zézinha”, onde um grupo de amigos se reunia para tocar e cantar. Levei minha guitarra, que era quase do meu tamanho, e eles ensinaram-me os primeiros acordes. O “café da Zézinha” era o meu refúgio. A fumo dos cigarros pairava no ar, as vozes se misturavam com o som dos instrumentos e a alegria contagiava a todos. Aprendi a tocar clássicos do rock nacional e internacional. A cada nova música que dominava, sentia uma enorme satisfação. A guitarra tornou-se a minha companheira inseparável.
Recordações da primeira atuação em público?
As minhas primeiras apresentações eram improvisadas e informais. Em festas de clubes e cafés concertos, era comum alguém me convidar para cantar e tocar uma música. Mas minha estreia “oficial” aconteceu em 5 de outubro de 1992. A associação de estudantes da minha escola nos convidou, a mim e a outros dois amigos que tocavam comigo nos intervalos das aulas, para tocar num desfile de moda. Achamos que seria um evento pequeno, mas ao chegarmos ao pavilhão do Sacavenense, encontramos cerca de 1500 pessoas! Ficamos todos “borrados” com os joelhos a bater um no outro, mas conseguimos superar o nervosismo e fizemos um bom show. Foi nesse dia que nasceu a minha primeira banda, os “Valha-me Deus”.
Já teve outros trabalhos para além da música ou tentou sempre conciliar com a música?
Sim, em 1999, ao me casar, senti a necessidade de estabilizar minha vida profissional e coloquei a música em segundo plano, coisa que foi um erro, mas faz parte do percurso. Nessa altura Trabalhei em diversas áreas, desde telecomunicações e na área comercial, mas a paixão pela música nunca se apagou. Depois tive a experiência de morar na Inglaterra, onde a vida noturna era vibrante e a música estava presente em todos os lugares, isso reacendeu em mim o desejo de voltar aos palcos. Ao regressar a Portugal, em 2005, não hesitei em novamente me dedicar integralmente à música, Foi nesse ano que fundei a banda Neim, que continua ativa até hoje.
Com que idade decidiu viver exclusivamente da música?
A partir dos 17 anos, depois daquela noite no pavilhão do Sacavenense, a minha vida mudou. Os convites para tocar começaram a chover e, em pouco tempo, estava com uma agenda cheia de atuações e residências semanais. A ideia de poder transformar a minha paixão pela música numa profissão era simplesmente incrível. A partir daquele momento, nada mais importava. A música era tudo o que eu queria.
Quais são os principais desafios para quem vive só da música?
Ser músico em Portugal é uma montanha-russa emocional. A falta de um sistema de apoio sólido para os artistas independentes torna a vida profissional extremamente instável. A pandemia expôs a fragilidade desse cenário, deixando muitos músicos, como eu, sem qualquer fonte de renda por longos períodos. Perdi minha casa e tive que recomeçar do zero. A incerteza sobre o futuro é constante: a necessidade de planejar a agenda com meses de antecedência, a pressão para se adaptar às novas tendências do mercado e a constante luta para manter a saúde mental são desafios que nos acompanham diariamente. A escolha entre tocar música que não nos satisfaz ou abandonar a nossa paixão para garantir a sobrevivência é uma realidade para muitos músicos portugueses.
Qual foi o espectáculo que mais o marcou?
A Feira das Tradições de Pinhel, com seus 15 mil espectadores, já era um cenário incrível por si só. Mas foi um momento inesperado que tornou aquele concerto inesquecível. A minha filha, com apenas 12 anos, olhou para mim com aqueles olhos brilhantes e pediu para cantarmos juntos. O coração disparou. Ver minha pequena a subir ao palco, com passos hesitantes, mas cheios de determinação, foi como ter entrado numa máquina do tempo e ver de fora a minha própria estreia. Lembrei-me daquela sensação de nervosismo misturada com a euforia de estar ali, diante do público. Foi um momento mágico, que me emocionou profundamente. Até hoje, quando penso nesse dia, uma lágrima escorrega pelo meu rosto.
Que tipo de espetáculos costuma fazer?
A minha trajetória musical já me levou a experimentar uma variedade de palcos. Já toquei em bares aconchegantes, em grandes festas de rua, em casamentos repletos de alegria, em despedidas de solteiro com a energia a mil, despedidas de casados, em eventos corporativos mais formais e, em num momento mais sensível, até mesmo em um funeral. Cada um desses momentos, com suas particularidades e emoções, deixou uma marca especial na minha carreira.
Onde é que habitualmente costuma tocar?
A minha agenda musical é bastante diversificada. Tenho um compromisso semanal no Irish & Co, no Parque das Nações, mas adoro explorar novos lugares. Já me apresentei em diversas cidades do país, do Norte ao Sul, incluindo as ilhas. E as minhas aventuras musicais vão além das fronteiras de Portugal. A verdade é que estou sempre pronto para levar a minha música aonde me chamarem. Seja num grande palco, diante de milhares de pessoas, ou num ambiente mais íntimo, como a sala de estar de alguém.Bata ligar e pagarem e eu estou lá.
Qual foi o pior espectáculo?
A ideia de um “pior” espetáculo é relativa. Já toquei para plateias cheias que pareciam mais interessadas em conversar do que em me ouvir, mas também para espaços vazios para pessoas que me ouviam com uma atenção tão intensa que era como se estivéssemos apenas nós dois no palco. Um espetáculo que me marcou profundamente foi no Clube Knockout. Estava com uma broncopneumonia, a sentir-me sentindo mal, mas a vontade de tocar era maior. O público percebeu a minha dificuldade e, em vez de me julgar, acabou por me levar durante duas horas. Eles cantaram comigo, deram-me energia e fizeram-me sentir parte de algo muito especial. Essa experiência mostrou-me o poder da adrenalina da música, de tocar ao vivo e a importância da conexão entre o artista e o público.
Como é atuar para um público que não cria ligação com o músico?
A música é uma troca de energia entre o artista e o público. Aquele aplauso, aquele sorriso, aquele choro… são a prova de que a música está a conectar as pessoas. Quando essa conexão não acontece, é como se uma parte de mim ficasse incompleta. Nesses momentos, busco refúgio na música. Fecho os olhos e me permito cantar aquilo que realmente me move, as canções que carregam a minha alma. Essa atitude, muitas vezes, cria uma ponte entre mim e o público, fazendo com que eles se conectem comigo de uma forma mais profunda. Um dos meus maiores desafios como artista é a busca pela aprovação. Tento agradar a todos, mas isso me impede de ser autêntico. Aprendi que é preciso encontrar um equilíbrio entre a necessidade de conectar com o público e a liberdade de expressar a minha própria verdade. Afinal, a música é a minha paixão e eu preciso que ela transmita essa paixão.
O facto de não ter uma vida financeiramente estável tem-lhe prejudicado a sua vida privada?
Ser músico é uma paixão, mas também um desafio constante. A instabilidade financeira é uma realidade para muitos artistas, o que impacta diretamente nossa qualidade de vida e nossos relacionamentos. A necessidade de trabalhar em horários e locais variados, muitas vezes nos finais de semana e feriados, nos afasta das pessoas que amamos. A falta de um salário fixo nos obriga a cancelar planos de última hora, o que pode desgastar nossos vínculos afetivos. Com o tempo, os convites para eventos sociais diminuem e nossa vida social se restringe aos momentos em que estamos trabalhando. É difícil não se sentir um pouco sozinho nessa jornada.
A filha já segue as pisadas do Pai, foi algo que surgiu naturalmente?
A música flui pelas veias da minha filha de uma forma tão natural que me emociona. Ver a paixão dela a crescer a cada dia enche-me de orgulho. Nunca a forcei a seguir esse caminho, mas ela escolheu as aulas de canto e dedica-se com entusiasmo. Acredito que a sua maturidade se deve ao fato de ter acompanhado de perto a minha jornada como músico. Ela sabe das dificuldades da profissão e tem os pés no chão. Apesar disso, sonha em fazer da música a sua vida. A frase “se um dia se tornar um plano A, melhor ainda” resume perfeitamente a sua perspetiva: a música é uma paixão, um sonho, mas também uma realidade que exige muito trabalho e dedicação.
Com a experiência que tem, que conselho daria a quem está a começar agora para, de certa forma, evitar os erros que eventualmente cometeu na gestão da sua carreira?
Para quem sonha em viver da música, a jornada é repleta de desafios. Ser um artista resiliente adiciona camadas únicas a essa experiência. Atrás das luzes dos palcos e da fama, existe um universo de trabalho árduo, estudo constante e busca por novas oportunidades. É preciso ir além do talento natural e desenvolver uma mentalidade forte, capaz de lidar com as incertezas da indústria musical. Construir uma carreira sólida exige paciência e planeamento, começando pelos alicerces e nunca pelo telhado. Lembrem-se: vocês merecem ser valorizados. Nunca aceitem menos do que vocês valem e acreditem no vosso potencial.
Como se vê daqui a 15 anos?
O futuro é incerto, mas é natural pensar em como será a minha vida daqui a 15 anos. Provavelmente, estarei em uma fase em que a energia para os palcos já não será a mesma. A ideia de me apresentar como um artista desconhecido em bares ou festas, nessa idade, não me agrada muito. No entanto, a música continuará a fazer parte da minha vida. Posso me dedicar à composição, à escrita de letras ou até mesmo à produção musical, trabalhando por trás das cortinas. Atualmente, é difícil projetar como serão minhas atividades artísticas no futuro, pois os paradigmas da indústria musical estão em constante mudança. Prefiro aproveitar o presente e deixar que o futuro se desenrole naturalmente.”
Nas redes sociais chegou a fazer um desabafo sobre a visão que as pessoas têm da vida boémia dos músicos, pode partilhar essa visão?
Quantas vezes já ouvi que ser músico é fácil? Que é só subir no palco e tocar? A realidade é bem diferente. Atrás daquela imagem glamorosa de um artista, existe uma rotina exaustiva de trabalho. Carregamos nossos próprios instrumentos, montamos e desmontamos o palco, enfrentamos longas viagens e horários incertos. E tudo isso antes e depois de subirmos no palco para dar o melhor de nós. A pressão para agradar o público, a insegurança sobre o futuro e a luta constante por reconhecimento são desafios que fazem parte da nossa vida. Somos mais do que um rosto bonito ou uma voz melodiosa. Somos artistas, sim, mas também somos trabalhadores, empreendedores e sonhadores. Merecemos respeito e reconhecimento pelo nosso trabalho.
A próxima vez que alguém te disser que ser músico não é um trabalho de verdade, mostra a eles a realidade por trás dos palcos.
Ser músico não é um hobby. É uma profissão que exige suor, dedicação e paixão.
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Sandro Saldanha