EntrevistaSeixal
Em Destaque

Rui Pereira: “Cresci com Fernão Ferro. Vi isto como uma missão.”

Entrevista exclusiva com o presidente da Junta de Freguesia de Fernão Ferro.


Rui Pereira é presidente da freguesia de Fernão Ferro (concelho do Seixal) desde 2021. Eleito pelas listas do PS, Rui lidera uma freguesia que, apesar de ser das freguesias que mais cresceu no concelho e no país, enfrenta vários problemas ao nível da falta de equipamentos e infraestruturas…

Vários moradores da freguesia queixaram-se sobre faturas de água com valores excessivos, associados a leituras em atraso, algumas atingindo várias centenas de euros. De que forma a freguesia tem respondido a estas preocupações?

A situação continua difícil de resolver. Inicialmente, como é sabido, havia faturas de água com contagens que ultrapassavam em muitos meses o prazo legal. Isso levou a que muitas pessoas começassem a apresentar reclamações.

Desde o início, a Junta apoiou os consumidores com todo o suporte possível para que pudessem formalizar as suas queixas. No entanto, a Câmara Municipal, numa fase inicial, não reconheceu a gravidade do problema, nem admitiu que a situação era anormal. Só quando as reclamações se tornaram imensas é que a Câmara reconheceu o erro.

Foi anunciado que todas as situações seriam corrigidas: as faturas indevidas seriam canceladas e os planos de pagamento exigidos e já efetuados pelos consumidores seriam revertidos. Na altura, parecia que o problema seria resolvido.

Porém, não foi isso que aconteceu. Atualmente, ainda há pessoas a receberem notificações com prazos de pagamento irrealistas. Por exemplo, ontem, algumas pessoas receberam cartas cuja data limite de pagamento era o próprio dia.

Embora alguns consumidores que pagaram indevidamente já tenham recebido os reembolsos, muitos ainda aguardam. Além disso, as lojas de atendimento estão sobrecarregadas, com cerca de 99% dos casos relacionados a problemas com as faturas da água.

O cenário é, neste momento, de completo caos.

Há alguns meses, discutimos o problema da higiene urbana em Fernão Ferro. Desde então, a Câmara Municipal implementou o sistema de recolha porta-a-porta para enfrentar esta questão. A freguesia está, de fato, mais limpa?

Até ao final do primeiro trimestre do próximo ano, prevemos que praticamente toda a freguesia esteja abrangida pelo sistema de recolha seletiva porta-a-porta.

No entanto, é crucial adotarmos uma postura mais proativa e firme na fiscalização e aplicação de multas relacionadas ao depósito ilegal de resíduos. Em vários locais da freguesia, é comum encontrarmos imensos resíduos acumulados, que se assemelham a pequenos aterros ilegais. Há muitos sítios que são autênticas lixeiras a céu aberto.

Noto que agora, em vez de haver mais locais de disseminação ilegal, existem menos, mas maiores. E as pessoas começam a não ter vergonha de o fazer. Há descargas ilegais a todas as horas, mesmo durante o dia.

Se fossem aplicadas multas mais severas, essa informação circularia de forma natural.

Além disso, há uma parcela significativa da população que adota o papel de vigilante do espaço público, como polícias. Mas temos de implementar medidas mais fortes, direcionadas aos prevaricadores.

Grande parte do despejo ilegal de resíduos é causado por empresas, especialmente pequenas obras, que abandonam sobras em locais públicos. Muitos cidadãos também desconhecem o serviço de recolha de monos, agravando o problema. Embora existam contentores alugáveis para grandes volumes, os custos associados levam muitos a optar por soluções ilegais, mais simples e baratas.

Quais são as perspetivas de melhoria para o futuro?

A Câmara está a finalizar a construção de um ecocentro. Resta saber se este será efetivamente utilizado para o propósito pretendido. Espero que sim, embora tenha algumas reservas.

No entanto, relativamente ao problema do lixo, é evidente a falta de resposta por parte da Câmara, o que considero preocupante.

Adicionalmente, não tenho qualquer acesso ao Presidente da Câmara para abordar estas questões diretamente.

Fernão Ferro
O associativismo é uma importante força dinamizadora da freguesia.

A relação com a Câmara tem sido complicada?

Sim, tem sido complicada, sobretudo com o Presidente da Câmara. Parece-me que há uma certa resistência em aceitar as dinâmicas próprias da democracia, o que complica a convivência. Além disso, o facto de estarmos em diferentes partidos contribui para que, por vezes, as atitudes tomadas relativamente à Junta de Freguesia de Fernão Ferro não sejam as mais adequadas.

Fernão Ferro sempre foi a freguesia mais esquecida do concelho. Sempre foi difícil conseguir coisas para Fernão Ferro, mesmo quando a Junta era da CDU.

Durante anos, nada foi devidamente planeado para Fernão Ferro. Posso dar como exemplo as infraestruturas escolares: o ensino básico, o ensino secundário e até mesmo um pavilhão municipal. Este último, prometido há mais de 20 anos, continua a ser uma necessidade não atendida. Durante o longo período em que a Junta de Freguesia de Fernão Ferro foi liderada pela CDU, muitas promessas foram feitas, mas pouco se concretizou. Fernão Ferro sempre foi visto como um território útil para gerar receitas para a Câmara, mas sem o devido investimento de retorno para beneficiar a freguesia.

Enquanto estiver aqui, continuarei a defender os interesses da nossa população. Quero também sublinhar que, relativamente à Câmara Municipal, reconheço o profissionalismo dos técnicos e funcionários que lá trabalham. No entanto, quanto ao Presidente da Câmara, há questões que não posso deixar de criticar.

Sente que há alguma intransigência?

Sim, muita. É evidente a discrepância e o tratamento desigual entre Fernão Ferro e as restantes regiões do concelho. Há uma clara preferência por áreas onde há maior proximidade política.

Além disso, é importante destacar que, no contexto municipal, três pessoas anteriormente ligadas ao Chega desvincularam-se do partido e tornaram-se independentes. Há uma consonância entre o vereador independente que pertenceu ao Chega e a Câmara. Essa situação tem muitas vezes favorecido a atuação da CDU, permitindo-lhe avançar com projetos sem necessidade de muito diálogo com a oposição.

Nós enfrentamos dificuldades significativas para estabelecer um diálogo com o presidente da Câmara. Fizemos um pedido de reunião a 10 ou 11 de novembro de 2023, mas só fomos atendidos a 29 de outubro de 2024, quase um ano depois.

Não considero que esta falta de disponibilidade do presidente para dialogar com a Junta durante tanto tempo prejudica seja uma prática normal.

Mas apesar disso, conseguimos estabelecer um diálogo respeitoso e produtivo com outros vereadores da CDU.

Segundo os últimos sensos, Fernão Ferro foi das freguesias que mais cresceu no país…

De acordo com os censos de 2011 e 2021, Fernão Ferro destacou-se como uma das 10 freguesias do país com maior crescimento proporcional da população. No entanto, esse crescimento acentuado infelizmente não foi acompanhado pela criação de novos equipamentos e infraestruturas.

Ainda enfrentamos a falta de escolas adequadas e outros equipamentos públicos essenciais. É verdade que, recentemente, começaram a surgir algumas melhorias, mas isso tem acontecido principalmente graças ao dinamismo e à dedicação do movimento associativo local. Essas associações têm desempenhado um papel crucial, com grande capacidade de trabalho.

Embora conte com algum apoio da Câmara Municipal e da Junta de Freguesia, a maioria dessas obras e iniciativas reflete principalmente o esforço e o empenho das associações.

Em Fernão Ferro, a intervenção direta da Câmara Municipal tem sido praticamente inexistente no que toca a obras significativas. Um exemplo gritante é a situação das escolas. Atualmente, enfrentamos uma grave falta de infraestruturas para a educação infantil, o que resultou em cerca de 500 crianças, entre os 3 e 5 anos, sem acesso a vagas no pré-escolar.

Além disso, o centro de saúde da freguesia, que era considerado um modelo inovador quando foi inaugurado há mais de 20 anos, encontra-se agora desatualizado e insuficiente para atender à população atual.

Embora os profissionais de saúde realizem um trabalho extraordinário, a capacidade física e os recursos disponíveis não são suficientes para responder à crescente procura. Como resultado, muitas famílias de Fernão Ferro continuam sem acesso adequado a cuidados primários.

Existiu a possibilidade de a Câmara Municipal de ter apresentado uma candidatura ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para a construção de um novo centro de saúde em Fernão Ferro. Não o fizeram.

Quantas pessoas estão sem médico de família?

O Centro de Saúde de Fernão Ferro foi originalmente projetado para dar resposta a cerca de 8 a 9 mil pessoas. Atualmente atende entre 14 a 15 mil habitantes. Se considerarmos o número total de pessoas residentes na freguesia, estimamos que a população chegue a cerca de 26 a 27 mil pessoas.

Embora o recenseamento oficial indique uma população de 20.500 pessoas, sabemos que esse número não reflete a realidade total. Há muitas crianças e jovens que ainda não estão recenseados, e também existem muitos cidadãos que vivem em Fernão Ferro, mas que não estão oficialmente registados aqui. Muitos desses moradores mantêm a morada fiscal em outras localidades, como Lisboa ou Almada, para garantir o acesso ao médico de família.

Portanto, considerando todas essas variáveis — crianças, jovens e moradores não recenseados — a população residente de Fernão Ferro provavelmente já ultrapassa os 27 ou 28 mil habitantes.

Fernão Ferro
Retrato de uma das “primeiras casas” de Fernão Ferro.

A junta tem recebido muitos pedidos de residência de imigrantes?

Sim, bastantes. A população de Fernão Ferro tem uma presença significativa de brasileiros, embora ainda não tenhamos, como acontece em outras áreas do concelho, um grande volume de imigrantes de países asiáticos.

Qual a idade média dos habitantes de Fernão Ferro?

A população de Fernão Ferro apresenta uma distribuição etária bastante variada. As pessoas que vivem aqui há muitos anos geralmente têm uma faixa etária mais avançada. No entanto, atualmente, cerca de 85% dos novos moradores são casais jovens, com idades entre os 28 e 35 anos. Essa faixa etária tem se destacado como a principal responsável pelo crescimento populacional na freguesia.

Essa tendência está a causar uma preocupação crescente, pois muitos desses casais estão a começar a formar famílias e a ter filhos. É essencial que a freguesia se prepare para oferecer as respostas necessárias a essa nova realidade.

Relativamente à segurança, diria que esta é uma freguesia segura?

Sim, não há casos significativos ou preocupantes a destacar. O que ocorre, ocasionalmente, são pequenos delitos, como danos ao espaço público, que embora não sejam graves, geram custos e refletem uma falta de consciência cívica. Muitas vezes, esses danos são causados por uma falta de educação e respeito, especialmente entre jovens na faixa etária dos 15 aos 22 anos.

Não somos um paraíso, mas, felizmente, não há nada que nos preocupe de forma mais significativa.

Por um lado mais positivo, quais foram as maiores conquistas da freguesia nos últimos anos?

A questão da Escola Secundária de Fernão Ferro tem sido um tema de longa data e de grande luta para a nossa freguesia. Em 2018-2019, entregámos uma petição pública à Assembleia da República, mas, infelizmente, o processo estagnou e nunca mais tivemos notícias sobre o assunto. Em fevereiro ou março de 2023, retomámos a iniciativa com um abaixo-assinado, que em novembro de 2023 entreguei ao Ministro da Educação, João Costa, com as nossas recomendações.

Como a nossa freguesia é do PS e o governo da altura era PS, acreditámos que poderíamos avançar. Conseguimos que a escola fosse oficialmente mapeada, o que é um passo importante. Agora, a questão que nos resta é entender como se dará o alinhamento entre a Câmara, a DGES e o Ministério da Educação. Estamos a acompanhar de perto o processo, mas a comunicação tem sido contraditória: a DGES diz-nos uma coisa, enquanto a Câmara diz-nos o oposto. Já desafiei o Presidente da Câmara para me convidar para uma reunião com a DGES para esclarecer quem é que está a faltar à verdade, e estou a aguardar uma resposta.

Mas o fato de termos dado alguns passos, mesmo que pequenos, em direção à concretização da escola secundária é, sem dúvida, uma das maiores vitórias para a nossa freguesia até agora.

Além disso, conseguimos dar um passo significativo na criação de um complexo de atletismo, uma grande conquista. Estamos a criar as condições necessárias para que não precisem de sair da freguesia para treinar.

Mais alguma conquista?

Temos um cemitério que foi concluído há praticamente um ano, mas que ainda não foi aberto. Isso tem gerado um grande desconforto para as famílias que perdem entes queridos, pois precisam de ter esse serviço mais próximo de casa. Infelizmente, ainda temos de recorrer a cemitérios distantes, já que a Câmara não tem dado seguimento à abertura do cemitério.

Além disso, temos trabalhado ativamente para ajudar a população em outras áreas, como no fornecimento de água e na pavimentação de ruas. Continuamos a lutar por mais infraestruturas e serviços que melhorem a qualidade de vida da nossa comunidade.

Se pudesse resolver três questões o mais rapidamente possível, quais seriam?

Seriam, sem dúvida, o acesso a escolas — desde a educação pré-escolar até ao ensino secundário —, o acesso à saúde, e a criação de complexos desportivos.

Precisamos também de um pavilhão desportivo, uma piscina, pois muitos moradores de Fernão Ferro têm de se deslocar para as piscinas em outras zonas do concelho, ou até de fora. Além disso, seria essencial criar um centro cultural, com um auditório de qualidade, uma biblioteca bem equipada e uma sala de estudo para os nossos jovens.

Essas são as melhorias que gostaria de implementar. Além disso, não nos podemos esquecer que ainda há muitas pessoas em Fernão Ferro sem acesso a água em casa, até em áreas já urbanizadas. Isso é algo que precisamos resolver com urgência.

O serviço de água não chega a todas as habitações?

Ainda existem áreas onde não se entende por que as pessoas continuam sem acesso à água em casa, embora certamente haja algum motivo. Trata-se de moradores que possuem toda a documentação necessária, incluindo os projetos de arquitetura, e que já efetuaram os pagamentos às associações de moradores.

Não falta muito para as próximas eleições. O que representaria a vitória do PS na Câmara do Seixal para a freguesia de Fernão Ferro?

O atual projeto da CDU, que já governa há quase meio século, está esgotado, sem ideias novas e sem capacidade de planeamento estratégico. Este modelo de gestão tornou-se previsivelmente ineficaz, e é evidente que o concelho precisa de uma renovação política, com novas pessoas e novas perspetivas.

A vitória do PS na Câmara seria uma oportunidade para explorar o imenso potencial do Seixal. Há falta de oferta hoteleira e de atrativos turísticos.

É urgente melhorar as escolas, os equipamentos desportivos e as infraestruturas de saúde. Tenho a convicção de que, com o PS na liderança, seria possível construir um novo quartel da GNR e melhorar as escolas, com dinheiro da Câmara, mesmo que estas sejam competências do Governo.

Quando há vontade, é possível alcançar acordos com os ministérios e avançar com projetos. Exemplos como a Câmara de Sintra, que construiu o maior centro de saúde do país, ou a Câmara da Moita, que assinou recentemente um protocolo para a construção de um novo quartel da GNR com o apoio do Ministério da Administração Interna mostram que é possível.

Qual foi o orçamento total da freguesia para 2024?

665 mil euros. No entanto, as competências atribuídas à Junta deveriam ser significativamente ampliadas.

A Junta de Freguesia, como instituição mais próxima da população, tem capacidade para responder de forma mais rápida e eficiente aos problemas do dia a dia. Se a Junta tivesse autonomia para executar pequenas intervenções, como tapar buracos no asfalto, os problemas poderiam ser resolvidos em dias. Quando dependemos exclusivamente da Câmara, o mesmo problema pode levar semanas ou até um mês para ser resolvido.

Na freguesia, os espaços verdes geridos pela Junta estão em boas condições, enquanto outros, sob responsabilidade direta da Câmara, estão menos cuidados.

excessiva centralização?

Exatamente. Atualmente, a CDU administra quatro freguesias, e querem mais. Mas as 4 freguesias que têm estão mal tratadas.

Qual é a área mais dispendiosa do orçamento?

Cerca de 67% a 68% do orçamento é destinado ao pagamento de salários dos trabalhadores. O restante é dividido entre manutenção, combustíveis e outros custos operacionais necessários para garantir os serviços do dia a dia. Depois ficamos, em média, por ano, com cerca de 20 mil euros para fazer investimentos.

Com apenas 20 mil euros do orçamento disponível para outras iniciativas, é necessário fazer uma grande gestão financeira, o que não permite realizar muitos projetos. Hoje em dia, os recursos mal dão para adquirir materiais básicos.

Embora o Governo tenha vindo a ajustar os valores transferidos para as juntas, a Câmara Municipal continua a transferir o mesmo montante acordado em 2021, sem refletir os aumentos salariais, os custos de combustíveis e outras despesas que têm sofrido grande variação.

E gostaria de continuar neste cargo?

Quando vim para a junta, vi-o como uma missão. Gosto de Fernão Ferro. Estou cá há 39 anos. Cresci com isto. Quando vim para cá, não havia um único metro de alcatrão. Não havia quase água canalizada nenhuma, não havia esgotos. Cresci com Fernão Ferro.

Gosto muita da freguesia, gosto muito das pessoas. E sim, sinto-me disponível para continuar por mais 4 anos. Estou confiante que poderemos voltar a ganhar a freguesia de Fernão Ferro.

Vai-se recandidatar?

Sim. E estou expectante que se a Câmara do Seixal mudar de corpo político, Fernão Ferro terá um crescimento a nível de equipamento e das necessidades básicas da nossa população muito grande. A nível de equipamentos, com o PS da Câmara, Fernão Ferro terá muito mais a ganhar. O projeto da CDU já está ultrapassado. Precisa de ser renovado.

Fernão Ferro
Fernão Ferro tem cerca de 20.500 habitantes (recenseados).


Se tiver sugestões ou notícias para partilhar com o Diário do Distrito, pode enviá-las para o endereço de email geral@diariodistrito.pt


Sabia que o Diário do Distrito também já está no Telegram? Subscreva o canal.
Já viu os nossos novos vídeos/reportagens em parceria com a CNN no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Siga-nos na nossa página no Facebook! Veja os diretos que realizamos no seu distrito