Referendo para a independência de Timor-Leste foi há 25 anos
O primeiro Estado independente do século XXI assinala os 25 anos do referendo que garantiu a sua independência, após décadas de ocupação.
30 de agosto de 1999. Nesse dia, 446 953 timorenses, de acordo com os dados oficiais das Nações Unidas, foram às urnas para votar uma proposta do Governo da Indonésia, com a seguinte formulação, em português “Aceita/Rejeita a autonomia especial proposta para Timor Leste integrada no Estado Unitário da República da Indonésia?”. A proposta acabaria rejeitada por 78,5% dos votantes, o que abriu caminho para a independência do território, após cerca de 300 anos de ocupação lusófona e 24 de ocupação indonésia. Mas, como foi feito o caminho até à independência?
Da colonização portuguesa à ocupação indonésia
Terá sido por volta do século XVI que os navegadores portugueses chegaram ao atual território timorense, com a primeira referência a ser feita pelo capitão de Malaca, Afonso Lopes da Costa, em carta dirigida ao Rei D. Manuel I, em 1514. A partir dessa época, instalaram um posto comercial na ilha de Solor, na Indonésia, mas viriam a ter uma presença maior no território timorense a partir do século seguinte, e com a criação de Timor Português, em 1702, e com a nomeação de governadores, passando ao estatuto de colónia no século seguinte. Durante todo este período, o combate pelo controlo do território com os holandeses era uma constante.
O território timorense era composto por uma multiplicidade de povos, todos diferentes entre si, mas que se uniam para combater inimigos comuns. Prova disso foi Boaventura da Costa, liurai (líder) do reino de Manufahi que, em 1911-1912, liderou uma revolta contra a administração colonial portuguesa, mais propriamente contra o então Governador Filomeno da Câmara, que resultou na Revolta do Manufahi, terminando com o fortalecimento do poder do Governador e com a captura e exilio de Boaventura da Costa para a ilha de Ataúro, onde acabou por falecer.
As décadas seguintes continuariam a ser difíceis para Timor, com destaque para a ocupação aliada e, depois, japonesa, durante a Segunda Guerra Mundial, que provocou cerca de 50 mil mortos, muitos dos quais civis. No entanto, Portugal viria a reconquistar Timor, após a queda do Japão, permanecendo no território até à Revolução dos Cravos, em 1974.
Com a retirada dos portugueses de Timor, o território viria ser palco de uma guerra civil, em agosto de 1975, entre duas fações políticas: a Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) e a União Democrática Timorense (UDT), vencida pela Fretilin, que viria a declarar unilateralmente a independência a 28 de novembro desse ano. Temendo a criação de um Estado socialista no território (a Fretilin era uma organização marxista-leninista), Suharto, Presidente da Indonésia, invadiu e anexou o território, começando um período de 24 anos de ocupação e de massacres, com destaque para o massacre de Santa Cruz, em 1991, que colocou na agenda internacional a questão de Timor.
O caminho para a independência
O massacre de Santa Cruz, e a captação das imagens por parte do repórter britânico Max Stahl, foram o ponto de viragem na consciencialização da comunidade internacional para o que estava a passar em Timor. A partir daí, começaram a surgir os primeiros movimentos sociais a favor do povo timorense, como, por exemplo, a ETAN (East Timor and Indonesia Action Network), Por Timor, ou a Free East Timor Japan Coalition, assim como núcleos académicos e associações estudantis ligados à questão timorense, como a RENETIL (Resistência Nacional dos Estudantes de Timor-Leste).
A partir daí, começou uma jornada diplomática e civil pela defesa do direito de autodeterminação do povo timorense, e com o seu reconhecimento por instituições de renome, como foi o caso da atribuição do Prémio Nobel da Paz, em 1996, ao Bispo de Díli D. Ximenes Belo e a José Ramos-Horta, membro do Conselho Nacional da Resistência Maubere (CNRT) – fundado em 1986 por membros da Fretilin e da UDT. Xanana Gusmão, Presidente do CNRT foi, também, outra figura de destaque da Resistência timorense, tendo sido um dos responsáveis por chamar a atenção para a situação no território. Por essa razão, viria a ser um alvo a abater pelo Exército Indonésio, tendo sido capturado em 1992, e condenado a prisão perpétua, mas posteriormente libertado em 1999.
Com a queda de Suharto, em 1998, foi possível conjugar a diplomacia indonésia e a portuguesa, com o patrocínio das Nações Unidas, para a resolução da questão, tendo tido como resultado a realização do referendo, que levou à independência de Timor. No entanto, o resultado favorável à independência, motivou mais uma onde de violência, provocada por milícias pró-indonésias no território, e só terminada com o envio de uma força especial da ONU, a Força Internacional para o Timor-Leste (INTERFET), e a atribuição da administração do país às Nações Unidas, de forma transitória.
Essa nova onde de violência motivou o célebre “cordão humano” de 10 quilómetros, que juntou cerca de 300 mil pessoas em Lisboa, entre a sede da ONU e as embaixadas da China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos.
Dois anos depois, em 2001, tiveram lugar as primeiras eleições da história do país, para uma Assembleia Constituinte, ganhas pela Fretilin. Após a redação e promulgação da Constituição, a assembleia manteve-se em funções até 2007, e a independência do país declarada a 20 de maio de 2002, tornando-se o primeiro país do século XXI, sob o nome de “República Democrática de Timor-Leste“.
Timor pós-independência
As primeiras eleições presidenciais tiveram lugar cerca de um mês antes da declaração da independência, a 14 de abril de 2002, e foram ganhas por Xanana Gusmão, com uma percentagem esmagadora de 82,69% dos votos, contra 17,31% de Francisco Xavier do Amaral.
No mesmo dia da declaração da independência, foi estabelecida a Missão das Nações Unidas de Apoio a Timor-Leste (UNMISET), com responsabilidade de, entre outros, manter a segurança interna e externa e ajudar no desenvolvimento da Polícia Nacional de Timor-Leste, tendo-se seguido mais duas missões (a UNOTIL e a UNMIT), responsáveis por consolidarem o desenvolvimento das instituições políticas, da segurança, e dos direitos humanos.
Ainda assim, neste período, tiveram lugar alguns incidentes, como a crise de 2006, que começou devido a discriminações no seio das Forças Armadas, e cujos confrontos entre militares e policiais se alastrou por todo o país, tendo sido necessária uma intervenção externa, a pedido do Governo de Timor-Leste; e a tentativa de assassinato de José Ramos-Horta, Presidente da República Timor-Leste, em fevereiro de 2008. Com a normalização da situação política no país, a última missão de paz das Nações Unidas, a Missão Integrada das Nações Unidas em Timor-Leste (UNMIT), chegou ao fim a 31 de dezembro de 2012, não tendo havido a necessidade de criar nenhuma nova missão de paz.
Para além das missões de paz das Nações Unidas e do envolvimento da comunidade internacional, as estruturas tradicionais de Timor-Leste também tiveram um papel determinante na consolidação democrática da nova nação, destacando-se o papel dos liurais, os chefes tradicionais dos sucos (correspondentes, de certo modo, aos municípios portugueses), em fazerem chegar serviços de bem-estar a locais onde o governo central não consegue chegar. Há também que salientar o papel que o nahe biti boot teve, principalmente em 1974, para reunir as diferentes fações políticas do país (pró e anti independentistas), e em 2006, para resolver a crise política do país, assim como o papel do tara bandu na preservação do meio-ambiente e na manutenção da ordem e paz sociais, mais concretamente durante a crise de 2006.
Desde a independência, já tiveram lugar cinco eleições presidenciais e cinco eleições legislativas, com um reforço cada vez maior dos mecanismos democráticos, algo que tem vindo a ser reconhecido pelos vários observadores internacionais, como a União Europeia.
No entanto, ainda são reconhecidos alguns desafios, como a emigração de jovens para Portugal, muitos deles apanhados nas malhas do tráfico humano, o desenvolvimento económico, e a educação.
Envolvimento do Distrito de Setúbal
Tanto no período pré como pós-independência, foi possível verificar o envolvimento e a solidariedade do Distrito de Setúbal para com a causa timorense.
Um dos maiores exemplos foi a defesa incansável da causa timorense por D. Manuel Martins, Bispo de Setúbal, na qual podemos destacar uma receção de jovens timorenses, em 1989, e os seus contactos com o clero timorense, não esquecendo, contudo, campanhas solidárias como recolha de fundos e missas em homenagem aos timorenses mortos pelas tropas indonésias, no massacre de Santa Cruz. Pelo seu papel na defesa incansável da causa timorense, recebeu, em 2015, a Medalha da Ordem de Timor-Leste.
Para além disso, convém salientar o papel dos movimentos sociais, como a Plataforma Por Timor, de Santiago do Cacém, que promovia postais com poemas e pinturas da autoria de Xanana Gusmão; e a mobilização popular durante o cordão humano por Timor, como a colocação de faixas nas praias de Sesimbra.
Apesar de todos os desafios, Timor-Leste conseguiu, com muito esforço, alcançar o estatuto de Estado soberano em 2002, após o referendo de 1999, e constitui, até hoje, como um exemplo de resiliência das instituições políticas e de compromisso com a democracia.
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