Sines

Porto Covo | Quintinhas da Parreira ainda por regularizar

Situação considerada como "irregular" pela Câmara Municipal de Sines foi participada pela autarquia junto do Ministério Público.

As quintinhas da Herdade da Parreira, em Porto Covo, continuam a ser um assunto da atualidade no território. As propriedades, existentes a partir do “fracionamento de um prédio rústico, em 1980 e seguintes“, de acordo com a Associação de Proprietários, foram divididas em 239 quintas agrícolas, com 5 mil m2, usadas para fins de “cultura de regadio, cultura arvense e hortícola”.

No entanto, com a classificação como área protegida, em 1988, e introdução do Plano Diretor Municipal (PDM), que entrou em vigor em 1990, as construções e as atividades agrícolas praticadas, como furos, “autorizados pela Agência Portuguesa do Ambiente”, têm sido consideradas como irregulares por parte da Câmara Municipal de Sines. De acordo com a Associação de Proprietários, no seu site oficial, a autarquia “indeferiu sempre todos os pedidos de instalação de colocação de portões nos terrenos, da instalação de equipamentos agrícolas, proibiu a EDP de instalar energia, sempre com o fundamento de a divisão daquele território constituía um loteamento ilegal”. Como forma de ultrapassar os constrangimentos, os proprietários começaram a instalar “estruturas ligeiras, amovíveis” e, no caso do fornecimento de eletricidade, a mesma tem sido provida pela EDP, nalgumas das quintas, com os devidos muros técnicos, obrigatórios por lei.

As quintas são consideradas como importantes para os proprietários, por um lado, como forma de garantir o sustento familiar, através da prática agrícola e, por outro, como habitação, devido ao aumento dos preços das habitações na região que, de acordo com a Associação, variam entre “800 mil euros a 2,5 milhões“.

Atualmente, está em curso uma participação da Câmara de Sines junto do Ministério Público (MP), para permitir a “reposição da legalidade urbanística“, algo que a Associação considera como “prejudicial“, pois “o cumprimento de tal decisão administrativa, conduzirá, à morte das árvores, das hortas, ao abate dos animais de criação, e ao abandono dos animais domésticos, e ainda, mais grave, colocará várias famílias, incluindo menores, na situação de sem abrigo“. Para além disso, a Associação tem procurado a regularização das habitações e das propriedades construídas.

A Associação alega, ainda, que o cumprimento de tal decisão “contraria o disposto no artigo 23º-A- nº 3 do Regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade em vigor desde 2008″, que prevê “A delimitação dos regimes de proteção previstos nos números anteriores deve fazer-se tendo em conta as construções existentes e direitos juridicamente consolidados, sem prejuízo do dever de indemnização sempre que tal não seja possível“.

A Câmara Municipal de Sines foi contactada pelo Diário do Distrito, mas não obtivemos qualquer resposta. No entanto, em esclarecimentos à Rádio Sines, a 20 de setembro de 2024, a autarquia assegura estar a “desenvolver os procedimentos nos termos das suas obrigações legais” e que “tem procurado que a reposição da legalidade seja feita de forma voluntária e sem recurso aos meios judiciais“. No entanto, assegurou que “sempre que isso não aconteça, e conforme é obrigação legal desta autarquia, são comunicadas ao Ministério Público as situações de desobediência e as irregularidades urbanísticas“.

Foi no seguimento desta questão que o Diário do Distrito foi contactado pelo senhor José Encarnação, proprietário de uma das quintas, que nos contou a sua história.

Terá adquirido um terreno, “nos anos 2000, em parceria com uma cunhada já falecida“, tendo sido comprada à Agência Imobiliária, Brisio & Luz em Porto Covo, “e fornecida uma cópia da caderneta predial e da Certidão do Registo Predial referente à quinta que escolhemos“. “Da Certidão da Conservatória verificava-se que tinha havido uma posse administrativa por parte da CMS [Câmara Municipal de Sines], e uma ação em Tribunal para anular a divisão dos terrenos em quintas agrícolas de regadio, nos anos 80 e 90“, mas que “já não estavam em vigor”. Os processos judiciais “estavam acabados e o Notário realizou a escritura de compra e venda“.

Quintinhas da Parreira

Entretanto, em 2022, terá sido “notificado pela CMS para remover tudo o que se encontrava no terreno, desde há 20 anos, e ‘repor a legalidade urbanística‘”, algo que José Encarnação impugnou em tribunal, “ainda [sem] decisão final, e por despacho judicial, encontra-se com efeito suspensivo“. Por se encontrar em efeito suspensivo, “não me encontro a desobedecer à ordem da CMS“. No entanto, a autarquia apresentou queixa contra o proprietário, “por desobediência, e por ter construído ilegalmente, dizendo que tinha violado o artigo 278-A do Código Penal“, artigo esse que alega não existir quando começou a cultivar a terra, por volta de 2007/2008, e foi instalado o muro técnico para o fornecimento de eletricidade, por parte da EDP. Desta forma, “fui constituído arguido, encontrando-me com Termo de Identidade de Residência, 20 anos depois de saber que eu tenho a quinta, que a cultivo, e que tenho estruturas amovíveis no terreno“.

O proprietário acrescentou, ainda, ser incompreensível toda a situação por “apesar de terem os furos autorizados pela APA [Agência Portuguesa do Ambiente, e para os usarem precisarem de electricidade para ter as bombas de água, a CMS pretende[r] que se removam muros técnicos que são obrigatórios por lei“.

Passamos a transcrever o depoimento enviado para a nossa redação.

Chamo-me José Manuel Encarnação, sou natural do concelho da Moita. Sou um dos proprietários das Quintinhas da Parreira, em Porto Covo, Sines, desde o ano de 2002.

Por razões familiares, sempre passei férias e todos os tempos livres em Porto Covo, primeiro acampando nos vários locais onde isso era possível, posteriormente, nos parques de campismo que foram sendo criados ao longo dos anos.

A ligação à região foi sempre muito estreita dado que a família da minha mulher é nascida e criada ali.

Nos anos 2000, em parceria com uma cunhada já falecida, resolvemos adquirir um dos terrenos agrícolas na Parreira, pois estando na casa dos 40 anos, seria ali que iriamos, passar a nossa reforma, num regresso, por parte dela, às suas origens e da minha parte por ser a região onde já passava cerca de metade da minha vida adulta.

Na Agência Imobiliária, Brisio & Luz em Porto Covo, foram-nos mostradas diversas quintas, e fornecida uma cópia da caderneta predial e da Certidão do Registo Predial referente à quinta que escolhemos.

Após consultar os documentos, verificámos que se tratavam de terrenos agrícolas destinados a cultura arvense, que permitiam que se cultivasse a terra.

Da Certidão da Conservatória verificava-se que tinha havido uma posse administrativa por parte da CMS, e uma ação em Tribunal para anular a divisão dos terrenos em quintas agrícolas de regadio, nos anos 80 e 90.

Mas, esses registos já não estavam em vigor. Os processos judiciais estavam acabados e o Notário realizou a escritura de compra e venda.

Como as quintas tinham sido classificadas com a natureza de agrícolas de regadio, antes de haver paisagem protegida e PDM de Sines, presumia-se que por respeitarem os 5.000 m2 que a lei exigia, se podia cultivar a terra.

Foi por acreditar nessa possibilidade, de cultivar a quinta, que decidi comprar e dei início ao processo de plantar árvores e lavrar uma horta.

Inicialmente, só com recurso a um gerador, fui plantando árvores, e coloquei no local estruturas amovíveis, que se destinavam a guardar as ferramentas agrícolas, enxadas, moto serra, moto enxada, ancinhos, enfim, tudo o que era necessário para cultivar.

Nos anos 2000, sendo as estruturas, contentores, amovíveis, consideradas como coisas móveis, não era considerado edificação urbana.

À medida que as culturas hortícolas e o pomar se iam desenvolvendo, contratei uma empresa de eletricidade para instalar a energia elétrica e pedi autorização à APA para abrir um furo, destinado à rega.

Nunca, vi no local, qualquer informação sobre a alegada ilegalidade de cultivar a terra como terreno agrícola de regadio.

Nunca fui notificado pela CMS da impossibilidade de usar o solo como terreno agrícola, ou da impossibilidade de possuir no local, as estruturas amovíveis, que usava e uso para guardar ferramentas e utensílios e para pernoitar durante a execução das tarefas tendentes ao cultivo.

Em 2022, fui notificado pela CMS para remover tudo o que se encontrava no terreno, desde há 20 anos, e “repor a legalidade urbanística”.

Por não ter concordado, impugnei no Tribunal a decisão, até porque nessa data, estava já a tratar da reforma, e continuar a usar a quinta como terreno agrícola  iria permitir-me produzir uma parte significativa de alimentos, de forma saudável.

O processo ainda não tem decisão final, e por despacho judicial, encontra-se com efeito suspensivo, o que quer dizer que enquanto não houver uma sentença definitiva, não me encontro a desobedecer à ordem da CMS.

Mas, mesmo assim, a CMS optou por apresentar queixa contra mim, por desobediência, e por ter construído ilegalmente, dizendo que tinha violado o artigo 278-A do Código Penal.

Esse artigo nem sequer existia quando comecei a cultivar o terreno, nem sequer quando instalei a eletricidade, já que para isso foi preciso construir o muro técnico para acomodar o contador.

Só em 2007 ou 2008 me foi possível instalar a eletricidade e ainda não havia aquele artigo no Código Penal.

Neste momento, todos os proprietários das quintas estão a ser notificados para limparem os terrenos, até as árvores, pinheiros, sobreiros, árvores de fruto. Tudo.

Há famílias inteiras a viver nas quintas, plantam, cultivam hortas, têm animais de criação, animais domésticos, e não possuem qualquer alternativa para conseguirem obter habitação, muito menos, uma habitação que lhes permita produzir para complementar a economia familiar, pois trata-se de agricultura de subsistência.

O que causa revolta, é o fato de ser durante mais de 40 anos, a CMS nunca ter anulado a divisão do terreno em quintas, e querer fazê-lo agora, tendo já, em alguns casos, cobrado multas pelas construções de muros, portões, e casas para a bomba do furo, etc…etc…

Durante anos, a algumas pessoas cobrou multas, a outras não, e agora pretende reverter a classificação dos terrenos, transformando-os de novo em terrenos agrícolas de sequeiro, para cultura cerealíferas, sabendo que isso é impossível, dada a dimensão das quintas.

Há pessoas que dizem que grandes grupos imobiliários têm interesse em adquirir aqueles terrenos, provavelmente para instalar campos de golfe.

Dizem até, que a CMS terá interesse em desalojar os proprietários para que estes se vejam compelidos a vender, abrindo assim caminho para os tais grupos económicos, que pretendem continuar a investir no turismo.

É claro que isto é o diz que disse, não posso provar nada disto.

 Mas sinto que, no meu caso, a CMS mesmo sabendo que não tinha razão, fez a queixa ao ministério publico, e fui constituído arguido, encontrando-me com Termo de Identidade de Residência, 20 anos depois de saber que eu tenho a quinta, que a cultivo, e que tenho estruturas amovíveis no terreno.

Ninguém compreende porque, apesar de terem os furos autorizados pela APA, e para os usarem precisarem de electricidade para ter as bombas de água, a CMS pretende que se removam muros técnicos que são obrigatórios por lei.

Se tivermos que remover tudo nas quintas, ficam famílias desalojadas, ficam terrenos que hoje são cultivados e tratados, e que se tornam terrenos estéreis. 

Se retirarem a electricidade, a rega deixa de ser possível, as árvores morrem, perde-se muita da fauna e da flora que existe no local desde que as quintas começaram a ser tratadas.

A quem é que aproveita esta situação?

Quem fica a ganhar?

Quintas de agricultura de subsistência e biológica, arborizadas, são, na minha opinião, uma mais valia, pois ajudem a diminuir a poluição gerada pelas fábricas de Sines.

Será que interesses poderosos estão por detrás desta súbita vontade de anular uma classificação com 40 anos?

Será que pretendem plantar painéis solares?

José Encarnação


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