Entrevistas
Em Destaque

Nuno Mantas | “É fundamental que, ao implementar mudanças, haja consistência e coerência”

Segunda parte da entrevista a Nuno Mantas, diretor do Agrupamento de Escolas da Boa Água.

Os projetos desenvolvidos pelo Agrupamento de Escolas da Boa Água, localizada no concelho de Sesimbra, são admirados por professores de quase todos os países da Europa. Na última parte da entrevista, Nuno Mantas, diretor do Agrupamento, explica como propiciar um desenvolvimento saudável nas escolas, promovendo as aptidões naturais dos alunos.

(1ªparte)

Considerando a sua experiência, o que assegura um jovem saudável física e psicologicamente?

O que garante é a diversidade de experiências com que ele deve contactar diariamente.

É por isso que nós não só a valorização a parte da aprendizagem, intelectual, como a atividade física e parte artística. Temos clubes de ciência, uma orquestra, e um grande investimento na parte científica.

Temos projetos europeus para poderem interagir com colegas de outros países e para poderem trabalhar com outras culturas. Essa diversidade de contactos e de experiências é o mais importante para descobrir talentos.

Porque todos nós temos talentos diferentes e gostamos de coisas diferentes. Normalmente, numa escola tradicional, o que acontece é que os nossos talentos são formatados quando nos submetemos a uma série de parâmetros e medidas. O Ken Robinson, que era um professor muito famoso, dizia que a escola tradicional mata a criatividade.

É fundamental que, ao implementar mudanças, haja consistência e coerência.

A oferta extracurricular é um forte investimento da escola. Que atividades oferecem?

A oferta extracurricular foi integrada dentro do currículo, como parte fundamental do projeto da escola. Tradicionalmente, os alunos gostam da escola devido aos intervalos, das atividades extracurriculares e do convívio social, mas não tanto das aulas em si. Isso acontece porque muitas vezes as aulas são vistas como monótonas.

Para enfrentar esse desafio, a escola decidiu trazer as atividades extracurriculares para dentro das aulas, tornando-as parte do currículo oficial. Isso permite que os alunos se envolvam em projetos práticos, como competições de robótica ou outras atividades criativas e dinâmicas, sem que precisem de “suportar” as aulas tradicionais para chegarem ao que realmente as motiva.

A Direção-Geral da Educação e o Ministério da Educação apoiaram essa abordagem, e reconheceram que o extracurricular também é aprendizagem valiosa.

A escola oferece uma ampla gama de atividades extracurriculares que vão além do desporto escolar, permitindo que os alunos escolham entre várias opções. No campo desportivo, há 13 grupos de equipas, incluindo atividades como bóssia, xadrez, voleibol e handebol, a área mais forte da escola. Este ano, a escola tem 10 equipas de handebol federadas, principalmente femininas, que já conquistaram campeonatos, e também há atletas que fazem parte da seleção nacional.

A composição desta sala difere das restantes pela distribuição das cadeiras, e uma série de equipamentos tecnológicos que propiciam diversas formas de aprender.

No aspeto artístico, há uma orquestra com 60 alunos e duas bandas, incluindo uma mais voltada para o rock. Essa orquestra é resultado de uma parceria com a autarquia e um conservatório de música, vinculada ao Ministério da Educação.

Além disso, a escola também tem um clube de ciência viva que proporciona aos alunos a oportunidade de trabalhar em projetos práticos e inovadores. Outra atividade extracurricular interessante é a rádio da escola, que permite que os alunos desenvolvam habilidades de comunicação e trabalho em equipa. Essas iniciativas não apenas enriquecem a experiência escolar, mas também promovem o desenvolvimento de várias habilidades dos alunos.

Quão importante são os apoios da Câmara para possibilitar a realização destas atividades?

A Câmara Municipal tem sido um parceiro fundamental para a escola, e trabalhamos em conjunto para oferecer apoio aos pais e desenvolver atividades de animação pré-escolar. O objetivo é criar condições adequadas para que os encarregados de educação possam contar com uma oferta de qualidade e se sintam tranquilos durante a semana.

Contudo, esse apoio é, por vezes, mal utilizado pelos pais, que podem ter a tendência de deixar os filhos na escola quase o ano todo. A escola permanece aberta a maior parte do ano. No ano passado, por exemplo, fechou apenas por uma semana. Alguns pais chegariam a deixar os seus filhos aqui durante todo o período de férias se fosse possível. Para lidar com isso, a escola teve que estabelecer uma regra obrigatória, onde as crianças precisam de ser levadas para casa por pelo menos 15 dias para passar tempo com a família.

Com o tempo, muitos pais começaram a perceber que os seus filhos mais novos, que estavam na escola, desenvolviam competências superiores em comparação com os filhos mais velhos que estavam em outras instituições.

Como é que os pais encaram as mudanças nos métodos de aprendizagem dos filhos? Há um choque… 

Durante o processo de transição dos primeiros anos, a escola enfrentou um dilema similar ao que é descrito na música “Two Tribes” do Frankie Goes to Hollywood. Nós tínhamos a tribo dos pais que era totalmente a favor e a tribo que não. Havia uma divisão clara entre os pais: de um lado, uns apoiavam a nova abordagem educacional e, do outro, defendiam os métodos tradicionais de ensino. No início, foi um desafio comunicar a nossa proposta aos pais, mas a solução encontrada foi integrá-los nas atividades escolares, trazendo-os para dentro das salas de aula.

Desde o início, a escola promoveu atividades que envolviam os pais, como o projeto “Included”, que utilizava grupos interativos. Ao final de cada projeto, os pais eram convidados a assistir às apresentações, permitindo que vissem diretamente o trabalho dos alunos e como eram avaliados. Essa abordagem foi crucial para demonstrar os benefícios da nova metodologia.

Com o tempo, muitos pais começaram a perceber que os seus filhos mais novos, que estavam na escola, desenvolviam competências superiores em comparação com os filhos mais velhos que estavam em outras instituições. Os alunos mais novos, por exemplo, ensinavam os mais velhos a criar apresentações em PowerPoint, o que gerava situações engraçadas mas, ao mesmo tempo, evidenciava a eficácia do ensino na escola.

A mudança de atitude dos pais foi notável; aqueles que inicialmente eram céticos tornaram-se defensores do novo modelo. Atualmente, quando surgem dúvidas, o diretor encaminha os pais à Associação de Pais, que atua como um canal de comunicação mais confiável, pois os pais tendem a acreditar mais em outros pais do que nas autoridades escolares.

Os noruegueses, no final, reconheceram que, no seu próprio sistema educacional, ainda não tinham conseguido alcançar esse nível de autonomia e responsabilidade nos alunos.

Além disso, a escola conquistou a certificação de uma equipa externa, que validou a eficácia do seu sistema de ensino, ressaltando que o uso de grupos heterogéneos é altamente eficaz. Essa validação trouxe uma nova confiança ao projeto, e acredita-se que, em breve, mais escolas adotem métodos semelhantes.

O modelo educacional foi cuidadosamente elaborado e continua a ser ajustado para atender às necessidades da escola e dos seus alunos. É fundamental que, ao implementar mudanças, haja consistência e coerência. Reformas parciais ou inconsistentes não funcionam; a mudança deve ser abrangente e intencional.

Em contrapartida, muitos dos métodos existentes nas escolas não se alinham com a abordagem da escola, pois concentram-se em grupos homogéneos, priorizando a instrução do professor em vez do aprendizado colaborativo. Para que o trabalho em grupo seja eficaz, é necessário que não seja uma prática isolada, mas sim integrada no currículo de forma consistente.

A escola adota um modelo onde 25% a 30% do tempo é dedicado a projetos, com 10 horas semanais exclusivamente para essa prática. Isso é essencial para alcançar o impacto desejado, já que apenas algumas horas esporádicas não são suficientes para promover uma mudança significativa no aprendizado dos alunos.

As instituições de ensino e os educadores de outros países vêm aqui muitas vezes para conhecer e entender os métodos de ensino praticados na Boa Água.

Já tivemos recebemos a visita de quase todos os países da Europa, só não tivemos da Rússia. Embora o clima educacional varie significativamente entre os países, estas visitas têm proporcionado aprendizagens valiosas.

Um exemplo significativo ocorreu quando professores noruegueses visitaram a escola e surpreenderam-se com a autonomia dos alunos. Ao entrarem numa sala de aula e não encontrarem o professor presente, questionaram o motivo pelo qual os alunos continuavam a trabalhar. A resposta foi simples: os alunos estavam motivados nas suas tarefas e tinham a responsabilidade de realizá-las. Quando o professor chegou, explicou-lhes o projeto que estavam a fazer. Os noruegueses, no final, reconheceram que, no seu próprio sistema educacional, ainda não tinham conseguido alcançar esse nível de autonomia e responsabilidade nos alunos.

Escola Boa Água
Espaço para bicicletas foi uma propoota de um grupo de alunos, aceite e aplicada pela direção da escola.

Há uma clara diferença entre a cultura dos países orientais e ocidentais europeus?

Em muitos países do Sul da Europa, como Portugal, a escola é vista como um espaço de proteção e cuidado dos alunos. Por outro lado, em países do Norte, como a Finlândia, a autonomia dos estudantes é incentivada desde o pré-escolar. Lá, as crianças brincam ao ar livre, mesmo em situações que podem parecer arriscadas, como a passagem de tratores, algo que impensável aqui, e em outras culturas.

Essas observações mostram como os contextos culturais moldam as práticas educacionais. Os professores que visitam a escola frequentemente comentam que, nos seus países, a autonomia e a flexibilidade nas abordagens de ensino são limitadas. Pomovemos um ambiente onde os alunos são incentivados a serem independentes e a assumir responsabilidade pelo seu processo de formação, algo que muitos países admiram e gostariam de implementar nos seus próprios sistemas.

A partir destas trocas, é possível compreender que, embora cada país tenha os seus desafios e características únicas, a busca por uma educação mais centrada no aluno e nas suas necessidades é uma aspiração comum, que pode beneficiar o desenvolvimento educacional em várias partes do mundo.

1ª Parte da entrevista


Se tiver sugestões ou notícias para partilhar com o Diário do Distrito, pode enviá-las para o endereço de email geral@diariodistrito.pt


Sabia que o Diário do Distrito também já está no Telegram? Subscreva o canal.
Já viu os nossos novos vídeos/reportagens em parceria com a CNN no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Siga-nos na nossa página no Facebook! Veja os diretos que realizamos no seu distrito