João Praia: “Não é só nas marchas que o movimento associativo mexe”
Neste entrevista exclusiva ao Diário do Distrito, João Praia, presidente do Grupo Desportivo Setubalense "Os 13", foram abordados temas como a falta de financiamento do movimento associativo, e a recente aposta do movimento no futebol.
Nesta entrevista, o presidente do Grupo Desportivo Setubalense “Os 13”, João Praia, fala sobre o presente do movimento, que considera ser de grande crise, mas a recuperar, revelando, também, que um dos projetos dos próximos tempos será a aposta no futebol de sete, cujos treinos já decorrem nos Ídolos da Praça, e com um torneio de seniores previsto para o final de setembro.
O Grupo Desportivo Setubalense “Os 13” tem mais de 100 anos de história. Quais considera terem sido os pontos mais altos e os pontos mais baixos da história da coletividade?
“Os 13” teve vários pontos na sua história, principalmente na área do desporto, onde foi, por diversas vezes campeão distrital. Teve toda a sua história no futebol, na natação, ténis, portanto, em todas as áreas desportivas, até no atletismo. Teve muitas taças de campeonatos ganhos durante toda a sua trajetória no desporto.
Claro que teve os seus altos e baixos, que é o que, neste momento, estamos a passar. Neste momento, estamos, também, mais ligados à cultura, do que, propriamente, ao desporto, apesar do desporto já estar a renascer, é a novidade deste ano de 2024, em que o desporto está a crescer no Grupo Desportivo Setubalense “Os 13”, com uma equipa de futebol de sete.
Na área cultural, “Os 13” sempre teve em boa posição, principalmente na participação nas Marchas Populares de Setúbal, com 1ºs lugares e pódios, portanto, durante a sua história, a caminho dos 103 anos, teve muitos períodos, uns bons outros maus, mas o desporto tem sido aquele período de melhor qualidade que “Os 13” tem em toda a sua história.
Nesse âmbito que falou de que o desporto está a renascer, nomeadamente com a criação de uma equipa de futebol de sete, já está prevista alguma participação, nomeadamente na 2ª divisão distrital da Associação de Futebol de Setúbal?
Neste momento, ainda não. Estamos a preparar uma equipa, que vai iniciar os treinos. Neste momento, estamos a preparar os equipamentos, para iniciar um campeonato de futebol de veteranos, que vai já começar no final do mês de setembro, mas é o ponto de partida para iniciarmos a volta do desporto à coletividade. Aliás, isto é um grupo desportivo e tem de ter desporto, que já não havia há muitos anos, pela passagem das várias direções que teve. Umas quiseram mais desporto, outras nem quiseram nada, outras quiseram mais cultura. Isto é derivado de muitas decisões de várias direções.
A minha direção – eu estou cá há três anos – decidiu que queria desporto, e nós estamos a ir num caminho bom para iniciarmos com o desporto aqui no grupo.
Já há alguma previsão em termos de local de treino para o futebol de sete?
Neste momento, pelo que sei pela equipa, estamos a treinar nos Ídolos da Praça, à sexta-feira.
Em relação ao que falou, de que estão a aposta de forma mais aprofundada no futebol, aliás, o Grupo Desportivo até foi um dos fundadores da Associação de Futebol de Setúbal, tem alguma previsão de outras modalidades que possam vir a apostar nos próximos anos?
Não, neste momento não. Para já porque é difícil, porque eu, como presidente, não percebo muito de desporto, a minha área é mais cultura. Mas, neste momento, só estamos ligados ao futebol, porque, temos de ir devagarinho, é uma trajetória que tem de ir devagar que é para não descambar.
Então, temos de avançar assim com os meios que nós conseguimos para ter o desporto de volta. Mas sim, é um objetivo termos outra modalidade desportiva.
Já tem alguma modalidade pensada? Regresso do ténis de mesa, de atletismo…
O atletismo, se calhar, é um desporto a avançar, sim, com algumas participações.
O João falou há pouco de que a aposta, nos últimos anos, tem sido na cultura – o desporto, também, recentemente –, como em noites de fado, de teatro, o mangusto e as cegadas de Carnaval, com o Independente. Com uma maior aposta no desporto, considera importante a conjugação das duas vertentes numa estratégia integral de formação da comunidade aqui no bairro?
Mantermos a coletividade viva, que é o importante. Uma coletividade tem de ter as portas abertas para servir a comunidade na sua envolvência. Esta coletividade, até há poucos anos, era, se calhar, antes do Covid, com alguma mexida, mas depois, com o Covid, piorámos a situação. A casa esteva prestes a fechar, mas temos vindo a crescer novamente. Muita gente tem vindo à coletividade, principalmente nas iniciativas culturais (no teatro, nas revistas à portuguesa, nas marchas populares). Tem vindo a crescer nas tardes de karaoke, que temos vindo aqui a fazer, portanto, é uma coletividade importante aqui para a comunidade próxima do Bairro Trindade, que serve, essencialmente, a população. Nós trabalhamos para a população, trabalhamos para as pessoas, e é importante que a coletividade se mantenha viva, se mantenha de boa saúde – neste momento, não está de boa saúde –, trabalhamos para que as coisas funcionem para as pessoas virem à coletividade.
Sobre a crise que passou durante a Covid, em que a casa esteve perto de fechar, têm sido esses eventos culturais que têm alavancado esse regresso à comunidade, mas, em termos de atividades desportivas, como vê essa integração de outras modalidades para, também, levar a coletividade mais além e servir melhor a comunidade?
A seguir à Covid-19, claro que tudo parou. A casa não tinha desporto. Só agora é que conseguimos avançar com o desporto, que vai ser totalmente importante para a comunidade, porque apareceu-nos uma pessoa que estava interessada no clube ter, novamente, desporto, e bendita a hora que apareceu essa pessoa. Bendita a hora em que tivemos uma nova direção que conseguiu, através de amigos e conhecidos, ter uma pessoa responsável pelo desporto, e ainda bem que isso vai acontecer, porque é muito bom para nós, muito bom para a coletividade, que está a renascer.
Essa pessoa é da coletividade?
Não, por acaso, nem é da coletividade, é uma pessoa de fora. Mas foram pessoas da direção, neste caso, o diretor da nossa coletividade, que é o Rafael Alfredo, jogador de futebol de praia do Vitória Futebol Clube – que é meu sobrinho –, que nos arranjou esse contacto, de uma pessoa responsável para estar à frente do desporto. Então, lá conseguimos. É uma pessoa extremamente responsável, conseguiu patrocinadores para angariar dinheiro para os equipamentos, que já estão feitos; só estamos à espera que cheguem. As coisas estão encaminhando devagar, mas a bom ritmo, que é para que nada falhe com o regresso do desporto aos 13.
Quais são alguns desses patrocinadores?
Só conheço um, que é a Prozis.
Falámos do desporto, que tem vindo a renascer, mas também falámos um pouco da cultura, e o João até falou das marchas, que tem sido uma das grandes apostas, tendo, pelo menos, nos últimos 15 anos, ganho três vezes, em 2011, 2012 (com o Bairro Santos) e em 2016. Qual é o processo criativo que tem distinguido “os 13” das restantes coletividades, e que tem contribuído para o seu sucesso?
“Os 13” participa nas marchas populares, já ganhou vários primeiros lugares e alguns pódios. É um processo criativo que já passou por várias pessoas. Neste caso, agora está, nas minhas mãos, nos últimos três anos. Regressámos com as marchas após o Covid, mas, infelizmente, temos ficado nos últimos lugares.
Mas, durante o seu historial, tivemos excelentes marchas, tivemos bons temas, boa criatividade. “Os 13” é, de facto, desde 1989 – do regresso das marchas, com a Dra. Paula Costa –, tem sido uma das coletividades que mais aposta nas marchas populares. É um processo criativo mais exigente, tem sido uma das coletividades mais exigentes, para que a marcha saia à rua em bom.
Em relação aos últimos lugares que referiu, quais é que considera que têm sido as dificuldades sentidas para que tal esteja a acontecer?
O apoio financeiro, que é de 14 mil euros, que a Câmara Municipal dá, e algumas exigências que a Câmara nos tem feito nesse apoio financeiro, nomeadamente a parte logística. Ora, nós temos de tratar da parte logística, desde camiões para levar arcos, até autocarros para os marchantes, o que tem vindo a complicar.
14 mil euros, numa altura destas, é pesado. Apesar de, para muitos, parecer muito dinheiro, é, na verdade, pouco para o processo criativo. As marchas populares em Setúbal têm de ter uma forte criatividade, isto é, em relação às marchas de Lisboa, nós temos um enorme peso de criatividade – nos arcos, no figurino –, uma enorme exigência e, para fazer face a isso, é preciso mais dinheiro para o apoio. Sem o apoio da Câmara Municipal, não se consegue fazer muito.
O que nós conseguimos? É por dinheiro da coletividade – dinheiro que não existe –, e estamo-nos a endividar para uma festa que é da cidade, uma coisa que não pode acontecer. Infelizmente, é o que está, neste momento, a acontecer.
Para criarmos uma coisa em bom, para apresentarmos à cidade – até porque a marcha é feita com dinheiro dos contribuintes –, nós temos de apresentar coisas boas, e nós apresentamos criatividade, mas o dinheiro não chega. É preciso mais investimento, mas em 18 ou 19 mil euros, mas é necessário para fazer face a muitas despesas que nós temos. Para já, o material é caríssimo, os tecidos são caros, o material para os arcos também é caro. Nota-se uma marcha, e parece que não estão ali 14 mil euros investidos, mas estão e, se calhar, estão muito mais, porque temos de pagar à madrinha, temos de pagar ao cavalinho, autocarros, maquilhadoras, portanto, temos de fazer um processo de tudo e tudo aqui é pago a cada um. As únicas coisas que não são pagas são a letra de uma música e um ensaiador, mas, de resto, é tudo pago, e o dinheiro da Câmara não chega para tudo.
Isso vai ao encontro da minha próxima pergunta. Através do contacto que tem tido com a Câmara e com restantes coletividades, como vê o futuro do movimento associativo, e que alternativas de financiamento vê para que o movimento mantenha a sua vitalidade? Tem fontes de receitas próprias, parcerias com empresas e outras associações, etc.?
Podemos, sempre, fazer parcerias com a Junta de Freguesia, com a Câmara Municipal, para as diversas atividades. O movimento associativo é um movimento que mexe com muita gente na cidade. Sem o movimento associativo na cidade, isto não mexe. Antigamente, tínhamos um carnaval, em que as coletividades participavam no corso carnavalesco, mas já não temos nada disso. Isto porque o dinheiro não chega, e nós compreendemos, não chega para tudo.
Nós temos de pensar em alternativas, mas o apoio da Câmara e da Junta de Freguesia é essencial para mantermos as coletividades vivas, e sem estes apoios, nada se faz. Sem ovos não se podem fazer omeletes. Daí que existam alguns apoios, são poucos, mas existem, mas não chega para tudo.
No caso d’”Os 13”, temos muitas atividades culturais. Às vezes, muito do dinheiro sai dos dirigentes, porque a coletividade não tem dinheiro para investir num espetáculo, porque a Câmara não dá, por exemplo, para um grupo de teatro. Mas se houver parcerias em que podemos fazer um evento, e há x para pagar, nós fazemos. Como é óbvio, e é mais lógico, temos algumas parcerias para haver esses eventos.
Nós tínhamos o Amateatro, por exemplo, que acontecia no mês de março – que é o mês do teatro -, em que “Os 13” participavam com o seu grupo cénico. Tínhamos um valor de 750 euros pagos pela Câmara Municipal – um apoio financeiro para o Amateatro. Esse apoio deixou de existir, porque acabaram com o Amateatro, assim de repente. Desde o ano passado, acabou. Portanto, é menos esse dinheiro que entra, é menos esse que é investido no teatro e nas coletividades, e é importante que haja teatro nas coletividades. É a revista à portuguesa, que as pessoas gostam, é as cegadas de Carnaval; sem esse apoio, não se consegue fazer nada, e então é bom que hajam essas iniciativas, fazer contratos com as coletividades para fazer várias iniciativas. Aliás, até digo mais: deviam haver muitos mais protocolos com a Câmara Municipal e com a Junta de Freguesia, para mexer com o movimento associativo.
E em termos de apoios privados, para colmatar essa lacuna do apoio da Câmara e da Junta de Freguesia, já tem alguns contactos?
Sim, temos a SECIL, que todos os anos atribui um valor de 600 euros ao movimento associativo em Setúbal. É entregue numa cerimónia protocolar. É a única entidade fora da autarquia de quem recebemos apoio financeiro.
Em relação ao investidor que falou há pouco para o desporto, pode-nos relevar quem é?
Desconheço quem seja.
Considera que, através dos contactos de que falou, feitos para conseguir o investidor para o futebol, é possível algo semelhante para a cultura?
Sim, com certeza. Todo o apoio que o desporto possa ter poderá ter aqui alguns contactos –que não os conheço ainda a todos –, numa entidade que nos queira ajudar.
Chegámos agora ao fim da nossa entrevista. Como é que João Praia se vê na coletividade? Qual é o seu projeto e qual considera ser a sua contribuição para o crescimento da coletividade?
O meu projeto, para a coletividade, é continuar a vê-la a crescer, dia após dia, tirá-la da sua falência, pô-la cá para cima. Isso está a ser difícil, em três anos está a ser bastante difícil. Temos épocas muito baixas, épocas mais altas, temos muita dificuldade. Não estou sozinho, há uma direção para isto tudo, que nos ajuda a pensar no que podemos fazer, para levantar a coletividade, mas, principalmente, vê-la novamente a crescer.
O clube está a caminho dos 103 anos, já passou por vários momentos muito maus da sua história. Neste momento, estamos a passar por isso. Daí termos diversas atividades culturais, como o teatro, em que ninguém ganha qualquer tipo de dinheiro; todo o dinheiro que se faz é, essencialmente, para a coletividade, para pagar despesas da coletividade. São despesas mensais muito altas (luz, água, televisão), que são as três coisas que não podem faltar numa coletividade, em que cada vez é mais difícil e, sem estas atividades culturais, não se pode fazer nada.
Têm de haver estas iniciativas grandes: vamos já ter no próximo dia 14 um show de transformismo, em que temos quase a casa lotada; no dia 26 de outubro vamos ter uma programação de Halloween especial, que também já está a ser comunicada a todos, estamos a começar agora os ensaios do teatro. Estava prevista, também, a estreia de uma comédia, que é “Uma noite no Majestic”, só que não existe apoio financeiro para que isso aconteça, o que é lamentável.
Estamos aqui a pensar em outras alternativas para que o teatro não acabe. Eu já vi o teatro quase a acabar aqui, porque, sem apoios, não se consegue fazer. Portanto, para a gente não irmos buscar outras pessoas que nos levam dinheiro para escrever uma revista, para fazer uma música, para fazer seja o que for. Claro que existe a parte criativa para isso tudo, claro que, da parte do grupo, existem pessoas que conseguem escrever, conseguem dar algumas ideias para isto não acabar. Iria estrear, em outubro, um espetáculo, mas, sem esse apoio financeiro, não dá para fazer, porque não existe dinheiro para músicas – era um espetáculo totalmente original, em estilo cabaret –, teríamos de ir buscar músicas a sites e ao Youtube, e isso não é muito bom. Nós gostamos de apresentar produtos originais às pessoas, porque elas pagam o seu bilhete para isso e, então, sem dinheiro e sem apoio, não existe.
Nós queremos que a Câmara Municipal reflita, porque não é só nas marchas que o movimento associativo mexe. Temos um ano inteiro a mexer e tem de haver mais apoio da Câmara Municipal, um bocadinho de mais abertura financeira para criarmos coisas durante o ano. Claro que, no início do ano, em janeiro, estamos a preparar o Carnaval, que vai ser em fevereiro – para o próximo ano não vai ser em fevereiro, mas vai ser ali em inícios de março –, e em inícios de março, estamos já a preparar as marchas populares; estamos já a preparar os projetos, as músicas, para que tudo comece logo ali em março. Mas, as marchas acabam logo ali em junho, e temos ali a Festanima, em que “Os 13” participam. Durante o resto dos meses, não temos mais nada. Portanto, até ao fim do ano, não existe mais nada, e há que olharmos para essa parte do ano. Temos de ter o apoio financeiro, que é importante para fazermos atividades.
Neste período, até ao final do ano, há teatro, há o São Martinho, há o Halloween para fazer. É importante que a Câmara Municipal ou a Junta de Freguesia nos apoie nestas iniciativas. Apesar de haver os contratos de programa, com a Junta de Freguesia, de que também recebemos dinheiro, mas nem tudo chega, eu falo pel’”Os 13”. Há um fim do mês para ser pago – luz, água e televisão –, vai quase tudo. Temos um bar a funcionar, mas nem sempre tem os seus dias bons. Nós estamos abertos desde as 7h da manhã até às 20h, mas, às vezes, não dá lucros, não dá para pagar despesas nenhumas, e se não for a ajuda da autarquia, isto fecha portas. Nós, sozinhos, não conseguimos.
Daí, se calhar, também, é motivo de muita gente se afastar do movimento associativo, porque hoje em dia, ninguém quer pegar numa coletividade. Daí ter dito, logo antes da entrevista, que era eu e o Bruno Vigário, dos Ídolos da Praça, os únicos jovens a agarrarem numa coletividade. Ele tem 20 e poucos anos, e eu tenho 33 anos. Portanto, eu sou o segundo mais novo do movimento associativo, como presidente de uma coletividade. Neste momento, há uma direção d’”Os 13”, que está cheio de projetos para se fazerem, mas ao qual eu tive de lhes barrar projetos, porque não há dinheiro para os fazerem. Não há e, se houver, é dos nossos ordenados que têm de entrar para serem investidos, o que é mau e acaba por esmorecer as pessoas a entrarem no movimento associativo, que é um mundo diferente, mas que esmorece e acabamos por, se calhar, um dia mais tarde, isto fechar portas. Os mais velhos já não querem saber disto, já passaram por aqui, mas agora estão no seu descanso merecido, e estão a deixar isto para os jovens. Esperemos que o futuro seja mais promissor.
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