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Fernando Pinto: “Eu olho para o meu salário e considero-o inadequado, dado o peso das funções que desempenhamos”

Segunda parte da entrevista ao presidente da Câmara Municipal de Alcochete.

Fernando Pinto, na segunda e última parte da entrevista ao Diário do Distrito, discursa sobre o futuro campus universitário de Alcochete, os desafios de liderar a Câmara Municipal e as perspetivas em torno do novo aeroporto no Campo de Tiro.

É crucial assegurar que os jovens e as pessoas que escolhem viver aqui disponham também de oportunidades para desenvolver uma carreira. Quais são as estratégias atualmente em implementação para atrair investimento ao município e fomentar a instalação de novas empresas na região?

O nosso objetivo é que a juventude de Alcochete possa crescer, estudar, licenciar-se, trabalhar e, idealmente, viver aqui. Desejamos que encontrem em Alcochete todas as condições para se desenvolver e prosperar.

Esses três pilares — educação, trabalho e residência — são fundamentais para que o concelho não se transforme num simples dormitório, e continue a ser uma vila dinâmica e empreendedora, onde se possa viver com qualidade.

Este é o caminho que tracei e que temos vindo a consolidar desde o final de 2017. O crescimento tem sido, sem dúvida, exponencial. Neste momento, estamos a desenvolver um plano de pormenor para uma área de cerca de 136 hectares, localizada na Quinta da Coutadinha, uma área semelhante ao Outlet Freeport.

Este é um projeto de grande escala, para o qual estamos a trabalhar há cerca de três anos, e que já está numa fase final. O plano de pormenor prevê não apenas habitação, mas principalmente a implementação de serviços.

O plano de pormenor já prevê a implementação de um polo universitário, com o cuidado de realizar um estudo prévio para garantir que não se trata de uma ideia demagógica, mas sim de uma proposta viável. Como parte desse processo, consultei a Universidade Nova de Lisboa para verificar o interesse da instituição em estabelecer um polo naquela área.

Fiquei satisfeito ao constatar que a universidade, com a sua experiência em implementar polos em locais como a Costa da Caparica, demonstrou interesse em estabelecer um campus ali. Isso dá-nos confiança de que o projeto tem potencial, e estamos abertos a expandir essa iniciativa, envolvendo outras entidades que possam contribuir para o desenvolvimento do polo universitário. Além disso, manteremos a ideia de integrar um polo tecnológico na área, o que é essencial para o crescimento e inovação na região.

Hoje, temos também um gabinete de Inovação e Desenvolvimento Económico e Turístico que fez um trabalho essencial de mapeamento das empresas no território. Sabemos, por exemplo, quantas empresas existem, qual o setor de atuação (primário, secundário ou terciário), quantos funcionários empregam e, em alguns casos, até o volume de negócios.

Essa base de dados não só permite conhecer de forma mais detalhada o nosso tecido empresarial, mas também cria uma articulação mais eficaz entre a Câmara Municipal e as empresas, ajudando a responder melhor às necessidades de cada uma delas. Além disso, esse conhecimento facilita a identificação de áreas para crescimento e inovação, o que é fundamental para impulsionar a economia local.

Veja-se este exemplo. A falta de paragens de autocarro nos parques industriais do Batel e do Passil, era uma limitação, já que os trabalhadores dependiam exclusivamente de transporte privado para chegar ao trabalho. A simples implementação de paragens de autocarro nesses locais foi uma medida simples, que garantiu que as pessoas possam utilizar o transporte público para se deslocar.

Este trabalho de articulação e apoio ao tecido empresarial local é fundamental para fomentar o desenvolvimento das empresas e garantir que elas possam aproveitar as oportunidades disponíveis, como candidaturas a apoios comunitários. A estratégia de atuar rapidamente, identificando as empresas que podem beneficiar de determinadas iniciativas e fornecer informações detalhadas sobre as oportunidades, é uma abordagem eficiente para facilitar o acesso das empresas aos recursos. Além disso, a colaboração com os serviços de proteção civil e bombeiros, oferece suporte no que diz respeito à segurança e à formação, e ajuda a criar um ambiente mais seguro e preparado para os negócios.

No mesmo âmbito, a criação da Incubadora de Negócios de Alcochete é um excelente exemplo de como a Câmara Municipal de Alcochete está a apoiar o empreendedorismo local, com foco em áreas estratégicas como cultura, turismo e inovação. O sucesso da inauguração da startup e a grande adesão de público (mais de 300 pessoas) demonstram o interesse e o impacto da iniciativa.

Às vezes, somos demasiado limitados na forma como encaramos o futuro. Consigo compreender isso, pois a burocracia na função pública, especialmente nos órgãos executivos, é imensa. Desde o momento em que surge uma ideia até projetá-la, lançar o concurso, desenvolver o projeto, iniciar a construção e, finalmente, inaugurá-lo, podem passar quatro anos – passou-se um mandato.

Os políticos enfrentam este desafio: sentem a necessidade de realizar algo concreto durante o período em que estão no cargo. No entanto, acredito que essa lógica acaba por ser prejudicial para a população em geral. Isso ocorre, em parte, porque a política se tornou excessivamente profissionalizada.

O que quer dizer com essa afirmação?

Acho inconcebível que, não exista, por exemplo, limitação de mandatos para os deputados da Assembleia da República, e existe limitação de mandatos para o Presidente da Câmara, porquê? Porquê que, quando um Presidente da Câmara termina, a sua função, tem que, forçosamente, ser encaixado pelo partido que representa num outro tipo de trabalho?

Do ponto de vista político, o nosso país ainda carece, na minha opinião, da criação de uma estrutura que permita às pessoas desempenharem efetivamente funções públicas sem que isso signifique a perda do seu equilíbrio pessoal e profissional. Vou dar um exemplo: imaginem que sou eleito presidente de câmara ou integro o executivo e passo 20 anos nesse cargo. Hoje, já estou numa fase da vida em que tenho a minha situação pessoal organizada. No entanto, poderia estar numa fase mais precoce, e, após 30 anos, aos 50 ou 55 anos, por exemplo, não tendo direito à reforma, veria-me sem perspectivas de reintegração no mercado de trabalho. Isso revela a necessidade de revisar não só as condições de remuneração, mas também a forma como esses processos funcionam para todos os cargos públicos, e não apenas para os presidentes de Câmara.

Acho inconcebível que, como Primeiro-Ministro de nosso país, seja quem for – António Costa, Luís Montenegro, ou outro qualquer – o vencimento seja de apenas 4 mil ou 5 mil euros. Parece-me ridículo, especialmente considerando a responsabilidade que esse cargo envolve. Eu olho para o meu salário e considero-o inadequado, dado o peso das funções que desempenhamos. Não tenho sábados, não tenho domingos, e não sigo um horário convencional das nove às cinco. Estou sempre em serviço público, sem pausas.

Tudo isso precisa de ser revisto e articulado para garantir que a função pública seja devidamente valorizada e credibilizada. A tendência natural, em tempos de crescente desconfiança, até com o surgimento de movimentos populistas, é que as pessoas percam a fé nos políticos. No entanto, como costumo dizer, os políticos não são todos iguais, assim como as pessoas não são iguais. Não se pode colocar todos os políticos no mesmo saco, porque, se assim fosse, o resultado seria uma visão distorcida e errada da realidade.

Considera que a remuneração dos cargos políticos influencia o desempenho dos mesmos e a atratividade da profissão?

Concordo plenamente. Gostaria de destacar algo importante: durante algum tempo, os presidentes de Câmara tiveram as suas remunerações congeladas em 5%. Por outro lado, todas as carreiras públicas foram descongeladas, o que levanta uma reflexão. A questão não é tanto o valor – 5% do meu salário, por exemplo, é um valor irrisório – mas sim a atitude por trás disso. Na minha perspectiva, o que está em jogo é a atitude.

Pergunto-me: por que, na função pública, as carreiras foram descongeladas depois de anos de congelamento desde o período da Troika, mas, no caso dos políticos, em particular os presidentes de Câmara, houve um receio de descongelar esses 5%? Isso, na minha visão, acaba por tirar credibilidade à função. Não concordo com essa postura. Acredito que devemos ser tratados de forma justa, levando em consideração a responsabilidade civil e criminal que temos ao exercer nossas funções. Afinal, em muitos casos, somos chamados a responder, seja no plano criminal, civil ou financeiro, em função das nossas decisões e ações.

Fernando pinto
“E o mais importante, é que não podemos perder a nossa memória.”, Fernando Pinto.

Vou dar um exemplo. O país está significativamente atrasado nas respostas e na execução das ações previstas no plano de recuperação e resiliência. Este governo, em particular, criou uma espécie de “via verde”, facilitando o processo e isentando-nos da necessidade de esperar pelo visto do Tribunal de Contas. No entanto, o Tribunal de Contas vai se pronunciar mais tarde.

Agora, imagine que estamos a executar uma obra, completamente confiantes de que estamos a seguir todos os procedimentos corretamente, fazendo tudo como deve ser. A obra avança, pode até já estar concluída, e então o Tribunal de Contas intervém e diz: “Atenção, vocês cometeram um erro aqui.” Neste caso, se estivermos a falar de uma obra de um milhão de euros, por exemplo, eu serei responsável financeiramente por esse erro. Isso não lembra ao diabo.

Qual é a sua visão para Alcochete nos próximos 10 anos?

Tenho usado frequentemente a expressão “o sonho” nos meus discursos. E porquê? Porque acredito nos sonhos. Acredito que enquanto sonharmos, o mundo continua a evoluir. Portanto, o que costumo dizer nas minhas intervenções, seja para o público em geral, seja para o movimento associativo ou outras instituições, é: nunca deixem de sonhar. Continuem a alimentar a esperança, a renovar a visão de um futuro melhor.

Quando me levanto e olho pela janela, embora a vista aqui seja limitada, o que vejo é a possibilidade do que podemos alcançar com o esforço que pretendemos desenvolver. E o mais importante, é que não podemos perder a nossa memória.

Não podemos deixar de valorizar a nossa história. E a prova disso é que estamos a concluir a programação da Restauração do Conselho, o evento solene mais importante da vida de Alcochete. Este momento celebra a nossa autonomia, a conquista da nossa liberdade. Em 1898, através de um decreto, conseguimos conquistar a independência administrativa em relação à aldeia galega de Montijo. Desde então, celebramos todos os anos, no dia 15 de janeiro, a Restauração do Conselho.

Este ano, estamos a preparar uma programação para perpetuar esse legado, deixando para esta geração e para as futuras gerações a memória do nosso passado. Estamos a construir um mural no Fórum Cultural, que será dedicado a pessoas ligadas às artes plásticas, artes performativas, música, dança, teatro, poesia, enfim, a todas as manifestações culturais. O mural irá homenagear aqueles que, desde 1898 até hoje, contribuíram para a nossa história, mas que já não estão connosco. O objetivo é que o nome dessas pessoas permaneça vivo para que as próximas gerações, como os meus filhos, possam olhar para o mural e perguntar: “Quem era aquela pessoa?” E eu possa explicar. Manter essa memória viva em Alcochete é uma das minhas maiores preocupações.

Além disso, continuamos a trabalhar em várias frentes, como o Parque Escolar, a rede viária, as infraestruturas desportivas, o apoio ao movimento associativo, o apoio social e o desenvolvimento de projetos para o futuro. Estamos a investir na nossa incubadora de negócios, criando condições para o surgimento de novos empregos, e a desenvolver múltiplos contactos para atrair mais empresas ao nosso Concelho. Acredito que quanto mais empresas tivermos, mais e melhores empregos surgirão, o que levará a uma melhor qualidade de vida para todos.

Por fim, é importante que os nossos trabalhadores saibam que estamos cientes das suas necessidades. O nosso trabalho não se limita apenas aos funcionários da Câmara, mas a toda a população. Durante anos, ficámos estagnados em termos de investimento, mas agora é preciso agir com mais rapidez para recuperar o tempo perdido e restaurar o que estava em ruínas. Investir na nossa força de trabalho e nas infraestruturas é essencial para o desenvolvimento do Concelho.

O que quer dizer aos munícipes que depositaram confiança no seu mandato?

Eu acho que não defraudei as expectativas. Sou uma pessoa de portas abertas, disposta a ouvir todos aqueles que queiram dialogar de maneira articulada e construtiva. Estou aqui para fazer o meu caminho, desempenhando um trabalho que é de todos e para todos.

Muitas vezes, é necessário fazer política, mas a diferença que existe em mim, em comparação com o que existia antes, é que eu não faço política com as pessoas, faço política para as pessoas. Pode parecer algo semelhante, mas existe uma linha que separa essas duas abordagens.

Estamos a reduzir drasticamente a carga fiscal dos munícipes. Por exemplo, baixámos meio ponto percentual, devolvemos 1% do IRS aos sujeitos passivos e reduzimos a taxa do IMI. Quando cheguei, o IMI estava a 0.45%, sem IMI familiar; hoje, a taxa é 0.35% com IMI familiar, e o objetivo é descer para 0.34%.

Portanto, essa fórmula – investir, reduzir a carga fiscal e controlar a dívida da Câmara – dará, sem dúvida, espaço para que possamos continuar a trabalhar em prol do Concelho de Alcochete no futuro.

Sem deixar de refletir sobre este aspecto: o que é que o novo aeroporto no campo de tiro significará para Alcochete?

O novo aeroporto será um grande desafio. Trará indiscutivelmente benefícios, mas também problemas. Não existe investimento que seja apenas positivo; há sempre aspectos negativos a considerar. Porém, essa não é uma decisão da Câmara Municipal, é uma decisão do Governo. Ninguém me pergunta se eu concordo ou não com a localização do aeroporto. O meu papel é defender os interesses superiores da terra e das pessoas.

Este investimento é de âmbito nacional e de grande importância. O aeroporto Humberto Delgado, como está, não atende adequadamente à demanda turística em Portugal. Perdemos mais de 8 milhões de passageiros, o que é prejudicial para a economia nacional. Algo precisa de ser feito para lidar com essa questão.

Contudo, a minha preocupação é que, do ponto de vista ambiental, todas as diretrizes europeias e nacionais sejam respeitadas, assim como os requisitos de segurança. Acredito que o Concelho de Alcochete pode, no final, beneficiar mais com o aeroporto do que perder.

Estou atento, extremamente atento, para garantir que possamos aproveitar ao máximo os aspectos positivos do investimento, minimizando os impactos negativos. Algo que me tranquiliza é o acompanhamento que fiz, por mais de um ano, junto da Comissão Técnica Independente, e que foi irrepreensível. Destaco, especialmente, o trabalho da professora doutora Maria do Rosário Partidário e do engenheiro Mineiro Aires, do Conselho de Obras Públicas. A localização das duas pistas no Campo de Tiro, previstas para o aeroporto, estará mais distante do núcleo central de Alcochete do que o atual aeroporto Humberto Delgado, o que é um fator positivo.

Do ponto de vista do ruído e de outros impactos, acredito que não teremos grandes problemas. O Concelho será desafiado com a entrada e a passagem de mais pessoas por Alcochete, mas, em termos de crescimento urbanístico, a verdade é que já não temos muito espaço para expandir. Isso minimiza as possíveis complicações nesse sentido.

É natural que haja um aumento no fluxo de pessoas, mas esse fenômeno é benéfico para o comércio local, para as empresas e para a economia da região. A economia circulante será um reflexo direto desse crescimento. Se Alcochete continuar a ser bem gerido, como tem sido até aqui, vejo o desafio como algo promissor, mas seguro.

Antes de terminarmos, quais foram as duas conquistas principais da sua gestão?

Acho que as conquistas que mencionei são, de fato, muito importantes, mas a grande prioridade, a “menina dos nossos olhos”, sempre foi a educação. Não se trata apenas de requalificar o Parque Escolar, embora isso também seja essencial. A última obra que estamos a realizar, abrangida pelo PRR, é a requalificação da Escola Básica do Passil e a construção do novo Jardim de Infância do Passil, substituindo o pré-fabricado antigo por um edifício moderno, cuja obra começou há pouco tempo.

No entanto, mais do que ampliar e requalificar, o que realmente nos motiva é o compromisso com a educação no seu sentido mais amplo. Isso inclui iniciativas como a gratuidade dos lanches e das fichas escolares, que visam apoiar as crianças e as famílias, garantindo que a escola tenha um papel fundamental na vida delas, independentemente das suas condições financeiras. Para muitas crianças, a refeição na escola é a principal do dia, e é com consciência disso que implementámos a gratuidade dos lanches.

CM Alcochete
Edifício Paços do Concelho, Câmara Municipal de Alcochete

Essa é, sem dúvida, uma conquista da qual me sinto extremamente orgulhoso. No entanto, não olhamos para o nosso trabalho apenas pelas conquistas em si, mas pelo impacto visível que geramos. Gosto de sair do meu gabinete, percorrer o meu conselho e ver as mudanças que aconteceram, sabendo que de alguma forma tive uma influência positiva na transformação da nossa vila para melhor. Isso é o que realmente enche-me de orgulho.

Gostaria de sublinhar que este trabalho não é da responsabilidade apenas do Presidente, mas de toda a equipa — a Sra. Vice-Presidente, os vereadores, os trabalhadores da Câmara. O nosso empenho coletivo é o que tem levado a todos estes avanços e melhorias. Acredito que a população percebeu isso, tanto que já por duas vezes me confiou a presidência da Câmara, e estamos aqui para continuar este caminho, sempre com o objetivo de privilegiar Alcochete e as suas pessoas.

1.ª parte da entrevista


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