Fernando Pinto: “Alcochete tem-se tornado uma escolha cada vez mais popular para viver”
O presidente da CM Alcochete identifica os principais objetivos para o concelho que quase duplicou a sua população desde a construção da Ponte Vasco da Gama.
Fernando Pinto (PS), na primeira parte da entrevista ao Diário do Distrito, avaliou a sua gestão da Câmara Municipal de Alcochete, que dirige desde 2017. O autarca apontou os maiores desafios para o concelho, as consequências do crescimento demográfico, e abordou a sua vontade em manter viva as tradições do município…
Deve-se priorizar o aumento das verbas dos municípios ou investir na melhoria da eficácia da empresa AMAR-SUL?
Temos dois grandes desafios, que assentam em dois investimentos de âmbito nacional. Um deles tem a ver com a questão da localização da nova cidade aeroportuária. Neste âmbito, o trabalho extenso desenvolvido pela Comissão Técnica Independente apontou a unidade militar do Campo de Tiro para o efeito.
O outro é o projeto da reabilitação do projeto do Arco Ribeirinho do Sul. Este projeto visa criar uma sustentabilidade adaptada às realidades de cada município aqui envolvido, nomeadamente Alcochete, Montijo, Moita, Barreiro e Seixal.
Parece-me uma iniciativa extraordinária, lançada ainda durante a legislatura anterior, sob a liderança do então Primeiro-Ministro António Costa. O objetivo era garantir que este processo avançasse e desse passos significativos para a sua implementação e para a concretização desse investimento. Contudo, receio que, neste momento, o progresso possa estar um pouco paralisado. Ainda assim, são dois grandes desafios que queremos abraçar para maximizar os benefícios que ambos podem trazer ao concelho de Alcochete.
Considerando a importância do estuário, quais são as principais medidas previstas para lidar com as questões ambientais, em particular a preservação do estuário do Tejo?
É uma questão que, para nós, não pode ser tratada apenas como uma prioridade momentânea. Como diz o provérbio, não basta parecer, é preciso ser. Por isso, temos trabalhado ativamente para aproveitar todas as oportunidades que os quadros comunitários, tanto o 2020 quanto o 2030, nos oferecem no âmbito da eficiência energética.
Temos um problema sério que está a atravessar todo o território nacional e, particularmente, os municípios da área metropolitana de Lisboa, que tem a ver com a higiene urbana, uma matéria complexa e muito dispendiosa e que cria sérios problemas, quer do ponto de vista financeiro, quer do ponto de vista da eficiência do serviço. Inclusive, no último Conselho Metropolitano, sugeri que este deveria ser um tema cujo denominador comum abrangesse os 18 municípios do Conselho Metropolitano. Porque o município de Alcochete não tem capacidade financeira, nem capacidade humana, para combater este flagelo.
O cidadão, ao olhar para os contentores do lixo, não consegue distinguir de quem é, afinal, a competência da recolha do lixo. Nós realizamos a nossa parte, mas a recolha dos resíduos recicláveis é da responsabilidade da AMAR-SUL. No entanto, a sua atuação nessa área deixa muito a desejar.
Os aterros, como se sabe, não são uma solução definitiva, e as alternativas que possam realmente responder às necessidades das nossas populações continuam a tardar. Com o crescimento das populações, a quantidade de resíduos também aumenta significativamente, e os municípios enfrentam dificuldades para garantir a recolha de forma eficaz, especialmente no que diz respeito à recolha seletiva, que é essencial do ponto de vista ecológico.
Portanto, assim como todos os municípios, queremos ter um concelho mais verde, mais saudável, amigo do ambiente e ecológico. Mas lembro que este é um processo dispendioso, e os municípios não têm as verbas necessárias para dar uma resposta realmente satisfatória.
É necessário aumentar as verbas dos municípios ou aumentar a eficácia da empresa AMAR-SUL?
Eu acrescentaria a esses dois exemplos um terceiro, que tem a ver com o aspeto cultural. É fundamental promover uma ampla campanha de sensibilização para que as populações percebam que todo o esforço que realizam nesse sentido tem um propósito e um objetivo claro, tal como já acontece em outros países da Europa.
Existem muitos países onde, efetivamente, as coisas acontecem de uma forma natural porque as pessoas percebem que aquele gesto tem um sentido, um fim, e que vão contribuir para um melhor ambiente. E nós ainda não chegámos a esse ponto.
Estamos atrasados comparativamente a outros países da Europa e do mundo. Depois, efetivamente, é necessário que os municípios sejam ressarcidos das verbas necessárias para que isso tudo aconteça. E isso não tem sido plasmado nos Orçamentos de Estado e neste particularmente também não. As câmaras municipais e as freguesias têm a vantagem de possuírem uma maior proximidade e conhecimento das realidades de cada zona.
Sempre defendi a descentralização, mas uma descentralização planeada e estruturada. Mas o que tem ocorrido, especialmente na área da educação, é que as verbas transferidas não são suficientes para atender às necessidades reais.
Como resultado, os municípios acabam por assumir essa responsabilidade financeira para garantir a continuidade do trabalho, o que leva a défices nos orçamentos municipais, já que os valores transferidos pelo Estado são insuficientes.
Alcochete tem assistido a um crescimento demográfico contínuo nos últimos anos. Como tem a Câmara Municipal gerido este desafio, especialmente considerando as dificuldades acrescidas nas áreas da saúde e habitação?
O crescimento no município foi significativo, especialmente após a construção da Ponte Vasco da Gama. Antes da ponte, a população do concelho rondava os 12 mil habitantes. Segundo os censos de 2021, ainda não atingimos os 20 mil, mas estamos muito perto.
Ou seja, nos últimos 30 anos, houve praticamente uma duplicação da nossa população. A Câmara Municipal tem cumprido o seu papel ao longo desse período, investindo na criação de infraestruturas essenciais, como a rede viária, as instalações educativas e os equipamentos desportivos.
É certo que houve um abandono dos equipamentos já existentes e não houve investimento na requalificação e ampliação destes mesmos equipamentos. Desde finais de 2017 até hoje, é visível e notório o investimento que a Câmara Municipal fez no Parque Escolar, requalificando todo o Parque Escolar, e ampliando sempre que possível, um conjunto elevadíssimo de infraestruturas desportivas.
Já na rede viária investimos praticamente 3 milhões de euros ao longo destes seis anos a recuperar as estradas. Na educação, investimos praticamente 6 milhões de euros no Parque Escolar.
No que diz respeito à saúde, ao longo destes anos, não houve, por parte dos governos, um alargamento da capacidade das infraestruturas, tanto do Centro de Saúde de Alcochete quanto da extensão do Centro de Saúde do Samouco.
Além disso, também enfrentámos dificuldades na contratação de médicos, o que tornou complicado dar resposta às necessidades da população.
Relativamente à segurança, não houve, ao longo dos anos, qualquer investimento significativo por parte dos governos na área da Guarda Nacional Republicana. Contudo, temos reforçado a segurança da população através da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Alcochete, que desempenha um trabalho de excelência, prestando socorro imediato e profissional tanto aos residentes do concelho como aos que aqui transitam diariamente.
Os nossos esforços incluem apoio financeiro, a criação e implementação de duas equipas de intervenção permanente, a aquisição de equipamentos, fardamentos e veículos, garantindo assim a melhoria contínua das condições de atuação dos bombeiros.
Ainda, a Escola EB 2,3 D. Manuel I enfrenta atualmente uma situação urgente que exige não apenas uma requalificação, mas, acima de tudo, uma ampliação. Hoje, este estabelecimento de ensino acolhe cerca de 50 turmas, apesar de a sua infraestrutura ter capacidade para apenas 30.
Este problema resulta de décadas sem qualquer intervenção significativa na escola, com exceção do Governo PS, sob a liderança do então Primeiro-Ministro António Costa, que retirou os telhados de amianto e requalificou uma ou duas salas. Apesar de importante, este trabalho foi insuficiente face às necessidades crescentes do estabelecimento.
Neste momento, o município está a assumir um papel que deveria ser do Governo, desenvolvendo um projeto estruturante para a requalificação e ampliação da Escola EB 2,3 D. Manuel I, de acordo com o espaço disponível. Este projeto, por si só, terá um custo superior a meio milhão de euros, um encargo que a Câmara Municipal decidiu assumir, reconhecendo a importância de continuar a investir na educação para construir uma sociedade melhor.
Considerando que o custo do projeto representa geralmente cerca de 10% do valor total da obra, estima-se que a intervenção na escola poderá ultrapassar os 6 milhões de euros, um montante que a Câmara Municipal não possui capacidade financeira nem margem de endividamento para suportar.
Ainda assim, estamos determinados a avançar com o projeto, pois poderá abrir oportunidades de financiamento ao abrigo do quadro comunitário. Sem o projeto pronto, estaríamos em desvantagem para aproveitar eventuais apoios, motivo pelo qual já estamos a trabalhar nesse sentido.
Alcochete tem um problema de falta de estacionamento…
Estamos a enfrentar um desafio significativo relacionado com a falta de bolsas de estacionamento. Para mitigar este problema, todos os edifícios novos devem incluir garagens, garantindo que os futuros residentes não ocupem o estacionamento público já escasso, essencial tanto para os moradores quanto para os visitantes.
Além disso, estamos a trabalhar para ampliar a capacidade de estacionamento em todo o concelho, com especial atenção à Vila de Alcochete. Prevemos, até o final de 2025, disponibilizar cerca de 230 novos lugares de estacionamento a apenas 100 metros do edifício da Câmara. Esta solução resulta de uma parceria com um investidor imobiliário que está a desenvolver um projeto na área.
No âmbito das negociações, assegurámos que o projeto incluísse estacionamento à superfície para 230 viaturas, além de garantir que cada fração habitacional tenha dois lugares de estacionamento subterrâneos. Desta forma, os novos residentes não precisarão de utilizar o estacionamento público, aliviando a pressão existente.
Como está a ser abordada a gestão da habitação social no município?
Esse é outro problema que o município está a abordar ao abrigo do PRR, nomeadamente por via do Programa Primeiro Direito. Nós temos, do ponto de vista social, cerca de 50 casas, o que não responde minimamente àquilo que são as necessidades existentes.
Temos cerca de 150 famílias a viver em condições indignas. Estas situações estão devidamente identificadas, e essas famílias cumprem todos os critérios legais para a atribuição de habitação social. Este é um desafio prioritário que exige respostas rápidas e eficazes para garantir a dignidade e o bem-estar destas pessoas. Alcochete tem um problema de assimetria, nós temos pessoas que têm uma facilidade tremenda em adquirir uma casa que ascenda a mais de um milhão de euros, mas depois temos, também, um conjunto grande de população que não consegue ter 400 euros para arrendar uma casa, sendo que também já não existem casas a esse valor. Isto é uma assimetria muito grande, que exige da parte da Câmara um trabalho muito responsável e sério.
Neste momento, encontram-se em construção os primeiros seis fogos habitacionais, que esperamos atribuir em meados de abril. Estes fogos foram pensados para garantir todas as condições de vida digna em comunidade, evitando a criação de guetos ou bairros isolados, promovendo a integração social, que consideramos essencial para uma sociedade equilibrada.
As casas serão entregues completamente equipadas, incluindo micro-ondas, forno, máquina de lavar roupa e máquina de lavar louça, assegurando condições de habitabilidade que muitas destas famílias nunca tiveram. Recentemente, tive a oportunidade de visitar a obra com os meus vereadores e confesso que foi um momento emocionalmente marcante. Este é um investimento significativo por parte do Município, mas o impacto positivo na vida das pessoas que ali vão residir é incalculável.
Está também em curso um processo concursal, que creio ter terminado recentemente, para a construção de mais 14 fogos destinados à Habitação Social. Este projeto enquadra-se no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que alocou cerca de 2 milhões de euros para essa finalidade. Contudo, as estimativas de execução realizadas pelas nossas equipas de arquitetos e engenheiros apontaram que o custo total da construção destes 14 fogos ultrapassará em mais de 600 mil euros o montante previsto pelo PRR.
Perante essa situação, enfrentei um verdadeiro dilema: o que fazer diante neste cenário?
Optei por avançar com a construção da obra, mesmo que isso signifique um esforço financeiro adicional de 600 mil euros, que não está coberto pelo financiamento do PRR.
Estou a seguir esse caminho, embora, é claro, isso signifique que outras áreas terão de ser deixadas de lado, já que esses 600 mil euros, que estavam inicialmente destinados a outras necessidades, terão de ser realocados. Às vezes, é preciso ter a capacidade e a coragem de priorizar e tomar decisões difíceis.
A nossa estratégia local de habitação tem como objetivo duplicar o parque de habitação social existente, ou seja, construir mais 50 casas. Neste momento, já temos 6 em construção, com previsão de entrega em abril para 6 famílias. Além disso, a construção de 14 fogos já foi autorizada e o processo está avançado. A empreitada deve começar nos próximos meses, e logo em seguida partiremos para o procedimento concursal para a construção de mais 8 fogos. No total, esses três projetos somam cerca de 28 ou 29 fogos. Ainda não atingimos a meta de 50, mas já estamos a alcançar uma capacidade de resposta muito significativa, dentro das condições financeiras e humanas do município.
Além da habitação social, acredito que outro investimento fundamental no nosso parque habitacional é a habitação a preços acessíveis. No entanto, a Câmara Municipal de Alcochete não recebeu terrenos como herança, por isso o nosso trabalho passa por adquirir terrenos primeiro e, depois, construir para rendas acessíveis. Isso implica uma despesa adicional: a compra dos terrenos antes de podermos avançar com a construção.
O nosso objetivo é garantir que não perdemos a nossa identidade, que está muito ligada aos nossos jovens. Os censos de 2021 revelam que, no Arco Ribeirinho do Sul, entre os municípios de Alcochete, Montijo, Moita e Barreiro, Alcochete é o concelho com o maior índice de juventude. Perder a juventude seria como perder um pouco da essência dos nossos usos e costumes. Por isso, faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que os nossos jovens não precisem sair de Alcochete para procurar casa noutros concelhos, devido à falta de capacidade financeira para adquirir um imóvel no nosso concelho.
Portanto, em relação aos terrenos que possuímos e aqueles que estamos a adquirir por todo o concelho, inclusive na Freguesia do Samouco, estou, neste momento, à espera de uma resposta para a aquisição de três lotes de terreno. Estes terrenos poderão ser utilizados para a construção de prédios destinados à habitação com rendas acessíveis.
Aquilo que desejamos é que Alcochete seja um concelho acolhedor para todos — para os que aqui nasceram, para os que aqui cresceram e até para aqueles que escolham vir morar connosco. Alcochete não fecha portas a ninguém, e tem-se tornado uma escolha cada vez mais popular, principalmente pela segurança que oferece, pela excelência da sua gastronomia, pelo seu património cultural e pela sua programação cultural, que é uma referência não só no distrito, mas também na área metropolitana de Lisboa….
(Continua na segunda parte…)
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