Entrevista | André Pinotes Batista: “Nenhum partido se reinventa tanto quanto o PS”
Nesta entrevista com o recém-eleito presidente da Federação Distrital de Setúbal do Partido Socialista, falamos da ambição para as autárquicas, e dos desafios que o partido enfrenta.

Nesta entrevista com o recém-eleito presidente da Federação Distrital de Setúbal do Partido Socialista, André Pinotes Batista fala da ambição do partido para as eleições autárquicas, que quer jogar para “ganhar“, e dos desafios que o partido enfrenta internamente, como são o caso da desfiliação de Fernando Caria do PS Montijo, e o clima de tensão no PS Santiago do Cacém. Da mesma forma, aborda matérias como o ambiente e a imigração, para a qual sente que o partido necessita ser “mais claro“.
André Pinotes Batista foi eleito líder da Federação Distrital de Setúbal há cerca de um mês. Quais foram os desafios que viu pela frente?
Nos últimos dez anos, desde 2014, tive a oportunidade de terminar um ciclo de uma década como líder da concelhia do Barreiro e, nos últimos quatro anos, ser coordenador autárquico da Federação Distrital de Setúbal, e de assistir ao crescimento enorme que as nossas equipas conseguiram, colocando o Partido Socialista, não ainda como força dominante, mas como uma força autárquica muito representativa.
Nós vamos ter eleições autárquicas em 2025, esse é o nosso horizonte de trabalho, de estruturação de trabalho. Somos hoje um partido com enorme maturidade e com um legado de obra socialista que marca uma diferença muito grande com os mandatos do PCP. Nos vários sítios do distrito de Setúbal, as pessoas já vão compreendendo e sentindo na sua vida quotidiana a diferença de ter uma autarquia lidada pelo PS com audácia, com capacidade de renovação, com capacidade de inovar os territórios, e aquilo que são as gestões do Partido Comunista, que gerem o quotidiano, melhor ou pior, mas que não fazem os concelhos avançar.
O nosso foco foi muito centrado na preparação das eleições autárquicas, sem prejuízo de, num horizonte legislativo – e a Federação tem uma natureza que declina a nível nacional e regional -, prepararmos um programa que possa influenciar um futuro programa de governo de um primeiro-ministro liderado pelo PS, e ter um tronco comum nos projetos autárquicos que vamos apresentar em cada autarquia, em 2025.
O primeiro trabalho que nós tivemos foi, na sequência da estranha dissolução da Assembleia da República a 7 de novembro, o PS passou por um conjunto de eleições: eleições internas, eleições regionais da Madeira, eleições regionais dos Açores, eleições legislativas, eleições europeias e, portanto, eu quando apresentei a minha candidatura, comecei logo a trabalhar. Se não foi uma candidatura para conquistar um lugar, foi uma candidatura que foi um posto de trabalho imediato, indo aos 13 concelhos, fazendo a análise do muito que fizemos, e de alguns erros que também cometemos, motivando e mobilizando as equipas para disputar eleições. Estou convencido que o Partido Socialista tem condições de disputar a vitória em todos os concelhos do distrito de Setúbal. Quem joga para empatar perde, nós não vamos com certeza vencer em todos os concelhos, mas temos condições para, onde tivermos ambição e unidade e positividade, podermos disputar a liderança de todas as autarquias.
Essa foi a mensagem que eu levei, foi o primeiro desafio que tive, foi mesmo antes de ser eleito Presidente da Federação. Neste mês, tivemos o Congresso [Distrital], um Congresso que, no primeiro dia, permitiu homenagear a memória de Mário Soares, na Moita, no Fórum Cultural, com um debate e uma apresentação de um curto filme. O que pretendemos nesse momento foi invocar a memória do Partido Socialista, porque quem não sabe de onde veio não consegue projetar para onde vai, e a verdade é que nós temos esta coisa de ter um Congresso de dois dias por este motivo. Depois, fomos para a segunda dimensão, que é a dimensão de preparar as eleições autárquicas, que são uma coisa mais nevrálgica. Aqui, é meu entendimento que nós temos que homenagear os autarcas que, desde 1976, com a bandeira do Partido Socialista, trabalharam e eles foram homenageados pelos atuais presidentes de Câmara, ou seja, nós queremos aqui que haja um entrecruzamento geracional entre quem já, com o símbolo do Partido Socialista ao peito, serviu as suas comunidades e não foi pouca gente, foi muita.
Portanto, há aqui esta primeira questão que tem a ver com colocar as pessoas no essencial, feito para trás que está o exercício de muito mais que acertarmos do que aquilo que erramos, mas identificamos com humildade as coisas que possamos ter feito menos bem nos oito anos e meio do governo do António Costa e, agora, de forma atempada, escolher os melhores colocados em cada concelho, para poderem protagonizar candidaturas positivas que não sejam centradas em atacar os outros, mas centradas em apontar um caminho. Nós não apontamos dedos, apontamos soluções e vai ser assim que vamos trabalhar. Eu quero até ao final deste ano, mais tarde, no início do seguinte, ter os candidatos todos escolhidos, para que eles tenham tempo de estabelecer uma relação com os cidadãos e os projetos, para que as pessoas olhem para os projetos do Partido Socialista e percebam que a melhor maneira de mudar o seu concelho é fazendo um voto no progresso e o voto no progresso é no Partido Socialista.
Falou na questão de estarem a preparar candidaturas para ganharem em todos os concelhos e não para empatar. Quais considera ser, neste momento, os concelhos de liderança CDU em que há uma maior probabilidade do Partido Socialista conquistar estas câmaras?
Eu não faço priorizações destas. Quando eu digo que nós podemos disputar com ambição, unidade e audácia todos os concelhos, eu acredito mesmo nisso. Há uma parte que depende de nós, que é a parte da unidade. Há uma parte que depende de nós, que é a parte da ambição de apresentar projetos arrojados. Há uma outra parte que também depende de nós, que é termos energia para irmos a estes combates. Depois, há sempre dimensões que não dependem de quem se propõe, dependem de condições internacionais, de condições nacionais, de coisas externas. Eu não faço priorizações, porque há uma alteração sociológica muito grande no distrito de Setúbal, onde antes existiam maiorias sempre de esquerda. Neste momento, o PS é a maior força legislativa no distrito de Setúbal, mas a direita é a maioritária, porque o PCP tem tido uma degradação aceleradíssima do ponto de vista eleitoral.
Eu não vou fazer seleção de concelhos quando eu acredito genuinamente que nós temos condições naturais para disputar eleições em todo o lado. O apelo que eu faço é esta questão de positividade, audácia e coesão. Onde os concelhos em que os dirigentes do PS consigam abraçar estas três coisas, têm uma grande probabilidade de vencer eleições. Quando não o conseguirem fazer, não conquistarão a confiança das pessoas. Mas eu estou certo, pelo o que tenho sentido em campanha, que isto se vai verificar, mas eu não distribuo as concelhias por graus de probabilidade, até porque os estudos, aquilo que nos indicam, é que existe mesmo uma grande degradação do Partido Comunista Português. Uma grande erosão e o Partido Socialista tem que saber aproveitar isto com positividade.

Apesar daquilo que falou, a questão é que existem alguns concelhos em que o Partido Socialista está a ter uma maior dificuldade. Dou-lhe os exemplos de Montijo e Santiago do Cacém. No caso do Montijo, nós temos o presidente da junta Fernando Caria, da União das Freguesias de Montijo e Afonsoeiro, que se desfiou do Partido Socialista e que irá apresentar uma candidatura como independente ao Montijo. Temos, também, a questão de Santiago do Cacém, em que já houve vários vereadores e vários deputados, quer municipais, quer de freguesia, que apresentaram os seus pedidos de demissão, ou que, no caso de Susana Pádua, foi retirada a confiança política. Considera que esses fatores podem dificultar aquilo que é o objetivo do partido no distrito?
Por mais que o presidente da Federação assuma um contributo, que é o de defender o símbolo do Partido Socialista, e a marca do Partido Socialista em todo o distrito… Ou seja, nós, no Montijo, temos 28 anos de liderança. Não é coisa de menos importância. O Partido Socialista fez o primeiro ciclo de transformação do Montijo com Maria Amélia Antunes. Teve uma segunda geração de transformação com Nuno Canta. Não há ninguém mais bem posicionado do que o Partido Socialista para operar este refrescamento, para operar uma terceira geração de melhoria do Montijo, do que o Partido Socialista liderado por Catarina Marcelino. E eu digo isto com reconhecimento público pelo percurso que Catarina Marcelino tem, e pelas suas características, e há mais a dizer sobre isso. É um conjunto de quadros de gente com experiência, e quem transformou o Montijo de um pequeno local a uma grande cidade são as mesmas pessoas que estão mais bem posicionadas para poder proceder esta liderança.
O resto, que tem a ver também com o Santiago do Cacém, tem a ver também com estas coisas. Eu não confundo aquilo que são desentendimentos pessoais com aquilo que são os funcionamentos institucionais. O Partido Socialista teve eleições concelhias, teve eleições distritais, os militantes foram expressivos nas suas manifestações, e eu queria aqui dizer o seguinte: em todos os sítios onde houver necessidade de atuação da Federação, tal como ocorreu com a minha antecessora Eurídice Pereira, nós com descrição e com bom senso, atuaremos. Não são coisas que me tirem o sono, porque o cenário que lhe descrevi, o cenário maior, e os protagonistas que existem, saberão ter coesão, unidade, positividade e audácia.
Não são coisas que me perturbem por aí além. Faz parte da natureza humana é que nós estejamos sempre de acordo. Como de geral eu diria que a Federação de Estrutura é uma federação muito coesa e solidária.
Considera que essa unidade que descreveu tem sido vista naquilo que é a forma de governação do Partido Socialista nas autarquias, mas, também, no interior das concelhias?
O Partido Socialista tem 50 anos de história, e ter 50 anos de história é mais importante do que qualquer individualidade. Mais importante do que eu, ou mais importante do que o presidente da estrutura A ou da estrutura B. Aquilo que eu sei é que, durante 50 anos, nós fomos um partido de progresso. Um partido que é capaz de ter a maior implementação autárquica do país. Como é evidente, como em todas as famílias, existem momentos de maior afinidade ou de maior desafinidade, mas a coesão do Partido Socialista é uma coisa notável. Nós ainda recentemente passámos por uma crise governativa com o António Costa e o Partido Socialista reergueu-se, foi capaz de se reinventar. Nenhum partido se reinventa tanto quanto o PS e, no entanto, somos o partido que teve menos lideranças dos partidos grandes em comparação, por exemplo, com o PSD. O PS vai no seu décimo secretário-geral. O PSD tem dezenas de presidentes.
Nós sabemos bem o que é ter opiniões diferentes e serrar fileiras para defender os projetos que acreditamos serem melhores para as pessoas. Portanto, como disse, é mesmo uma coisa que não me preocupa para além da preocupação normal que me é devida, que é de ser árbitro e de motivar ao máximo de unidade possível. Agora, unidade não é unanimismo e, como todas as famílias, existem sempre momentos… Nem todos os almoços e jantares de família correm bem, mas a verdade é que, no cômputo geral, faço uma avaliação muito positiva, mas muito positiva mesmo, da coesão interna do Partido Socialista. Eu fiz mais de 10 mil quilómetros nos últimos três meses e tive mais do que uma vez em todos os concelhos. Eu posso-lhe dizer que encontrei um partido mobilizado.
Olhe, eu dou-lhe um exemplo: a aposta que fiz na coesão interna do Partido Socialista no Seixal foi muito retribuída pelos próprios militantes e dirigentes do Seixal, que têm hoje uma estrutura preparadíssima para preparar uma presidência. Não vale a pena individualizar, as coisas são o que são, e isso não é dramático. Nós temos estado a trabalhar e vamos estar preparados para o desafio que nos é colocado.
No âmbito da sua candidatura, admitiu a possibilidade de haver uma estratégia comum a todo o distrito, mas também respeitando as diferenças regionais de cada concelho. Devido a essas diferenças regionais, considera dar uma atenção redobrada à realidade dos concelhos a sul do Sado?
Não é por aí que a nossa abordagem funciona. Nós temos uma lógica que é muito fácil de assimilar. Nós sabemos que o Arco-Ribeirinho Sul, de Almada até ao Alcochete, tem uma realidade própria. Sabemos que os três castelos de Setúbal, Palmela e Sesimbra têm outra realidade sociológica, e que o nosso litoral Alentejano tem outra realidade sociológica. Eles têm especificidades e são os protagonistas da terra que vão definir o programa que nós vamos apresentar em cada concelho, mas a identidade do Partido Socialista é muito forte em Setúbal e vai merecer que tenhamos um conjunto de políticas que vão ser adotadas nos 13 concelhos.
Existem matérias sobre as quais as propostas autárquicas do Partido Socialista serão transversais. Existem matérias sobre as quais cada concelho definirá o seu. A autonomia programática das concelhias é inalienável. Elas é que vão tratar de dizer qual é a proposta que querem ter para as pessoas, mas nós queremos ser identificados como aquilo que somos, que é o partido mais progressista autárquico no distrito de Setúbal, e para isso é importante que no nosso programa exista uma transversalidade. Como é que isto vai ser feito? Nós vamos criar uma oficina de estudos e reflexão política que vai produzir um pacote comum de medidas a aplicar em todos os programas autárquicos. No entanto, são os próprios protagonistas das candidaturas que vão definir a grande maioria do seu programa, porque um programa eleitoral em Sines é muito diferente de um programa eleitoral em Setúbal ou no Seixal. Mas não há razão para que questões que estejam ligadas aos direitos humanos, questões que estejam ligadas à ação social, questões que estejam ligadas a certos serviços concentrados do Estado não tenham uma resposta transversal.
O problema dos sem-abrigo é um problema que não olha a latitudes e longitudes, e o PS tem, nessa matéria, como no combate à violência doméstica – apenas para lhe dar dois exemplos -, uma abordagem que é transversal. É uma marca da ação socialista, uma ação que é solidária, não é de assistencialismo, mas é solidária e muito proactiva, que não convive bem com a miséria e que também não trata os setores mais fragilizados como alvos de caridade. Ora, para lhe dar estes dois exemplos da violência doméstica e dos sem-abrigo, para lhe ilustrar medidas que serão transversais a todo o distrito. Depois, existem as realidades que são próprias, e que são obviamente o centro de cada programa e que são definidos pelas próprias candidaturas.

Admite aceitar coligações para os vários concelhos, também como forma de facilitar a conquista dessas autarquias por parte do Partido Socialista?
A política de coligações do Partido Socialista é definida pela Direção Nacional, que eu até há pouco tempo integrava. Admito, sempre em diálogo com o Secretário-Geral, avaliar coligações que não sejam disruptivas da identidade do Partido Socialista. Quando nós falamos em coligações, nós estamos a falar de uma infinidade de possibilidades. Existem coligações que jamais permitiria, e existem coligações que podem até ser desejáveis. Essa é a matéria que tratarei diretamente. Sendo-me proposto por uma concelhia, elas serão validadas com o Secretariado Nacional do Partido Socialista, e dentro desta baliza. Se forem questões que não violem a identidade do PS, eu farei por sensibilizar quem decide que são positivas. Se forem coligações que lhe ultrapassem, elas serão liminarmente recusadas.
Nós não trocamos os nossos princípios por mais uma junta de freguesia. Nós não podemos sacrificar a nossa identidade por um punhado de votos. Noutros sítios, onde existem configurações programáticas úteis, compartilhadas com afinidade com aquilo que é o nosso conteúdo programático, as concelhias me o propuserem, será analisado com carinho.
Aquelas que têm sido algumas das polémicas no distrito de Setúbal, sobretudo no Litoral Alentejano, têm sido a questão do cultivo intensivo e também a construção de centrais fotovoltaicas, em que existe um largo abate de sobreiros e azinheiras. Estou a dar o exemplo de Cercal do Alentejo, que tem não só marcado a opinião pública nesses concelhos, mas também tem promovido uma forte mobilização popular, como, por exemplo, o Movimento Cívico Juntos pelo Cercal do Alentejo, que tem protestado junto de entidades como o Banco Português de Investimento, contra a central fotovoltaica nesta região. Como estratégia comum do Partido Socialista, não só para todo o distrito, mas para os concelhos em particular, considera a hipótese de devolver à discussão pública projetos polémicos que envolvam a degradação ambiental e projetos polémicos que envolvam também aquilo que pode ser visto como uma deterioração ambiental, como é o caso, por exemplo, da linha de alta tensão de Cercal do Alentejo?
Não existe desenvolvimento sem impactos ambientais e não deve haver demagogia à volta da preservação do ambiente. Eu integrei a Comissão de Ambiente durante três legislaturas, e eu sei bem o que é a demagogia que circula em torno de tudo o que tem a ver com o investimento. Por vezes, o que acaba por acontecer é que, na ânsia de ligar alarme social, nós perdemos o essencial, e o essencial é a sustentabilidade. A nossa moção tem um traço muito forte de que o distrito de Setúbal preserve as suas potencialidades ambientais sem sacrificar a riqueza ambiental e a biodiversidade para as gerações vindouras. O nosso radical não é olhar para polémicas, o nosso radical é olhar caso a caso e perceber onde é que esse desenvolvimento teve preocupações de sustentabilidade e onde é que não teve.
Ainda recentemente, através dos deputados de Setúbal, numa exploração agrícola que se previa e que não obedecia aos critérios de sustentabilidade, o Partido Socialista teve uma posição de oposição. E também, há não muito tempo, num processo que ficou conhecido como as dragagens do Sado, o Partido Socialista deu o seu apoio a um projeto que era cuidado, que tinha preocupações ambientais, geológicas e até de preservação de património que foi encontrado durante essas dragagens. Eu dou estes dois exemplos porque o alarme criado em torno das duas foi colossal, mas, na verdade, eles eram muito diferentes.
A diferença do Partido Socialista para as outras forças políticas é que, ao contrário da CDU, nós não damos a nossa concordância em reuniões com investidores em privado para depois em público criticar e, ao contrário de outros partidos, como o PAN ou o Bloco de Esquerda, nós não criticamos tudo por criticar. Avaliamos caso a caso, se a sustentabilidade estiver garantida, pois bem, terão o nosso apoio. Se estiverem a pôr em causa aquilo que são as nossas riquezas para as gerações vindas, nós não permitiremos. Agora, não diabolizamos nem santificamos nada. O PSD tem uma visão acrítica em que cada euro deve ser sobrevalorizado, independentemente de sacrificar ou não sacrificar a sustentabilidade ambiental.
Sendo o Partido Socialista, é muito claro: é ver caso a caso onde é que este desenvolvimento foi feito com preocupação de sustentabilidade, e ter o nosso apoio; ou, se não o foi, ter a nossa oposição.
Mas, apesar de ter falado de forças políticas, nomeadamente do PAN e do Bloco de Esquerda, não considera que a existência de movimentos cívicos também dá alguma força a essas preocupações?
Depende. Eu já reuni, ao longo de 10 anos como deputado, com movimentos cívicos que fizeram totalmente a diferença e que protegeram o nosso território, e já falei com movimentos cívicos que não sustentavam em conhecimento as minhas preocupações. Eu sou político, tenho muito orgulho em ser político e, portanto, eu não me demito de fazer a minha análise. Eu também integro, em conjunto de organizações. Apesar de ser deputado, apesar de ser presidente da Assembleia Municipal do Barreiro e presidente da Federação Distrital, eu sou sócio de um conjunto de associações ambientais, e eu tenho muito respeito pelo trabalho, por exemplo, que a ZERO desenvolve. Os movimentos cívicos apresentam-se de maneiras diferentes.
Há movimentos cívicos que nos alertam e nos trazem conhecimentos sobre matérias e sem eles, se calhar, certos erros eram cometidos e eram irreversíveis. Há outros que operam nas redes sociais de forma menos informada. Eu acho que a obrigação de um político não é dizer “sim” a todo o movimento cívico, mas tem a obrigação de ouvir todo o movimento cívico, e depois agir tomando as suas decisões. Impressiono-me pouco, mas ouço muito. Eu ouço muito para perceber quem aporta conhecimento. Olhe, a primeira coisa que é logo importante é quando nós temos uma reunião com um movimento cívico, a forma como se apresentam. Normalmente, quem tem preocupações fundadas, tem muito conhecimento científico e partilham. Quem usa de causas ambientais para se autopromover, normalmente faz proclamações, mas não traz consigo conhecimento científico. Portanto, o que eu lhe respondo é assim. Depende mais do conhecimento científico do que do número de likes nas redes sociais.

Um outro tema que tem marcado a atualidade tem sido a imigração. Uma reportagem da SIC, de 8 de outubro, descobriu que “11 imigrantes vivem numa ‘barraca’ no Montijo num terreno ocupado ilegalmente por um português.” “Os imigrantes vivem numa casa, considerada uma ‘barraca’, com apenas uma casa de banho para mais de 10 pessoas. O espaço foi ocupado ilegalmente por um português que alugou a casa a uma agência que contrata imigrantes para a agricultura”.
Tendo em conta este tipo de situações, em que se junta a imigração ilegal com a escravatura e com a prática de agricultura intensiva, ao longo do distrito, qual é a estratégia do Partido Socialista não só para a integração de imigrantes, mas, também para combater a imigração ilegal e o tráfico humano?
Sobre a questão da imigração, o Partido Socialista tem pecado ao não ter uma mensagem clara sobre a imigração. Neste momento, os partidos em Portugal falam envergonhadamente deste fenómeno e têm que ter maior clareza. A posição sinistra, xenófoba, racista e odiosa do Chega é clara. Ela é deplorável, mas é clara. Os demais partidos – mas eu aqui falo do Partido Socialista, mas é um problema de todos os outros partidos -, é que não têm a suficiente clareza para falar sobre isto. Nós defendemos o espaço Schengen e a circulação de bens e serviços. Como humanista, eu não posso aceitar que quem aceita que mercadorias passem com liberdade, não aceite a liberdade, também, dos seres humanos em procurarem ser felizes e realizar o seu projeto de vida por todo o globo.
Agora, nós não podemos ignorar que quando nós triplicamos o número de imigrantes isso coloca uma pressão sobre os nossos serviços sociais. Nós não podemos ignorar que nós temos que ter capacidade de integrar as pessoas na nossa comunidade. Eu acho que é através da língua, antes de mais, na língua portuguesa, que é o património maior que nós temos, mas também de uma separação que o PS fez, e bem, entre casos de polícia e migrações, porque são coisas distintas, as redes de tráfego caem no plano criminal e as outras questões do asilo caem no plano da integração.
É muito importante que, ao nível das autarquias, existam políticas de integração das pessoas, que envolvam a língua, que envolvam a formação para a cidadania e o acolhimento em que as pessoas que nos procuram saibam como é que os nossos serviços públicos funcionam, como é que a nossa cultura funciona, como é que funciona a nossa língua.
O Presidente da Câmara Municipal de Lisboa [Carlos Moedas] mente quando diz que nós temos uma política de portas escancaradas, mas nós não podemos fingir que os problemas não existem, porque eles existem. Uma pessoa do espaço do socialismo democrático, que tem uma visão humanista sobre fluxos migratórios, tem que deixar um alerta. Estes fenómenos no mundo em convulsão não vão parar. Ou nós, que somos do espaço da democracia, temos uma resposta firme de integração, ou vamos criar um caldo onde as perceções de hoje se podem tornar em realidades amanhã.
Mas eu acho que é mesmo muito importante que haja uma ação local em que quem nos procura seja acolhido e seja envolvido. Porque se nós acolhermos e envolvermos as pessoas, elas vão estar mais ativas na cidadania, na cultura e na língua portuguesa e, portanto, constituirão uma enorme mais valia para nós na força de trabalho e também, obviamente, nos saldos da nossa segurança social, na arrecadação de impostos. Julgo que uma maior fiscalização e reforço dos meios das nossas forças de segurança, a aposta na nossa língua e no acolhimento para a cidadania e, simultaneamente, haver ao nível local também, uma ação. Quem pensa que erguer muros e fechar fronteiras resolve o problema, é demagogo ou não sabe do que está a falar.
Nós temos hoje em dia cem quilómetros de muros na Europa, um muro de Berlim tinha um centésimo dessa dimensão. Não podíamos, em 1990, celebrar a queda do muro, e agora levantar muros que não servem para nada. A única coisa que os muros criam é miséria, mas, se nós não tivermos clareza, eu acho que o Partido Socialista tem de ser mais claro e, nos programas autárquicos desde logo, ser mais claro na forma como quer acolher. Um ser humano bem acolhido e a quem é prestada informação sobre a língua e a cultura, terá maior potencialidade em se integrar, terá melhor potencialidade para ser uma parte pacífica e produtiva de um país.
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