Entrevista | André Martins (parte 3): “O estacionamento tarifado tem de obter, ou não pode pôr em causa, interesses das populações, e é nesse sentido que estamos a trabalhar”
Nesta parte, abordamos as preocupações levantadas para com o projeto da Marina de Setúbal e com a Herdade da Comenda, assim como o polémico contrato de concessão do estacionamento tarifado, ao qual André Martins recusa responder às críticas que lhe são dirigidas, afirmando que, apesar dos diferendos, há "abertura" por parte da DataRede para ultrapassar as divergências.
Esta é a terceira parte de uma entrevista dividida em cinco, realizada ao presidente da Câmara Municipal de Setúbal, André Martins.
Nesta parte, abordamos as preocupações levantadas para com o projeto da Marina de Setúbal e com a Herdade da Comenda, assim como o polémico contrato de concessão do estacionamento tarifado, ao qual André Martins recusa responder às críticas que lhe são dirigidas, afirmando que, apesar dos diferendos, há “abertura” por parte da DataRede para ultrapassar as divergências.
O projeto da Marina de Setúbal é algo que tem sido debatido e vastamente discutidos nos últimos anos. Foi revelado o relatório da consulta pública, por parte da CCDR Lisboa e Vale do Tejo, que registou 63% de contributos contra a construção da Marina. Entre as críticas, encontram-se preocupações sobre o impacto ambiental, e com a construção de um edifício de 15 andares, que “cria uma barreira permanente entre a cidade e o rio”, de acordo com a Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão. Concorda com as críticas?
Eu acho que houve aqui alguma precipitação na avaliação deste processo. Estamos a falar da avaliação do impacto ambiental, e depois, juntou-se a esse processo um projeto da construção em terra que identificava um edifício com 15 pisos. Isso levou, naturalmente, a uma preocupação de quem respondeu à consulta pública sobre esse ponto.
Eu creio que essa questão é uma questão que será tratada quando for elaborado um plano de pormenor para toda aquela zona envolvente à Marina, em terra. Naturalmente que o plano é um instrumento de ordenamento do território que tem discussão pública e nessa altura é importante que as pessoas, as organizações, se pronunciem sobre esse plano. Não era tanto agora que essa questão era fundamental, porque o que estava aqui em causa era de facto os impactos ambientais que a construção de uma Marina tem, tanto na parte marítima como na parte terrestre. Mas na parte terrestre é na área abrangida de influência para a intervenção.
Nós sabemos que o investimento numa Marina, o retorno desse investimento, não é tanto feito pela atividade da Marina, mas é através das construções que serão feitas em terra, que gerem atividade económica e que daí há de vir o maior retorno do investimento que implica a construção de uma Marina. Nós sabemos isso da experiência de outras situações. Por isso é que consideramos que na zona ribeirinha de Setúbal não se constrói aquilo que se quer.
Há de se construir de acordo com o plano de pormenor e há de ter em conta todas as características daquele território, e será depois, na discussão pública desse plano, que hão de resultar as soluções para garantir que o investimento da Marina tenha retorno através do investimento na construção e das atividades económicas que possam vir a ser desenvolvidas em terra. Portanto, é esta a questão.
Eu não estou muito preocupado com essas manifestações. Eu compreendo essas manifestações, mas não estou preocupado com elas porque as pessoas hão de ter a oportunidade de se virem a pronunciar sobre as propostas que depois forem apresentadas. Nessa altura, terá lugar a discussão pública e é aí que, ou é aprovado o plano de pormenor ou não é aprovado. É nessa altura. Não é agora.
Para nós o que era muito importante era que a Marina pudesse seguir os seus trâmites administrativos, de decisão, no sentido de podermos vir a ter esta oferta de desenvolvimento, da atratividade de Setúbal com a criação da Marina.
Mas há uma coisa que tem de ficar bem clara, pelo menos na minha posição: constrói-se a Marina, mas não é à custa de qualquer coisa. A Marina tem de ser construída e no território a cidade não tem de ser prejudicada por construir. Terão de ser criadas as condições na cidade para beneficiar da Marina e de toda a atividade que há de gerar, seja no plano de água, seja no plano da terra.
Mas acredita que algumas das preocupações que foram manifestadas em relação aos impactos ambientais na parte marítima, não são legítimas? Não só a questão daquilo que é a atividade económica gerada em terra, mas também a atividade económica gerada no mar e que pode ter impacto nos ecossistemas daquela zona?
Não há grandes impactos no que diz respeito à avaliação que eu fiz e no relatório que os serviços da Câmara Municipal elaboraram relativamente ao impacto ambiental na área marítima. Não foram detetados grandes impactos.
Houve recomendações que estão no relatório dos serviços municipais e que, naturalmente, devem ser consideradas, mas isso é normal quando há um empreendimento que tem impactos, que esses impactos e essas situações sejam estudadas, aprofundadas e ver a forma de reduzir os eventuais ou os potenciais impactos que essa intervenção, neste caso no meio hídrico, possa ter.
Mas isso é perfeitamente controlável com as tecnologias, e não indo além daquilo que são os impactos aceitáveis no meio hídrico e, portanto, não me parece de tudo aquilo que eu tive oportunidade e até do relatório e do parecer favorável que os serviços da Câmara Municipal deram ao projeto, que haja questões significativas que possam pôr em causa a construção da Marina.
Uma das questões que marcou os primeiros anos do seu mandato foi a questão da Herdade da Comenda, que terminou com a retirada das vedações ilegais, e com a assunção de competências gestão pela Câmara, num protocolo com a Agência Portuguesa do Ambiente, a 12 de maio de 2023. Considera que esta é uma questão encerrada?
Não, não está encerrada, até porque os serviços da Câmara Municipal e outras entidades também levantaram autos, e que a empresa entendeu levar este processo todo para o tribunal e, portanto, esses autos, essas penalizações que nós consideramos que deverão ser consideradas, neste momento, estão em tribunal. Aguardamos que os tribunais decidam sobre isso.
Aquilo que achámos que não era adequado à empresa ter desenvolvido foi tudo notificado, e aguardamos agora que os tribunais decidam sobre aquilo que foram as nossas propostas, as nossas notificações e as nossas penalizações.
Relativamente àquele espaço da Comenda, nós assumimos ali responsabilidades, recolocámos todos os equipamentos que são necessários para que a população melhor possa usufruir daquele espaço. Uma das questões foi que a empresa retirou de lá o investimento que a Câmara Municipal lá tinha feito e não o repôs, e isso é uma penalização que também há de ser considerada a seu tempo.
Mas neste momento a população pode usufruir daquele espaço, continuar a usufruir com o apoio da Câmara Municipal e da junta de freguesia da União de Freguesias que, em parceria com a Câmara Municipal, gere aquele espaço. A população pode voltar a utilizar aquele espaço, com as iniciativas que a Câmara Municipal entendeu tomar, e que tiveram um bom resultado, felizmente, a favor dos interesses da nossa população.
Uma das questões mais polémicas deste mandato tem sido a do estacionamento tarifado, que tem provocado críticas, e que resultou na entrada da Câmara em litígio com a DataRede. Em que estado se encontra a relação entre as duas entidades?
Desde logo, tenho afirmado que algumas das questões que este contrato contém são questões com as quais nós não concordamos e, por isso, nesse sentido, transmitimos à empresa essa nossa posição, e colocámos a questão de podermos encontrar caminhos para resolver esses problemas. A empresa nunca disse que não, mas também nunca tomou nenhuma iniciativa no sentido de podermos vir a ultrapassar essas dificuldades.
Por outro lado, também a empresa entendeu proceder de uma forma que não é adequada ao que está estabelecido no contrato e que, no nosso entendimento, penalizou as nossas populações. Por isso, nós tomamos as iniciativas de penalização da empresa e trouxemos até à reunião da Câmara, essas penalizações que foram aprovadas e seguiram os processos normais. Também há um processo em tribunal que a empresa entendeu promover e, portanto, essa parte devemos aguardar, se não houver alterações às decisões dos tribunais.
Agora, não ficámos parados porque achamos que é necessário encontrar soluções que não penalizem os setubalenses, antes pelo contrário, que com o estacionamento tarifado se possa viver melhor em Setúbal, numa gestão do espaço público que seja útil e possa ser utilizado de forma mais justa por todos, por quem tem os carros, por quem precisa de circular no espaço público, por quem precisa de ter espaço público para poder usufruir conforme os interesses das populações.
Neste sentido, nós também levámos à reunião da Câmara uma proposta no sentido de fazermos mais um forcing junto da empresa, apesar destes diferendos que estão identificados e que a empresa entendeu levantar um processo em tribunal. Havemos de acompanhar esse processo, mas, ao mesmo tempo, não ficámos parados, e levámos uma proposta à reunião da Câmara para se constituir uma equipa de trabalho com responsáveis da Câmara Municipal e da empresa, no sentido de equacionar todas as questões que estão identificadas e ver de que forma é que a cidade pode beneficiar e, também, que a empresa não seja penalizada nos termos do contrato relativamente às alterações que nós consideramos que têm de ser feitas.
Uma das alterações tem a ver com a redução da área de expansão do estacionamento tarifado. Isso é uma questão que nós fomos colocando à empresa, que nunca se manifestou contra, mas que, depois, nunca tomou iniciativa ou nunca se disponibilizou para tratarmos dessa matéria em termos concretos. Isso é um primeiro ponto.
O segundo ponto é que é necessário criar e alargar as bolsas de estacionamento tarifado dedicadas aos residentes, para que não sejam penalizados, porque o estacionamento tarifado só vem beneficiar os residentes e essa é uma questão que, para nós, é fundamental. Por isso, nós consideramos que é necessário alargar essas bolsas de estacionamento e, até, criar outras.
Por outro lado, nós também pensamos numa outra proposta, de criar mais áreas de estacionamento diário, com uma tarifa diária, para que as pessoas que queiram continuar a trazer o seu carro e a estacioná-lo na sua atividade, possam beneficiar de tarifas especiais e estacionar o seu carro durante o dia, em espaços dedicados e com preços de estacionamento mais adequados e mais justos.
Estas são as três grandes áreas que nós consideramos que é importante dialogar com a empresa, avaliar e fazer os acertos financeiros que são necessários e adequados fazer, nos termos do contrato que foi estabelecido. Como é óbvio, a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal aprovaram o contrato que hoje estamos a gerir. Podemos fazer as alterações, é isso que nós temos feito e procuramos fazer, mas o contrato tem de ser honrado. A Câmara Municipal e a Assembleia Municipal têm de ser consideradas pessoas de bem. Podemos não estar de acordo, hoje, com o contrato que foi estabelecido, mas temos de respeitar os compromissos que foram estabelecidos por entidades de administração que, à partida, têm de ser entidades de bem público.
O executivo tem sido acusado de negligência na execução do contrato, seja por parte da oposição, seja por parte de Maria das Dores Meira, que o acusa de ter feito parte do processo de negociação do atual contrato de concessão. Tem algum comentário a fazer sobre essas acusações?
Não. Eu acho que, aquilo que eu disse, é demonstrativo de que nós estamos atentos, de que há algumas coisas no contrato com as quais nós não concordamos, e isto é público. Nós estamos apostados em encontrar soluções que, de facto, venham a manter o estacionamento tarifado em Setúbal, porque assumimos é necessário, como acontece em várias cidades, por essa Europa fora. É necessário que haja justiça naquilo que é a necessidade e obrigação dos poderes públicos garantirem um uso público do espaço público. O número de carros é cada vez maior e, portanto, nós temos de tomar medidas no sentido de que todos possam usufruir do espaço público. Para isso, nós consideramos que é necessário haver estacionamento tarifado.
Agora, o estacionamento tarifado tem de obter, ou não pode pôr em causa, interesses das populações, e é nesse sentido que estamos a trabalhar. São processos que não são fáceis, mas estamos empenhados nisso. Estamos a trabalhar e temos confiança de que, a breve prazo, haverá resultados.
A empresa já respondeu ao nosso desafio de constituir um grupo de trabalho com as duas partes. Até já indicou os representantes para fazer parte, está alguma reunião marcada. Nós temos essa expetativa de, a breve prazo, virmos a encontrar um caminho que seja menos penalizador para o interesse das nossas populações, e que, também, o interesse público seja salvaguardado.
Considera que as críticas que lhe são dirigidas, quer pelo Partido Socialista e pelo PSD, quer por Maria das Dores Meira, são infundadas, de certa forma?
Eu não vou, agora, tratar dessa matéria porque são públicas nossas posições, e as nossas críticas relativamente ao contrato. Também são conhecidas estas propostas que eu aqui já referi. Nós pensamos que, se essas propostas forem aceitas pela empresa, naturalmente, nós acreditamos que, a partir daí, estão criadas as condições para termos uma gestão de espaço público mais adequada.
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