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Entrevista | André Martins (parte 2): “O território de Setúbal é um território muito atrativo também para o investimento”

Nesta parte, abordamos o aumento da Taxa de Gestão de Resíduos, considerada como sendo resultado da privatização da Amarsul, assim como os investimentos deste mandato, que André Martins considera como sendo uma "época de ouro".

Esta é a segunda parte de uma entrevista dividida em cinco, realizada ao presidente da Câmara Municipal de Setúbal, André Martins.

Nesta parte, abordamos o aumento da Taxa de Gestão de Resíduos, considerada como sendo resultado da privatização da Amarsul, assim como os investimentos deste mandato, que André Martins considera como sendo uma “época de ouro“.

Nos últimos anos, a Taxa de Gestão de Resíduos tem vindo a aumentar, o que tem provocado descontentamento por parte da população e da autarquia. Numa conferência de imprensa, realizada no passado dia 25 de novembro, com os presidentes das câmaras de Palmela, Sesimbra e Seixal, foi referido que o “principal objetivo” é a “reversão da privatização da Amarsul, passando de novo para gestão pública”. Acreditam que esta é a melhor maneira de lidar com o problema?

Nós temos uma experiência de uma empresa, a Amarsul, gerida por capitais públicos – 51% de do Estado e 49% das autarquias. Progressivamente, este sistema deu boa resposta àquilo que eram as necessidades das autarquias e, portanto, indo de encontro das necessidades no tratamento adequado dos resíduos sólidos urbanos.

Com a privatização da Amarsul, os problemas começaram a surgir e, neste momento, estamos numa situação que é completamente insustentável. Esta empresa privada que dirige a Amarsul tem única e simplesmente como objetivo a obtenção de lucro, e nós estamos a falar de tratamento de resíduos de solos urbanos, que são uma componente forte na qualidade de vida e da saúde pública.

Por isso não podemos tratar, no nosso entendimento, estas matérias como tratamos uma outra atividade económica qualquer. É fundamentalmente por esta forma da empresa atuar, e da visão que tem, que achamos necessário, urgente, encontrar uma nova solução para a gestão e o tratamento dos resíduos sólidos e orgânicos, e é por isso que nós reivindicamos, desde há muito tempo – mas que agora chegamos a uma situação de limite – a reversão da privatização e a passagem para uma empresa pública, ou em que o Estado continue a ter 51% do capital, ou então que entregue às autarquias, aos municípios aqui da Península de Setúbal e a gestão será feita, naturalmente, com a responsabilidade dos municípios, porque é insustentável esta situação.

Basta dar um exemplo: em 2019, os municípios pagavam à empresa 20 euros por tonelada depositada no sistema. Hoje, em 2024, nós pagamos 77 euros por cada tonelada. Os municípios não fazem o aumento aos munícipes da mesma forma que a empresa faz aos municípios. Mantemos uma tarifa aos munícipes, que consideramos que, embora sendo elevada, é uma tarifa média que consideramos adequada do ponto de vista social. Agora, há aqui um diferencial substancial em que as câmaras municipais assumem estes valores, que são incomportáveis nos orçamentos municipais e que se vai acumulando todos os anos e que tem tendência a crescer. Por isso é que nós dizemos que é insustentável esta situação.

Por outro lado, também consideramos que, em termos de política de ambiente, tem sido desastrosa no que diz respeito a esta questão dos resíduos sólidos urbanos. Nós assistimos àquelas campanhas dos 3Rs, da Redução, Reciclagem, Reutilização dos resíduos. Isso foi posto, praticamente, de parte, e nós consideramos que é necessário voltarmos a insistir nessa política dos 3Rs, que é uma política que leva a uma redução da produção de resíduos, e a que uma parte crescente dos resíduos sólidos urbanos, possam ser reciclados e que, até, uma outra parte possam ter de ser reutilizados. Desta forma, não deixam de ter um impacto tão grande nos custos e na penalização e, também, na qualidade do ambiente e da saúde pública.

Esta política foi abandonada pelos anteriores governos e o atual ainda não se manifestou sobre esta situação. O que nós consideramos é que é necessário que esta situação seja revista e, em termos de política, sejam seguidas estas orientações que são fundamentais. Por outro lado, nós verificamos que as autarquias é que pagam estes custos todos e os produtores dos resíduos, designadamente das embalagens, continuam a não contribuir para o sistema.

É necessário que os produtores das embalagens assumam a sua responsabilidade nas embalagens que produzem e põem no mercado, e que os munícipes adquirem, e que são os resíduos que depois têm custos no seu tratamento. É necessário que essas empresas que produzem resíduos, que encontrem soluções tecnológicas que sejam mais amigas do ambiente na produção das embalagens, para que o sistema seja menos penalizador, tanto do ponto de vista financeiro, como do ponto de vista ambiental. São estas as nossas reivindicações e é uma luta que nós vamos continuar a fazer, porque é preciso romper com esta política.

É que é verdade que as autarquias não fazem repercutir sobre os munícipes o valor da tarifa que nós pagamos à Amarsul. Mas o que é facto é que, quando a Câmara Municipal assume esse diferencial de custos, no final, o que acontece é que a Câmara Municipal, para pagar estes valores exorbitantes, não faz obra. No fundo, estamos todos a pagar, as autarquias e os próprios munícipes, as consequências desta política, e por isso é que nós dizemos que é necessário romper com esta política e encontrar novos caminhos para resolver estes problemas, que são problemas ambientais, mas são problemas também de saúde pública.

Portanto, nessa questão das empresas, principalmente das empresas que produzem embalagens, considera que aí o problema não está não só naquilo que é a gestão privada da Amarsul, mas também pode estar naquilo que são as políticas governamentais…

Sim, é isso mesmo. É que quando nós dizemos que foi abandonada a política dos 3Rs, é nisso que nós estamos a falar.

É necessário retomar essa política, fazer as campanhas de sensibilização e que aí, as empresas que produzem o resíduo, que depois vão para o mercado, que elas próprias contribuam financeiramente para o funcionamento deste sistema, no sentido de ser cada vez menos penalizador para os próprios munícipes.

Em vários momentos, o presidente tem considerado que Setúbal vive numa “época de ouro” em matéria de investimentos. Considera que um sentimento partilhado pela população?

Nós estamos a falar em termos de investimento privado e investimento público e, portanto, nós fazemos essa divulgação no sentido de transmitir às populações essa ideia que, de facto, Setúbal é um território atrativo e em que os poderes públicos – as autarquias -, têm uma possibilidade neste mandato 2021-2025 de fazer investimento público no nosso território, que é muito superior a todo o investimento público que já foi feito noutros mandatos. O maior investimento já alguma vez realizado desde o 25 de abril até hoje. Portanto, estamos a falar de investimento público.

Mas também no investimento privado, nos dados que temos – alguns são públicos, outros resultam dos projetos que estão em desenvolvimento aqui no nosso Departamento de Urbanismo – e que apontam, de facto, para investimentos privados que são muito superiores a outros tempos de grande investimento em Setúbal. Estes são, de facto, tempos de grande investimento privado, ou seja, que o território de Setúbal é um território muito atrativo também para o investimento.

É nesse sentido que eu digo, verificando o investimento público que hoje nós temos já assumido e orientado e, também, ao mesmo tempo, o investimento privado, cujas informações nos chegam, naturalmente afirmamos, sem qualquer dúvida, que estamos a atravessar um tempo extremamente importante e único em termos do investimento global no município de Setúbal.

Em relação a isso, gostaria de dividir a próxima pergunta em duas, ou seja, a questão do investimento público e a questão do investimento privado.

Vamos começar pelo investimento privado, que tem sido a notícia que tem marcado a atualidade. A Galp, no dia 26 de novembro, retirou-se do Projeto Aurora, projeto para a construção da refinaria do lítio aqui em Setúbal. Como é que vê este revés no projeto?

Nós sabemos que estes investimentos com grupos internacionais, por vezes, também em função das situações financeiras internacionais, têm destes problemas. O que acreditamos é que este projeto, que é um projeto do nosso tempo, de construção ou uma fase da preparação da produção de baterias elétricas, tem sido considerado como uma necessidade fundamental para alterarmos o consumo dos combustíveis fósseis. Investir na produção de baterias elétricas é um investimento do futuro.

Sendo assim, nós acreditámos que Setúbal, com este investimento,podia ter um passo muito importante para reforçar essa capacidade da produção de baterias. Sabemos como é que, do ponto de vista financeiro, estes grupos, por vezes, sofrem problemas nas suas relações internacionais.Houve este revés, em que uma das empresas do grupo que teve problemas financeiros. O que esperamos é que se recomponha a capacidade de investimento de um grupo, e que este projeto da refinaria, e até da produção de baterias elétricas, possa vir a ser um investimento futuro, que esse projeto continue e possa ser agarrado por outras empresas.

Isto são as situações que dependem, de facto, de relações financeiras internacionais e que estamos sujeitos a essas situações.

Ainda acredita que o projeto pode ir para a frente, mesmo sem esses parceiros?

Eu creio que o projeto surgiu, há condições para ele se desenvolver aqui em Setúbal e, portanto, com um outro grupo financeiro, com parceiros diferentes, que possa agarrar esse projeto, e que ele venha a ser desenvolvido aqui em Setúbal. Pensamos que era um bom contributo que Setúbal dava para esse objetivo de reduzir progressivamente o consumo de combustíveis fósseis, designadamente nos nossos carros.

Tem havido algum aumento do investimento público, mais especificamente em Gâmbia-Pontes-Alto da Guerra, nas infraestruturas de saneamento básico, que aliás também foi um pouco resultado de uma petição apresentada por moradores daquela região em 2022. Considera que um dos principais problemas dessa freguesia está a ser resolvida?

Sim, não tenho dúvidas nenhumas. Houve um compromisso deste executivo levar para a frente a resolução daquele problema do saneamento ali naquela zona das Pontes, e esse compromisso tem estado a ser cumprido. Naturalmente com atrasos, com dificuldades que são explicáveis, mas o compromisso está assumido e esta transformação vai acontecer.

Eu falei, na altura, nas reuniões que eu tive com a população, que a anterior empresa que tinha a responsabilidade do saneamento respondeu mesmo por escrito à Câmara Municipal a dizer que aquele investimento não era prioritário para a empresa. Portanto, a partir do momento em que nós decidimos municipalizar, digamos assim, a gestão da água e do saneamento, nós tínhamos condições para assumir essa responsabilidade, que aquilo seria uma prioridade.

Considera que as Águas do Sado foram um entrave para esse projeto?

Sem dúvida nenhuma, isso está escrito numa insistência que a Câmara Municipal fez junto da empresa e em que a empresa respondeu a dizer que aquela não era uma prioridade. Eu tive a oportunidade de mostrar o ofício na altura.

Foi no início deste mandato que nós assumimos esse compromisso, e como sabíamos que os Serviços Municipalizados só entrariam em funcionamento no início de 2023, nós assumimos – nós Câmara Municipal -, a responsabilidade da primeira fase da intervenção. Foram cerca 160 mil euros que a Câmara Municipal disponibilizou para fazer a primeira fase da intervenção.

Os Serviços Municipalizados instalaram-se, e nós sabemos que isso tem as suas dificuldades, mas, neste momento. o que está a acontecer é que há um projeto de uma obra para continuar aquela intervenção, do valor de 1 milhão e 200 mil euros, que está para visto do Tribunal de Contas. Logo que tenham visto, a obra será reativada e continuada.

Está em curso todo o processo financeiro de decisão que. neste caso. está em apreciação do Tribunal de Contas. Isto é a administração pública, nós temos de cumprir as regras e as leis da administração pública e, portanto, neste momento, os Serviços Municipalizados têm um projeto, uma intervenção de 1 milhão e 200 mil euros, que o processo está para vista do Tribunal de Contas.

A partir do momento em que haja o visto do Tribunal de Contas, a obra será retomada e, portanto, o compromisso que nós estabelecemos com aquelas populações, vai continuar e esperemos que, no final do mandato, a obra esteja em fase final já da execução.

O túnel da Figueirinha encontra-se encerrado desde 2023, sem previsão para a sua reabertura. Qual o ponto da situação?

Nós tivemos reuniões logo quando os nossos serviços da Proteção Civil detetaram aquela situação. Fizemos reuniões com os serviços competentes da Administração Central e também da empresa, da Secil, no sentido de ver quais as medidas que nós deveríamos tomar para resolver aquela situação.

É uma situação de grande risco e, por isso, nós tomámos de imediato a decisão de encerrar aquele troço na circulação da estrada.

Depois, tivemos reuniões com o anterior governo, com o Ministério do Ambiente. Pedimos, na altura, o apoio da Secil junto das empresas da especialidade com quem a Secil trabalha, para elaborar um primeiro estudo que permitisse ter um valor base para lançarmos um procedimento, para se fazer um estudo aprofundado da situação.

Em outubro de 2023, enviámos esses documentos ao Ministério do Ambiente e só tivemos uma primeira resposta já em março de 2024, praticamente na mudança do governo; ou seja, o anterior governo não fez nada sobre este assunto. Entretanto, já com este governo, pedimos uma reunião ao Ministério, depois a Senhora Ministra do Ambiente visitou ali a Serra da Arrábida e as praias e, entretanto, tivemos já uma reunião lá no Ministério com o Senhor Secretário de Estado, onde estiveram as várias entidades que podem intervir nesta matéria. O que ficou visto foi que há um dos serviços do Ministério que ficou de elaborar os termos de referência para lançar o procedimento público para fazer o estudo. O estudo é um documento que é necessário fazer para saber qual é a área de intervenção e que meios utilizar para resolver aquele problema.

É preciso nós compreendermos que estamos a falar de um volume rochoso que tem mil toneladas, que fica a cerca de 80 metros de altitude e que qualquer intervenção que seja feita para resolver este problema, se não for devidamente ponderada, e recorrendo a todas as tecnologias disponíveis, pode resultar numa situação profundamente desastrosa na destruição das infraestruturas, da estrada e de tudo aquilo, porque uma rocha com mil toneladas, a vir com 80 metros numa ravina, pode obstruir com milhares de toneladas de terra e de rochas a cair em cima da estrada e das infraestruturas que ali estão.

São coisas que têm de ser muito bem ponderadas. Essa entidade do Ministério do Ambiente ficou de elaborar os termos de referência e, portanto, isso já foi feito. A Secil ficou de apresentar esse documento depois como uma proposta ao Ministério do Ambiente, no sentido de se adjudicar e contratar uma empresa da especialidade que possa fazer este estudo, nomeadamente qual é a dimensão da intervenção, e que meios utilizar para que a intervenção tenha o menos impacto possível naquele território.

A proposta está no Ministério do Ambiente, e aguardamos que rapidamente este processo possa ser desencadeado para fazer este estudo. Só depois é que se poderá avançar para a contratação de uma empresa ou de um grupo empresarial que possa fazer a intervenção em si. É por isso que nós dizemos que não podemos dizer que daqui por um ano aquela situação estará resolvida. Primeiro temos de avaliar as condições técnicas e tecnológicas da intervenção para depois se fazer esta intervenção com o menor impacto possível.

Nós estamos a falar de um Parque Natural, estamos a falar de infraestruturas que são muito importantes no nosso território. Por isso, estamos a falar de um processo que é complexo, mas que do nosso ponto de vista, se o anterior governo tivesse sido mais célere, já estaríamos muito mais avançados.


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