Desânimo e Insegurança: A evolução do “abandono” da Baixa de Setúbal
Espaços históricos a fechar, e medo em ter a porta aberta. A Baixa da cidade já não é o que era.
Nos últimos anos, várias lojas icónicas de Setúbal têm fechado. Os comerciantes, manifestando uma sensação de insegurança, são forçados a terminar os horários mais cedo e a colar cartazes de 50% a 70% de desconto nas montras ao longo do ano, de forma a contornar a falta de clientes.
Marina e Adébia são proprietárias de uma loja de roupas e objetos usados na Baixa de Setúbal. Abriram a loja “Boa Opção” recentemente, depois de um negócio de mercearia que não vingou. Os cartazes afixados em quase todas as montras nas ruas da Baixa não mentem: os negócios estão a passar por momentos difíceis.
A “cidade está abandonada“, reflete Marina. A clientela é variada, mas escassa, grande parte das pessoas entra na loja de manhã cedo ou ao final do dia, quando o tempo de verão arrefece e os mais velhos saem de casa.
As lojistas queixam-se da falta de condições das infraestruturas e denunciam a atribuição da responsabilidade aos comerciantes: “A Câmara quer que os lojistas interfiram nas mudanças“, desabafa. “Até as decorações nos corredores da Baixa foram os lojistas que tiveram de fazer“.
Se no verão sofre-se com o calor, já nos piores dias de inverno é usual, em situações de intempérie, que a Avenida Luísa Todi seja inundada pelas chuvas, como confirmou o Comando Sub-Regional da Proteção Civil de Setúbal ao jornal Notícias ao Minuto.
“Não houve investimento nenhum“, explica Marina, acrescentando que desconhece a existência de apoios da Câmara para as infraestruturas da Baixa.
A segurança mantém-se bem posicionada na lista de preocupações. “Fomos assaltadas duas vezes“, explicam. Na primeira, três rapazes “arrombaram a porta para pegar uma garrafa de vinho“. Da última vez, a porta foi arrombada só para levar “umas moedas”, “nada de valor“.
Além da falta de estacionamento e as condições das infraestruturas, as lojistas acreditam que o centro comercial Alegro Montijo desviou grande parte da atenção do comércio local, cujas condições são “muito superiores” às da Baixa.
“O Alegro tem Wi-Fi gratuito, ar condicionado, parques de estacionamento. É natural que as pessoas prefiram ir para lá, mesmo que seja só para ficarem sentadas na esplanada“, argumentam.
O sentimento de insegurança é comum
O Café Bodega, situado numa pequena rua junto à Avenida Luísa Todi, foi assaltado às 10h30, em fevereiro de 2023. Segundo declarações da época, a comerciante foi obrigada pelos assaltantes a encostar-se a uma parede. A PSP informou que esse foi o quarto assalto naquela semana na cidade e considerou a possibilidade dos crimes estarem relacionados.
No dia 7 de julho deste verão, dois homens assaltaram à mão armada mais um café em Setúbal. De acordo com a PJ e uma reportagem da SIC, os assaltantes levaram “todo o dinheiro” que estava na caixa, “que seria de três dias“.
Projetos
Nos dias 29 e 30 de setembro de 2023, a Feira Outlet promoveu descontos, horários alargados, música, dança, atividades e concertos ao ar livre com entrada gratuita. A 12.ª edição deste evento, que se realizou nos dias 30 e 31 de agosto deste ano, voltou a trazer momentos musicais, para além de incentivar os comerciantes a adotarem horários mais alargados (22h) e a promover grandes descontos.
Já o evento “Abraça a Baixa” da Associação Riscas Vadias visa dinamizar a Baixa setubalense através da decoração das ruas e das infraestruturas.
O projeto iniciado por uma comerciante local, faz parte da Associação Riscas Vadias e promoveu, no último Natal a oferta de prémios a quem fez compras na Baixa de Setúbal. Aderiram 71 lojas, e os clientes habilitaram-se a ganhar prémios como viagens, jantares, cabazes, um brunch, massagens e bolos-rei.
Os cupões de participação foram inseridos numa tômbola no Largo da Misericórdia, e verificados com o talão da compra.
Já na manhã de 21 de setembro, cerca de 200 pessoas reuniram-se para pintar calçadas em lugares históricos da cidade, uma iniciativa do grupo de Facebook “Our Setúbal Community”.
Segundo a Associação Riscas Vadias, a Câmara Municipal apoia apenas “na logística das montagens“. Até ao momento, a autarquia não revelou os projetos que tem em mente para revitalizar a Baixa de Setúbal.
O que fazem as outras cidades?
Nos últimos anos, vários têm sido os municípios que têm apostado no apoio ao comércio local, não só para ultrapassar a crise, mas também para manterem vivas lojas históricas, cuja existência, por vezes, faz parte do imaginário coletivo da cidade.
Um dos melhores exemplos vem do Porto, com o programa “Porto de Tradição“, que conta com 112 lojas tradicionais reconhecidas, no âmbito do apoio, cujos requisitos para aderir incluem a longevidade, a continuidade, a produção, a viabilidade econômico-financeira, entre outros. Entre 2019 e 2023, o programa já contava com um investimento superior a 1,2 milhões de euros, e a recuperação de 105 lojas.
Noutros concelhos do país, também têm surgido iniciativas inovadoras de empreendedores, alguns deles jovens, para ultrapassar a crise no setor e fazer regressar os consumidores às baixas. Em Setúbal, um dos melhores exemplos é a loja “Gramas a Granel“, surgida no bairro de Troino, e com uma loja na Praça de Bocage. Nesta loja, é recuperada a antiga tradição da compra de produtos a granel, para permitir o consumo de produtos biológicos e vegan, à medida do consumidor. O projeto venceu, em 2023, o prémio ambiental, na Mostra Nacional de Jovens Empreendedores, pela inovação das suas práticas.
Turismo ajuda?
A casa Confecções Alves estava em trespasse no último mês. Uma das lojas mais antigas de Setúbal, o proprietário não conseguiu recuperar dos efeitos da pandemia do Covid-19. Sérgio Alves, de 77 anos, afirmou em declarações à New in Setúbal: “O universo é cíclico; nasce, morre e renova-se. Cheguei a essa conclusão. Não tenho forças para continuar e reconheço que chegou o momento.”
Uns passos mais adiante, na loja Palloram Confecções, fundada em 1936, Rui José é o único empregado atrás do balcão. Olhando para o passado, Rui lamenta a transformação da Baixa da cidade: “Antigamente não havia grades, mas agora está tudo cheio de grades! Eu trabalhava até à 1 da manhã, e agora, nem que me pagassem, faria isso.”
Sobre as mudanças no horário de funcionamento das lojas: “Antes, as lojas ficavam abertas com as luzes acesas até tarde; agora, fecham às 19h, e isto fica um deserto.”
Antes dos “centros comerciais“, as ruas eram “muito mais movimentadas” e as pessoas vinham por necessidade
Apesar do aumentos do turismo na cidade, a procura pelo comércio local não aumentou: “Não entram cá turistas nenhuns”. Apesar do número de turistas “Se entrar um na loja por mês já era bom!”.
A loja Palloram tinha rés-de-chão e 1º andar, “com alguns 14 ou 15 empregados”, agora nem empregado tem, é apenas a dona a única empregada oficial da loja.
E o que sobrevive?
A Sopeirinha, uma icónica casa de Setúbal fundada em 1937, fechou suas portas durante a pandemia. No seu lugar surgiu o The Coffee, uma empresa de café de especialidade, inspirado no estilo japonês “grab and go“, mais moderno, onde os clientes podem fazer seus pedidos e consultar o menu por meio de um tablet.
A cadeia 100 Montaditos também tem tido sucesso entre os cleintes. Na sua maioria, os novos negócios da famosa Baixa de Setúbal são principalmente estabelecimentos ligados à restauração, como bares, restaurantes e espaços de Alojamento Local.
Sem conseguirem contornar a escassez da procura, várias das casas mais antigas de Setúbal foram deixando de existir. Apesar do esforço e da entreajuda dos comerciantes, a Baixa de Setúbal continua a perder os seus espaços mais antigos, que, sem forma de contornar a falta negócio, são levados a dar a vez a novos projetos, trancando a porta pela última vez.
Jornalistas: Tiago Martins | Ricardo Cruz Reis
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