Centro Comunitário de Arrentela: ‘Ajudamos as pessoas a crescer a nível pessoal e profissional’
Unir uma comunidade através da gastronomia, do teatro, da música, da costura e mesmo em passeios pela Área Metropolitana de Lisboa, tem sido o objectivo do Centro Comunitário ‘Várias Culturas, uma só Vida’, do Centro Paroquial de Arrentela, no Seixal, em quase trinta anos de existência.
“Trabalhamos para a comunidade da Arrentela, que ainda é uma zona com grandes vulnerabilidades e fragilidades socioeconómicas” explica Mónica Lopes, coordenadora da equipa interdisciplinar de oito elementos, que dinamiza este projecto tutelado actualmente pela Segurança Social.
“No entanto, não queremos ser um centro comunitário virado apenas para os ‘pobrezinhos’, e por isso temos entre os nossos utentes pessoa que já trabalham, outros à procura de emprego, beneficiários do rendimento social de inserção ou de apoio social.
Somos uma porta aberta, onde a comunidade pode participar em qualquer um dos nossos ateliers que, além de os ocupar durante um período de tempo, tem também como objectivo dar-lhes os instrumentos para se autonomizem.”
Exemplo disso são os ateliers ‘Oficina de Linhas e Agulhas’ e o Atelier de costura digital, “que foram muito procurados. No primeiro, está a ser desenvolvido um projecto virado para a reciclagem de roupa, ‘Transforme o Velho em Novo’, que irá culminar com um desfile de moda; e no segundo tivemos, durante três meses, aulas com um professor da Associação RATO, em que associámos a costura à informática, trabalhando em tablets”.
Agora preparam um novo projecto. “Há cerca de um mês lançámos o desafio à comunidade para criarmos um coro comunitário, dinamizado pela nossa educadora social que também é cantora lírica, uma ideia que agarraram de imediato.”
‘Várias Culturas, uma só Vida’
Numa localidade onde residem centenas de pessoas de vários países e culturas, faz sentido uni-las através de algo que sempre uniu os povos: a gastronomia.
“Quinzenalmente temos a Oficina de Gastronomia ‘Paladares da Terra’, com pessoas dos PALOP e do Brasil que usam a cozinha comunitária da Associação Dá-me a Tua Mão (que é nossa vizinha no espaço), e onde as cozinheiras têm a possibilidade de preparar pratos dos seus países e do mundo.
Este projecto nasceu de uma ideia da Educadora Social, falámos com as nossas utentes e elas agarraram logo esta ideia.
Isto permitiu-nos também estar presentes no Encontro Intercultural Saberes e Sabores, a convite da Câmara Municipal do Seixal, onde participámos levando a representação de Angola, do Brasil com a feijoada, e de São Tomé, com os pastéis de atum.
Neste evento, como em outros, procuramos sempre que todos participem, para que sejam reconhecidos pelo seu trabalho, e também porque é mais uma forma de dignificar estas pessoas.”
Da gastronomia à arte, outro dos projectos com enorme sucesso é o ‘Teatrar’, “outra ideia que partiu de uma das nossas monitoras, que também está ligada ao teatro. Contámos também com um professor voluntário, ligado à Animateatro, que nos ajudou nesta odisseia que culminou na apresentação da peça ‘A Rainha das Calças Largas’ no Independente Futebol Clube Torrense.
Este projecto foi algo de ‘estrondoso’ relativamente à transformação das pessoas e ao reconhecimento do seu trabalho árduo e por isso queremos dar-lhe continuidade, e os participantes já estão ansiosos para que chegue setembro, para voltarem ao palco.
Queremos que esta peça se mantenha em cena, ainda não sei bem onde, até poderá ser no teatro São Carlos.
E embora diga isto um pouco a brincar, é algo em que também acredito, porque quando levamos as pessoas a ver e sentir o melhor que existe, tal leva-as a almejar alcançarem esse melhor.”
É com esse fim que o Centro Comunitário tem este ano um novo plano de acção, que inclui visitas a museus ou centros culturais. “Não queremos ficar apenas pelo que há a nível local, porque já explorámos quase tudo, mas ir a níveis mais altos, como o Centro Cultural de Belém ou a Gulbenkien.
Não podemos ficar só pelo básico, o que seria mais fácil, embora todo este desafio nos obrigue a pensar em dobro. Mas também nos dá resultados muito positivos.”
Ainda no campo da arte, todas as quartas-feiras o projecto ‘Girassol – Inclusão pela Arte’, em parceria com a Câmara Municipal do Seixal e a União de Freguesias de Seixal, Arrentela e Aldeia de Paio Pires, proporciona visitas e actividades na Oficina Manuel Cargaleiro.
Ateliers de dança, aulas de música duas vezes por semana com um professor voluntário, ateliers para jovens durante o Verão, leitura em roda, jogos de tabuleiro, e passeios e visitas, complementam a oferta à comunidade.
Centro Comunitário fora de portas
O Centro Comunitário também sai do seu espaço físico, e para tal conta com os projectos ‘Carris Natura’ e ‘Carris connosco’, “cujo nome não significa que sejamos patrocinados pela empresa, mas é uma ligação aos carris de comboios” explica Mónica Lopes.
“Como muitos dos nossos utentes têm o passe Navegante, levámo-los a usufruir de todas as potencialidades que este lhes dá, para descobrirem o que há fora da sua localidade de residência.
Constatámos que quase todos usavam o passe apenas para as deslocações ao Centro de Saúde ou ao Centro de Emprego, mas uma vez que este abrange toda a Área Metropolitana de Lisboa, pode ser usado para ir mais longe. E embora daqui se aviste Lisboa, muitos dos nossos utentes nunca tinham ido lá, pelo que esse foi o nosso primeiro passeio.”
Mensalmente, um grupo de catorze pessoas visita cidades da Área Metropolitana de Lisboa, “e já fomos a Sintra, Setúbal, Mafra e Palmela. Este foi também um feedback que tivemos da comunidade e posso dizer que tem sido um êxito, porque temos sempre as inscrições esgotadas.
Nesses passeios procuramos aproveitar uma oferta gastronómica local, visitar algum património ou usufruir de actividades disponíveis nesse concelho.
O objectivo é também que as pessoas ganhem alguma autonomia e até façam estas viagens sozinhos ou em grupos e assim possam usufruir plenamente do passe.”
Organizam ainda excursões a outros pontos do país, “como Coimbra, onde iremos em Setembro”, e também colónias de férias para adultos.
“Durante uma semana inteira fomos à praia de Sesimbra, algo que para muitas pessoas foi uma primeira vez e tudo correu muito bem.”
O balanço tem sido “muito positivo. Todo este trabalho parece muita coisa, e no fundo até é, mas o principal para esta equipa é que as pessoas larguem um pouco o seu espaço de conforto, que não estejam sempre enfiadas em casa, e assim se combatam também as questões ligadas à saúde mental.
Por outro lado, trabalhamos a autonomização das pessoas, sobretudo nas questões do emprego, e acho que estamos a conseguir alcançar esses resultados, o que leva a que este Centro Comunitário não seja meramente lúdico, mas que tenha uma componente didáctica fortíssima e ajude as pessoas a crescer na sua vida pessoal e profissional.”
Espaço Comunidade
É essa componente didáctica que oferece o Espaço Comunidade, através do qual a população da Arrentela tem acesso a consultas de psicologia e a equipamentos informáticos com acesso à Internet, jornais online, ofertas de emprego, apoio na elaboração de currículos, apoio a candidaturas a emprego, impressão de Curriculum Vitae, e ainda acesso a utilização de telefone para responder a ofertas de emprego.
“Outras das vertentes que temos agora é o projecto ‘Emprega-te’, virado para o emprego público, que tem dado muitos resultados. Queremos quebrar o ciclo do emprego precário, que por vezes é fácil para estas pessoas obter, mas que não dá resposta às necessidades da sua vida.
Com o ‘Emprega-te’ temos uma bolsa de recrutamento e procuramos concursos públicos que podem servir aos nossos utentes. Trabalhamos com elas todo o processo, com treino de entrevistas de emprego, fase dos psicotécnicos, e tem dado um bom resultado.”
Apoio a cerca de três mil pessoas
Em relação ao número de utentes, Mónica Lopes frisa que “é necessário dividir um pouco pelas várias vertentes do Centro Comunitário, isto porque temos o Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas (PO APMC), através do qual apoiamos cerca de 400 pessoas, de 65 agregados familiares.
Depois temos o GIP – Gabinete de Inserção Profissional, assegurado pela psicóloga e em parceria com o Centro de Emprego e Formação do Seixal, a que se juntam os utentes dos vários ateliers, com uma média de vinte a trinta pessoas por actividade. Não temos grupos específicos por idades, antes trabalhamos com as famílias. Somando tudo, posso dizer que são cerca de 3000 mil pessoas.”
No entanto considera “um pouco difícil quantificarmos o trabalho que realizamos, porque tudo o que se faz aqui tem um impacto na vida das pessoas que não é quantificável.
Mas muitas vezes o que nos pedem são números, e isso preocupa-me, porque há muita coisa que não se mede, como o bem-estar destas pessoas, o seu feedback e aquilo que nos pedem.
Podíamos ter apenas dez pessoas, desde que o nosso trabalho fizesse uma diferença na sua vida, para nós estava óptimo. Este é o nosso ‘combustível’ para continuarmos.”
Para desenvolver estes projectos é essencial uma boa estrutura, assente na equipa que Mónica Lopes enaltece.
“É um grupo fantástico, que se encontra muito motivado e concertado com os objectivos do Centro Comunitário, e por serem de vertentes profissionais diversas, acabam por dar os seus contributos diferenciados. Tenho a sorte de contar com pessoas muito criativas, e tento aproveitar todas as suas aptidões.”
A equipa dirigida por Mónica Lopes, técnica superior de Educação Social, conta ainda com uma educadora social, duas animadoras socioculturais, uma psicóloga clínica e três monitoras de apoio à comunidade.
O trabalho do Centro Comunitário – Centro Paroquial de Arrentela é também reconhecido internacionalmente, com o convite por parte do Fundo Social Europeu desde 2019 “para estarmos presentes nos Communities of Practice (CoPs), enquanto representantes de Portugal.
São encontros que se realizam anualmente, onde apresentamos o que fazemos em termos de intervenção comunitária, de serviço de atendimento e ação social.
Este foi um enorme salto qualitativo que demos, porque aprendemos imenso com todas as experiências europeias e é um motivo de orgulho estar presentes nestes congressos internacionais.”
Desafios do passado e olhos postos no futuro
Em trinta anos, muitos foram os desafios, “mas o maior foi, sem dúvida, conquistar esta comunidade e dignificar as pessoas” frisa Mónica Lopes.
“Como já disse, trata-se de uma localidade associada aos pobrezinhos e às assistentes sociais, o que criava alguma desconfiança relativamente ao apoio social. É essa imagem que temos, ao longo destes anos, tentado desconstruir.
Por outro lado, temos de educar as pessoas para a cidadania, de que a vida não é gratuita, e para tal, quando realizamos um passeio, há um custo associado, mas isso também dá dignidade a quem participa, mas nunca ninguém deixa de ir por falta de dinheiro.
É preciso que percebam que não estamos cá só para os pobrezinhos, mas que este é um espaço para toda a comunidade.”
Este esforço é feito diariamente, e também há períodos menos fáceis. “Já tem acontecido termos alturas em que não aparece ninguém, o que nos deixa logo em alerta, mas também nos obriga a parar e repensar no que se está a fazer bem ou mal.”
No apoio a este trabalho contam com várias “parcerias informais, com a Câmara Municipal do Seixal e com a União de Freguesias de Seixal, Arrentela e Aldeia de Paio Pires, na pessoa da presidente que tem abraçado os nossos projectos, entidades que nunca nos fecham as portas.
Depois temos parcerias com a Associação Rato, na área da tecnologia e informática, os nossos vizinhos da AMUCIP – Associação de Mulheres Ciganas Portuguesas, outros centros comunitários do concelho, o IEFP, a Cruz Vermelha – Delegação Foz do Tejo, a Cáritas Paroquial da Arrentela, e a Associação Dá-me a tua Mão, que partilham o espaço connosco, e estamos sempre disponíveis para fazer parcerias com outras entidades.”
Agora, preparam o futuro, que passa “por fazer uma assembleia geral com os utentes, porque um ano após a transferência de competências e as novas actividades, queremos saber o que pensam, que balanço fazem do nosso trabalho e o que podemos fazer mais, bem como o impacto que temos tido na sua vida.”
ÚLTIMA HORA! O seu Diário do Distrito acabou de chegar com um canal no whatsapp
Sabia que o Diário do Distrito também já está no Telegram? Subscreva o canal.
Já viu os nossos novos vídeos/reportagens em parceria com a CNN no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Siga-nos na nossa página no Facebook! Veja os diretos que realizamos no seu distrito