País

Cabras, canhotos e pão por Deus

Nos últimos dias praticamente todos os estabelecimentos comerciais exibem abóboras decoradas e imagens arrepiantes, tentando recriar um ambiente de terror, assinalando assim a aproximação da celebração americana do Halloween.

Mas será esta uma importação americana ou um retorno de celebrações do Velho Mundo?

Por toda a Europa há registos de festas que assinalam o início do Inverno, entre elas a Festa da Cabra e do Canhoto, em Cidões, Trás-os-Montes.

Estas serão reminiscências celtas em que se acredita que o ano se dividia em estação da noite (e do frio) e estação do dia (e do calor) e o último dia de Outubro registava assim o final da época das colheitas e o início da época em que a natureza morre, só voltando a renascer após o Carnaval, e daí nascendo também a celebração dos Fieis Defuntos.

Voltemos à Festa da Cabra e do Canhoto, que manda queimar o dito, ou seja, um grande cavaco, numa fogueira gigante, que será aproveitada para assar a cabra, símbolo do demoníaco na época cristã, mas que no tempo dos celtas representava o lado masculino da Natureza.

E então o pedir doces pelas portas, o ‘doce ou travessura’?

Mais uma vez, uma velha tradição portuguesa, que ainda hoje se recupera em algumas zonas, de pedir o «pão por Deus» no dia 1 de Novembro, também Dia de Todos os Santos ou Dia dos Bolinhos, mercê da oferta do Santoro, um bolo doce que os padrinhos davam aos afilhados.

Eram as crianças que batiam às portas, recitando versos, em bandos, enchendo os sacos de pano (talegos no Alentejo), com pão, broas, bolos, romãs e frutos secos, nozes, amêndoas, ou castanhas. Mais recentemente, essas ofertas passaram a ser de rebuçados e chocolates.

São muitas as localidades nos arredores de Lisboa que ainda mantêm a tradição, e no distrito de Setúbal, é a freguesia de Azoia, Sesimbra, que dinamiza através da igreja, a continuação de uma tradição que terá nascido após o terramoto de 1755 (ocorrido a 1 de Novembro) e que levou muitos dos sobreviventes a pedir ‘pão-por-deus’ nas localidades que não tinham sofrido danos.

Nas décadas de 60 e 70, por imposição da ditadura do Estado Novo, o Pão Por Deus só podia ser pedido por crianças, menores de 10 anos e, apenas, até ao meio dia.

São vários os versos para pedir o pão por deus:

“Pão, pão por deus à mangarola,/ encham-me o saco,/e vou-me embora.”

“Bolinhos e bolinhós/Para mim e para vós./Para dar aos finados/Qu’estão mortos, enterrados./À porta da bela cruz/Truz! Truz! Truz!/ A senhora que está lá dentro/Assentada num banquinho./Faz favor de s’alevantar/P’ra vir dar um tostãozinho.”

 

Em agradecimento o verso dita que:

“Esta casa cheira a broa/Aqui mora gente boa./Esta casa cheira a vinho/Aqui mora algum santinho”.

Já a quem lhes recusa o pão-por-deus roga-se uma praga em verso:

“O gorgulho gorgulhote, lhe dê no pote/e lhe não deixe/ farelo nem farelote.”

“Esta casa cheira a alho/Aqui mora algum espantalho./Esta casa cheira a unto/Aqui mora algum defunto”.


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