Opinião

Bullying no Parlamento

Um artigo de opinião de Paulo Edson Cunha

Confesso que nunca imaginei assistir em pleno hemiciclo a uma cena como àquela a que assisti na passada sexta-feira – de autêntico bullying sobre um colega meu, ainda que, a palavra colega, neste caso, como vão perceber, até a mim me deixa incomodado.

Há várias perspetivas nesta história. A primeira é a da presunção de inocência. Mas atenção, a presunção de inocência que todos os cidadãos gozam até condenação transitada em julgado, revela-se apenas a imputarmos determinado crime a alguém, sem essa pessoa ainda ter sido condenada, não a imputarmos uma conduta que consideremos errada, onde o cidadão até pode ser absolvido – por questões formais ou por falta de prova, mas que saibamos ou não concordemos com essa conduta à mesma.

Imaginemos que neste caso, não se consegue fazer a prova, por qualquer imperativo legal que não importa para o caso, mas que não ficam dúvidas de que aconteceu o facto, logo, só porque a pessoa não foi judicialmente condenada, nós não podemos condenar a sua conduta social? Claro que podemos.

Aliás, para perceberem o meu ponto de vista, tivemos um caso mediático, que foi o apito dourado, onde os áudios não deixavam dúvidas (e aí ainda não havia inteligência artificial para se desculpar) e por questões meramente formais (ilegalidade da prova) ninguém foi condenado. Ainda assim, nós pudemos e podemos condenar tais práticas que sabemos que existiram. Não podemos é dizer que os cidadãos em causa cometeram o crime, porque infelizmente não foram condenados.

E daquilo que já veio a público do deputado Miguel Arruda, não pode deixar de me merecer, a mim, como a todos nós, uma forte condenação. Não lhe estou a imputar a tal culpabilidade penal, mas sim a social, moral, de uma conduta com a qual não me identifico e, confesso, até me envergonha.

Todos tivemos acesso aos factos, assim como à própria versão do visado e, reconheçamos, já formámos um juízo de condenação moral, pelo menos, deixando à justiça o que é da justiça.

Mas, uma coisa é eu condenar uma conduta de outro cidadão e até ter o direito de não querer socializar com ele, outro bem diferente, é impedi-lo de se sentar ao nosso lado ou impedir que colegas nossos se sentem ao lado dele, isto se institucionalmente ele tiver esse direito. E tinha, enquanto deputado independente e ainda nem sequer arguido.

Também ninguém duvida que o deputado devia ter, no mínimo, suspendido o mandato de deputado e ir tratar da sua defesa, mas não foi essa a sua opção e, ao fazê-lo, claro que aumentou o juízo e atenções mediáticas sobre si mesmo, deixando o partido Chega numa posição muito incómoda, de tal forma, que parece-me que entrou no hemiciclo de cabeça perdida, ao ponto de a sua liderança parlamentar ter obrigado, sim, digo isso por que assisti, a ver os dois deputados que estavam na sua bancada a mudarem de lugar e inclusive, um deles, já de cabelos brancos, a ser fortemente pressionado para sair do lado do deputado.

Minutos depois, o impensável aconteceu, com o líder parlamentar do Chega, a intervir publicamente pedindo ao Presidente da Assembleia da República para mudar o seu ex-deputado da bancada do Chega, porque “não respondia pelo que podia acontecer”, no fundo dizendo que não respondia pelos seus colegas de bancada.

Isso diz muito do partido Chega, que se trata assim os seus, descartando-o como se fosse uma pessoa com uma doença contagiosa, isento de qualquer humanismo e caridade cristã, imaginem como tratarão os outros, sendo que, nem sequer asseguram o seu direito de se sentar onde se sentou e que era o seu lugar destinado pelo regimento da própria Assembleia da república. Bastava para isso demarcarem-se politicamente e condenando a atitude dos factos que são conhecidos. Mas não foi isso que fizeram, foram muito mais além e é disso que vos vou falar.

Todos nós, e os deputados, por maioria de razão, ainda mais, temos de nos comportar com urbanidade e civilidade e as cenas lamentáveis a que assisti no hemiciclo na passada sexta-feira ultrapassam todos os limites e igualam alguns deputados ao nível de um grupo de estudantes do secundário que se recusam a estar com um colega qualquer só porque é gordo, manco ou tem uma característica qualquer que eles não apreciem. E fazem bullying sobre esse menino. Foi o que os deputados do Chega fizeram sobre o deputado Miguel Arruda.

O   Artigo 153.º do Código Penal Português, fala sobre o Crime de Ameaça e refere no seu n.1 -que “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.”

O ainda deputado Miguel Arruda, aguentou estoicamente as ameaças, interpelações e sugestões para que se fosse embora e, pelo que se percebeu, pelas suas declarações posteriores, essa pressão surtiu efeito, já que Miguel Arruda assumiu-se como bastante fragilizado e vai meter baixa.

Diga-se que o Art.º 154.º do C.P. fala do Crime de Coacção que refere no seu n.º 1 que “Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.” .

E se compararem a disposição legal com o que aconteceu de facto, não andaremos longe do enquadramento da situação, sobretudo porque o resultado desejado já foi, pelo menos parcialmente, obtido com o auto-afastamento temporário do deputado.

Por fim, apenas do ponto de vista pedagógico, não posso deixar de falar do  Artigo 154.º-A que refere o que é a Perseguição, em que no n.º desse artigo se refere que “ Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”, requisito legal que não andará muito longe daquilo a que este deputado esteve sujeito na manhã de sexta-feira.

Claro que todos sabemos que os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções, mas essa norma visa protege-los (proteger-nos)

Sabemos também que a imunidade parlamentar não é um privilégio pessoal do deputado, mas uma garantia que permite a um deputado exercer livremente o seu mandato sem estar exposto a perseguições políticas arbitrárias. Como tal, garante a independência e integridade do Parlamento no seu conjunto, mas a mesma não serve para que um deputado, sabendo da existência dessa imunidade, possa actuar com total impunidade.

Por fim, há uma coisa que me está a fazer confusão, isto é, todos sabemos que nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e em flagrante delito, mas as notícias dizem que ele foi apanhado em flagrante delito, sendo que se forem estes os crimes que efectivamente lhe vão imputar, sabemos que a moldura penal permitia a detenção e constituição de arguido.

Deixo a questão, para pensarem: Então porque não o fizeram?


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