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Autárquicas | Maria das Dores Meira admite que “se não se pode fazer estacionamentos subterrâneos, não faz sentido uma concessão de 40 anos”

Em entrevista, a candidata do Setúbal de Volta, apoiada pelo PSD e pelo CDS, esclarece os apoios da direita e garante que não houve negociações para beneficiar dos partidos do atual governo. Promete aos setubalenses que não vai "aceitar orientações partidárias de ninguém"

Nasceu e cresceu em Setúbal?

Nasci e cresci em Lisboa até meio da minha adolescência. Depois fui viver para Almada, onde ainda hoje tenho casa. Partilho essa casa com uma segunda habitação aqui em Setúbal, por causa do trabalho. Tenho escritório aqui, e portanto, nos dias de maior trabalho, fico por cá. Na altura da campanha eleitoral, era o que acontecia, ficava aqui quase sempre.

Como foi crescer entre Lisboa e a Margem Sul?

Foi uma mudança total, de educação, da forma de estar, de tudo. Quando eu era pequena, antes do 25 de Abril, notava-se bem o fosso que havia na educação antes e depois da revolução. Em Benfica, onde eu morava, sentia-se um ambiente muito diferente daquele que encontrei mais tarde em Almada. Depois do 25 de Abril, a forma de pensar e de estar das pessoas era completamente diferente.

Eu estive em Lisboa até quase aos treze anos. Foi lá que fiz o meu percurso todo muito católico, a igreja, a primeira comunhão, o crisma, aquelas coisas todas. Os meus pais eram muito católicos, e eu era escuteira. Quando vim para Almada tinha treze anos, foi em 1973. Mais tarde comecei a trabalhar num escritório, quando tinha quinze anos. Lembro-me bem, estava a trabalhar no escritório quando aconteceu o 25 de Abril, foi no ano seguinte a eu ter começado.

Qual é o seu percurso profissional?

Comecei a trabalhar com quinze anos, num escritório de marcas e patentes. Rapidamente assumi a direção. Trabalhávamos com Angola e Moçambique, éramos o único escritório com representação nessas duas ex-colónias. Eu era responsável por essas áreas, e era muito trabalho, centenas de marcas todos os dias. O meu sonho, como o de muitas, era ir para os seguros, para a banca ou para a TAP. Mas fiquei e assumi a responsabilidade daqueles dois países. Depois do 25 de Abril, Angola e Moçambique deixaram de enviar marcas, e passei a tratar só de Portugal.

Formei uma das primeiras comissões de moradores do país, até está na RTP, acho que chegou a filmar. Recebia as rendas das pessoas para obrigar o senhorio a meter água e luz nas casas e consegui. Tinha também um protocolo com as COPCON e ia muitas vezes com eles, de jipe, buscar o que fosse preciso. Sempre para  ajudar os outros, eu achei aquilo do outro mundo.

Em 1980, estava na Direção Nacional dos Pioneiros de Portugal e cheguei a ir com miúdos a um acampamento na Checoslováquia. Quando voltei, recebi uma notificação de que o escritório onde eu trabalhava tinha fechado. Jurei que nunca mais trabalhava para outra pessoa e, com os meus 24 anos, abri o meu próprio escritório. Foi um sucesso. Depois desse tive mais cinco escritórios. Em 2001 convidaram-me para integrar a lista da CDU à Câmara de Setúbal e eu disse que não, e que não, mas acabei por aceitar. Deram-me o pelouro da educação, cultura e área social, os pelouros que costumam dar às mulheres. Na altura eu era a única mulher no executivo e na altura tinha 3 empresas.

Qual era o ramo de atividade desses escritórios?

Marcas e patentes, sou agente oficial. Achei que ia conseguir conciliar com a minha atividade profissional, com três empresas e cinco escritórios, dois deles em Setúbal. Mas não consegui. Fui fechando escritórios porque me apaixonei por isto, fui empobrecendo alegremente e pensando, isto é muito mais importante do que ter dinheiro. Achei que, se conseguisse aguentar as empresas e os empregados, já seria bom. Mas não foi assim.

Como se costuma dizer, ‘patrão fora, dia santo na loja’, as pessoas sentiam-se muito livres e iam trabalhando cada vez menos, achando que os ordenados iam sempre chegar. Quando nós estamos presentes os clientes querem falar com o dono e eu estava sempre fora, com reuniões e compromissos. E isso foi ajudando a que os escritórios fossem fechando, um a um. Hoje tenho um escritório muito pequenino.

Quando se deu o seu primeiro contacto com a política?

Em 1974 vivi alterações fantásticas e maravilhosas. Tive o privilégio de viver o que foi o 25 de Abril, aquela convulsão e confusão maravilhosa, o que se conquistou, a liberdade das pessoas poderem falar, decidir, reunir. Foi maravilhoso. Aderi imediatamente ao MDPCD, que já não existe. Fui membro até 1 de janeiro de 1976. 

Achei que era um movimento muito calmo, muito pacífico, de paz e de bem, onde se podia participar e intervir como cidadão — eu própria formei uma comissão de moradores. Em 76, depois de muita pressão de pessoas destacadas, o Zé Martins Vieira, o Otávio Pato, o Zé Cavaco, entrei no PCP. Fui muito maltratada durante muitos anos dentro do PCP.

Esteve como militante durante quantos anos?

Saí em 25 de abril de 2024, esperei que passassem os 50 anos do 25 de Abril porque me fazia muita dor sair antes dessa data. No dia 26 de abril entreguei o meu pedido de demissão, não fazia sentido continuar na Câmara de Almada. Cumpri o meu mandato, faltei uma ou duas vezes por doença. Percebi que não fazia sentido manter-me no partido e depois comecei a preparar o caminho para me candidatar aqui a Setúbal.

Em 2024 deu uma entrevista ao Expresso e disse que “pessoas inteligentes não podem pactuar com o PCP”, mas foi militante mais de 40 anos. 

O que a levou a prestar estas declarações tão fortes?

Durante muitos anos achei que havia muita coisa muito mal. E achei sempre que era dentro do PCP que eu tinha de chamar a atenção, que isto não estava bem. Não era fora do PCP, era dentro. Já estava afastada há algum tempo, mas quis esperar.

As divergências começaram em temas como a guerra na Ucrânia ou a Venezuela, foi daí que surgiram estas declarações, não concordo com as posições do partido, mas não vale a pena dramatizar. O PCP tem grandes quadros, mas também tem muita gente que vive dentro das estruturas, desligada da realidade. 

Quando fui vereadora em Almada, não era eu que discutia o orçamento, imagine. Eu, cabeça de lista, mas eram os eleitos da CDU que se reuniam com a presidente da Câmara. E eu perguntava-me, mas eu fui a cabeça de lista, devia ser eu a ter essa discussão. Acha isto normal?

Depois de uma entrevista com um dirigente do CDS-PP e considerando as polémicas sobre o apoio do PSD à sua candidatura – incluindo reuniões prévias pouco públicas – pode esclarecer os eleitores sobre o que realmente foi discutido e decidido nesse acordo político?

Nós tivemos alguns contactos por parte da Direção Nacional do PSD, dizendo que não iam apresentar candidato e que, nesse sentido, estavam disponíveis para nos apoiar. E nós aceitamos o apoio, seria parvoíce da nossa parte dizermos que não queremos apoio de ninguém. Em relação ao CDS, até foi o primeiro partido a manifestar apoio, meses antes. Disseram que não iam apresentar candidato, que não fazia sentido, que não tinham condições, e que gostariam de apoiar o movimento independente, porque já sabiam que nós existíamos. 

Quanto ao PSD, foi semelhante. Penso que fizeram as suas investigações e avaliaram os resultados. Também tive também um contacto direto com o presidente da concelhia, Paulo Calado, do PSD, cerca de um ano antes, que me disse que gostava de apoiar o movimento. Pelo que percebi, foi um movimento um pouco à revelia da estrutura do partido, mas depois ele disse que, para apoiar, teria de ser o número dois da lista. E eu respondi-lhe que isso não é um apoio, é uma coligação. 

Falei com o núcleo mais próximo do meu movimento para ouvir as opiniões, e todos disseram o mesmo que eu, que não estavam de acordo. Eu transmiti-lhe isso e disse-lhe claramente, as pessoas não estão de acordo, isso não é um apoio, é uma coligação, e assim não, e ficou por ali. Depois ainda se viu algum movimento dele na rua, em nome do PSD, mas o próprio PSD nacional acabou por decidir não avançar com o nome dele, disseram que com ele iam perder, que não ia correr bem, e não apresentaram nenhuma lista.

Afirma que não houve negociação para além do apoio, mas tratamos de dois partidos que governam o país. Como garante à população de Setúbal que, no próximo mandato, será independente do PSD e não beneficiará do Governo de Luís Montenegro, seja como vereadora ou como presidente?

Não há aqui interferências de ninguém, só aceitamos nestas condições. Não aceitamos orientações partidárias de ninguém nem interferências, nem colocação de regras e portanto não há e isso foi aceite, nós não temos candidato apoiamo-vos a vocês. 

Mas pode garantir aos setubalenses que não houve qualquer tipo de acordo ou coordenação entre a sua futura atuação autárquica e o Governo da Aliança Democrática?

Não há nada. Há muita gente do PSD que já cá estavam, há muitas pessoas do Partido Socialista que também já estavam nas nossas listas, como o Dr. David Martins, que é um histórico do PS e é nosso candidato a presidente da Assembleia Municipal. Só do PSD, entre os 320 candidatos, temos pelo menos 12 pessoas, que já cá estavam.

Uma das questões que mais tem sido discutida em Setúbal é o estacionamento tarifado e o polémico contrato com a Data Rede, assinado durante o seu último mandato como presidente. 

Pretende manter o estacionamento tarifado em Setúbal e no caso de o manter, em que moldes?

Desde 1994 que existe estacionamento tarifado em Setúbal, implementado pelo PS por 20 anos sem contrapartida para a Câmara. Quando o contrato acabou, tivemos de renovar porque é impossível uma cidade não ter estacionamento tarifado nas zonas mais densas. André Martins, enquanto vereador do Urbanismo, preparou o processo e geriu o contrato. Foi aprovado por unanimidade na Câmara e na Assembleia Municipal, sem a contestação de ninguém.

Quando o contrato começou a ser aplicado, houve críticas populistas por parte de muitas pessoas, mas as pessoas sabiam que podiam ter participado na discussão pública. Mas de facto também houve um incumprimento da DataRede, não fez as obras, não construiu os parques enterrados e pôs parquímetros em terrenos privados. 

Se há incumprimento, há razão para rescindir o contrato. Se não se pode fazer estacionamentos subterrâneos, não faz sentido uma concessão de 40 anos. Defendo que a  Câmara pode gerir o estacionamento, fazer silos automóveis e investir conforme a necessidade.

Relativamente à crise habitacional em Setúbal, os valores médios do arrendamento subiram de 900€ em 2015 para mais de 2000€ em 2024, e a compra de habitação para os jovens e para os trabalhadores em geral, é uma realidade cada vez mais distante.

Nesse sentido, que propostas tem para ajudar a resolver os efeitos da crise habitacional e da especulação imobiliária em Setúbal?

A responsabilidade da habitação é do Governo Central, que não resolveu o problema em Setúbal durante anos. Apenas no tempo do primeiro-ministro Cavaco Silva houve um programa que permitiu construir 800 habitações. Depois disso, nada mais aconteceu até a Lei 37/2018 e o PRR, que permitiram aos municípios apresentar candidaturas à reabilitação de casas e para a construção de habitação acessível.

Eu na altura entreguei a estratégia local de habitação, em setembro de 2020, a primeira em Portugal, prevendo 1.500 novas casas, 500 da Câmara e 1.000 do IRU. O IRU começou com apenas 48 casas, e a Câmara ainda não iniciou as suas 500. O PRR acaba em 2026, e é urgente avançar rapidamente para fixar jovens em Setúbal, seja construindo estas novas casas que estavam previstas ou requalificando prédios antigos.

Há muitas escolas em Setúbal que estão em mau estado, em particular a Escola Secundária du Bocage (Liceu de Setúbal). Para além disso, parte do que é o funcionamento das escolas, a contratação de docentes e os meios disponíveis, são agora responsabilidade do município, por conta da transferência de competências.

Quais são as suas principais propostas para a área da educação?

Muitas escolas precisam de reabilitação ou ampliação devido ao aumento da população escolar e imigração. Algumas escolas que vieram do Governo central foram transferidas sem obras e ficaram em mau estado. O liceu de referência da cidade não foi incluído corretamente no PRR, perdendo a oportunidade de uma reabilitação profunda.

A Câmara precisa de pressionar o Governo para abrir novas linhas de financiamento, garantindo que todos os edifícios escolares sejam recuperados e que novos equipamentos sejam construídos. Precisamos de mais creches, escolas secundárias e infraestruturas em áreas como o Montalvão ou Azeitão, garantindo transporte adequado para os alunos. Também queremos criar bolsas de estudo para jovens que não tenham meios financeiros, fixando-os na cidade e apoiando a integração com estágios em empresas locais.

Relativamente à mobilidade na cidade de Setúbal, quais são as propostas que a sua candidatura apresenta para melhorar o funcionamento dos transportes públicos?

Há problemas graves em acessos, estradas e transporte público. Algumas praias estão isoladas, como as Praias do Sado, onde o acesso é muito limitado e os carros têm de circular por vias longas para chegar ao centro ou ao hospital. 

É preciso rever os horários e percursos dos autocarros, melhorar passeios e calçadas para peões e pessoas com mobilidade reduzida, e aumentar a capacidade de estradas como a IC21 para reduzir o trânsito na Estrada Nacional 10. O trânsito em Setúbal sofre com má circulação e estacionamento insuficiente, prejudicando residentes e trabalhadores.

Setúbal tem vários teatros, associações culturais e coletividades desportivas, algumas centenárias, que mantêm uma atividade regular, com uma projeção regional e nacional.

O que propõe no seu programa para a área da cultura e do desporto em Setúbal?

Precisamos de equipamentos de média e grande dimensão, como a Praça de Touros, que será um multiusos para cerca de 3.000 pessoas, mas também de espaços menores para teatro, dança, música e atividades culturais. O Fórum Municipal Luísa Todi e o Charlot perderam lugares após a reabilitação. Precisamos criar mais espaços de média e pequena dimensão para apoiar a produção cultural local.

Temos pensadas candidaturas à UNESCO para o Convento de Jesus e para levar Setúbal a Capital Europeia da Gastronomia e Cultura, ligando gastronomia à cultura, e queremos valorizar a história e a identidade cultural do concelho. Relativamente ao desporto, é preciso bons campos, ginásios, mas temos de apostar e apoiar os desportos náuticos no rio Sado e as atividades ligadas à serra e ao turismo da natureza.


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