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Autárquicas 2025 l Entrevista com a Presidente Inês de Medeiros (PS) Candidata à Câmara Municipal de Almada

Série de entrevistas com os candidatos à Presidência da Câmara Municipal de Almada, às Eleições Autárquicas de 2025 no Distrito de Setúbal. Entrevista à Presidente Inês de Medeiros, e candidata do Partido Socialista (PS).

Quem é a Inês de Medeiros?

É alguém que já teve muitas vidas. Começo por ser uma criança de abril. Tinha seis, sete anos quando foi o 25 de Abril que foi um momento extraordinário neste país, único. Acho que todos nós tomámos consciência de que o envolvimento político significava liberdade. O envolvimento político era falarmos sobre tudo. Tudo o que nós fazíamos, tudo o que eu via os adultos fazerem — tudo era política. É evidente que eu estava mais no mundo das artes. E a arte, a criação… a poesia, as músicas, as canções, o teatro, a dança, tudo — mas até a arquitetura — era tudo política, no melhor sentido da palavra: era reconstruir um país, construir uma democracia. Depois, fui uma adolescente da entrada na Europa. Eu acho que nunca Portugal foi tão confiante como nessa altura: de sermos um país de facto europeu, aberto, generoso, curioso. Fora isso, comecei a minha carreira como atriz. Rapidamente percebi que não quereria ser só atriz. Depois passei para a realização, depois conheci o meu marido, vivi uns anos em França — vários — portanto também tive a experiência, como muitos portugueses tiveram, de estar longe. Embora eu não tenha emigrado por razões económicas, como muitos fizeram, sei bem o que é estar fora, estar longe da família, dos amigos, das nossas referências, da nossa casa. E continuei a considerar que tudo o que fazia era político. Envolvi-me em política ativa em 1996, com a candidatura do Presidente Jorge Sampaio, onde fui mandatária da juventude. Desde então, tenho estado sempre envolvida, ou em causas — mesmo enquanto independente — sempre achei que não podia haver divisão entre aquilo que eu era como pessoa, como profissional e como cidadã. Sempre estive envolvida, naturalmente, nas grandes causas do país, na defesa de valores que foram aqueles que eu aprendi — e que, mais do que nunca, acho que temos que continuar a defender. Depois, em 2009, sempre estive ligada ao PS, embora como independente. Em 2009, fui mandatária nacional para as eleições europeias, até por ainda estar a viver fora. E, no seguimento dessas eleições, surgiu-me o desafio, o convite, para ser deputada — a primeira mulher por Lisboa — que eu aceitei, porque achei que, na altura, já muito preocupada com as questões dos direitos laborais dos intermitentes do espetáculo. São muito mais do que aquilo que a gente pensa, basta lembrar na pandemia. Os trabalhadores dos espetáculos, que vão desde os artistas, os criadores, mas também todos os técnicos. Acho que, neste momento, a cultura é o segundo setor que mais emprego dá, e há uma tendência para esquecer isso, o que é muito preocupante. E é, provavelmente, também dos setores que menos direitos têm. Fui deputada até 2015. Depois, tive dois anos como vice-presidente da Fundação Inatel. Até que, no final de 2017, me lançaram o desafio de me candidatar em Almada. Vencemos por uma curta margem. Em 2021 vencemos por uma maior margem. E agora estou-me a candidatar para o terceiro e último mandato.

Porquê candidatar-se pela terceira vez?

Há uma série de projetos que estão em curso, porque foram dois mandatos muito difíceis e muito inesperados. Tivemos, basicamente, tudo o que se podia imaginar de inesperado: desde a pandemia, à situação internacional, à crise da inflação, até a esta crise brutal da habitação — que também existe noutros países, é transversal — mas a partir do momento em que o imobiliário passou a ser fruto de especulação, criou uma crise de habitação em todo o lado. Eu penso que há uma grande falta de noção de que as áreas metropolitanas não vão parar de crescer. O fluxo de pessoas não vai parar de crescer nas grandes cidades. O nosso plano para Almada, desde 2017, certamente não o conseguiremos concluir em quatro anos, mas queremos, naturalmente, que ele se torne cada vez mais real, visível e percetível aos almadenses. Acho que Almada nunca teve tantos projetos em curso e no terreno como tem agora. Por outro lado, há, de facto, uma realidade social em Almada que mudou muito nestes últimos anos. Lançando novos desafios: temos uma população cada vez mais crescente. Em 2017, tive o slogan “Almada Pode”, e uma das suas grandes potencialidades é assumir a sua centralidade na área metropolitana. Nós somos o município quase mais perto de Lisboa. Só temos mesmo um rio maravilhoso a dividir-nos — que não deve ser um fator de divisão, mas sim de união. É isso que temos defendido.

E acho que, de repente, há uma grande descoberta desta outra margem do rio, que permite essa união. Uma qualidade de vida, uma modernidade, uma inovação. E Almada é feita de muitos movimentos migratórios internos: muitos alentejanos, muitos beirões (a maioria alentejanos, é verdade), mas também de gente de todo o país. E também, naturalmente, de movimentos migratórios de outros países. Almada é uma cidade que sempre se construiu sobre esse património e sobre essa grande riqueza que é a sua diversidade. Portanto, acho que é isso que temos de continuar a defender e aproveitar. Há uma questão que mudou muito em Almada — e permite alguma imodéstia na nossa gestão — onde outros viam sistemáticos problemas, nós vemos mais-valias. Almada tem imenso património natural e protegido. Para muitos, isso é uma objeção ao desenvolvimento. Para nós, é uma mais-valia. Porque é esta cidade sustentável, moderna, de proximidade, que estamos a tentar construir. O rio é uma mais-valia, desde que haja mais travessias entre uma margem e outra. A diversidade da sua população não a vemos como um obstáculo, mas também aqui como uma mais-valia. Temos três polos universitários importantes, que estão um bocado afastados do centro da cidade. Compete-nos a nós levar a cidade a esses polos e trazer esses polos para dentro da cidade. São mais-valias. A Costa da Caparica, que é um território de excelência, tem imensos desafios, porque se desenvolveu como se desenvolveu. Gostaríamos todos que tivesse tido um plano de urbanização diferente, que se tivesse desenvolvido de forma diferente. É uma cidade que está entalada entre o mar e uma arriba fóssil. Portanto, não pode crescer muito mais, mas pode, de facto, ser requalificada.

Almada é um município que sofreu imenso. Daí também o nosso slogan atual, de imensos planos e planinhos: é o plano do Ginjal, é o plano da Margueira, é o plano de Cacilhas, são os sete planos da Costa Polis, é o plano terciário da Charneca, é o plano da Almada Nascente, é o plano da Almada Poente. Mas nenhum desses planos foi realizado. Nós queremos acabar com esta multiplicidade de planos. A nossa proposta é um só plano para toda a Almada, na sua envolvência.

Essa era exatamente uma das minhas perguntas, o que é que querem dizer na prática com o lema “Plano A Almada”?

Porque é isso mesmo: nós temos que ver o território no seu todo. Quando fizemos esses planos todos, a Charneca e a Sobreda não eram o que são hoje. Neste momento, é a nossa maior e mais populosa freguesia. Foi crescendo de forma completamente desorganizada, sem plano urbanístico nenhum — o que faz com que, por exemplo, quando queremos pôr autocarros, as ruas não permitem. Queremos estender o metro e não sabemos por onde poderá passar, porque não houve uma visão global deste território todo. Não houve uma antecipação daquilo que se queria. E, perdoem-me, mas até houve uma vontade de não desenvolvimento deste território. Porque se considerava que, se este território se desenvolvesse demasiado, ou se “emburguezasse”, se houvesse uma gentrificação, naturalmente também as opções de voto iriam ser diferentes. Portanto, eu acho que está na altura de olharmos para o ambiente, a economia, a educação, a saúde, a mobilidade, a cultura, o desporto — tudo isto tem que ser encarado de forma articulada. E tudo isto deve servir o mesmo propósito.

O principal é acabar com algo que é muito chocante, e que ainda existe muito em Almada: as desigualdades entre territórios. Temos territórios de ricos e territórios de pobres. Temos bairros de ricos. Temos bairros onde moram jogadores de futebol… e temos os bairros de onde alguns deles também vieram. Temos que criar integração, mistura social, garantir os elevadores sociais. Temos que melhorar todas estas estruturas. Por isso é que também aceitámos a transferência de competências, sabendo dos desafios e das responsabilidades acrescidas que iríamos ter. Mas, se queremos ambicionar, de facto, ter um município digno do século XXI — e, muitas vezes, ao nível dos municípios da outra margem, mesmo os mais periféricos, como a Amadora, muitas partes de Loures, ou Oeiras, temos que assumir que houve muito tempo perdido. E que temos que recuperar esse tempo. E isso significa consolidar uma estratégia que tem que ser coerente, mas também capaz de se adaptar àquilo que é a realidade dos tempos.

Sobre a questão da habitação, na apresentação de candidatura falou-se sobre ultrapassar os 6% de habitação pública no concelho, considera este valor suficiente, tendo em conta a atual crise da habitação e o aumento de pessoas a viver em bairros de barracas?

Não, mas eu não gosto de estar a anunciar que vou ter 15 e depois não conseguir cumprir. Portanto, o que nós dizemos é que, com tudo o que já está a ser feito — entre o protocolo que assinámos em 2019 com o IHRU para a construção — ao todo, são 3.500 fogos de arrendamento acessível, sendo que 1.100 já estão em curso. Com todos os projetos que nós próprios lançámos para arrendamento apoiado, isso estamos a dizer com bastante certeza: vamos conseguir atingir. Mas, se me pergunta se é suficiente, não é. Ou seja, temos de continuar o esforço. Agora são quatro anos. Eu não gosto de iludir as pessoas. E sei que, para os próximos quatro anos — entre os 140 fogos da Costa e mais de uma centena — não vamos conseguir construir muito mais do que aquilo que já está previsto. Mas, se conseguirmos, ótimo. Não vamos parar por isso. Eu tenho uma responsabilidade acrescida, e o maior valor, a maior riqueza de um político, é a sua palavra. Portanto, temos é que falar a verdade.

De facto a Câmara tem feito este trabalho de requalificação e de construção de habitação acessível. Ao longo deste último mandato, quantas famílias conseguiram alojar através de todos estes esforços e todos estes apoios?

Já conseguimos entregar 350 chaves. Nós tínhamos um objetivo de 450 — vamos chegar lá perto. Temos em construção 270 novos fogos, sendo que 95 já estão em obra. Isto sem contar com os do IHRU. Nós esperávamos que os primeiros 600 e tal do IHRU já estivessem concluídos — até porque eles começaram antes de nós. Quando chegámos, não havia sequer um regulamento de atribuição de casas. Não havia sequer conhecimento de quem é que lá estava. Ou seja, os ficheiros não estavam atualizados. Portanto, nós fizemos o regulamento. Estamos a fazer a regularização de rendas e atualização de rendas, que é muito importante. Estamos também a fazer a adequação de rendas, ou seja, pessoas que, por exemplo, tinham um T3 ou um T4 — porque era uma família numerosa, com filhos — mas agora os filhos cresceram e foram-se embora, conseguimos adequar o fogo para um T1 ou T2 e libertar esse T3 ou T4 para uma família mais numerosa. Mas aqui também entra o plano de regularização de rendas, atualização dos ficheiros, adequação das tipologias, realojamento das pessoas — isso tem de ser tudo feito ao mesmo tempo para sermos eficazes. Para além disso, também lançámos um apoio às rendas, mais para jovens, um bocadinho mais classe média, mas já em habitação acessível. Portanto, já não é a apoiada, é um bocadinho acima, e pode ir até aos 220 euros por mês, consoante o rendimento e o fogo. Tínhamos o compromisso de acabar com os bairros indignos, ilegais, os tais bairros de barracas (volto sempre a dizer que é uma expressão de que não gosto, mas é a mais fácil). Acabámos com todo aquele das Terras da Costa e do Lelo, acabámos com a primeira fase ali do Segundo Torrão, que temos de continuar. Infelizmente, surgiu aquele flagelo, aquele drama terrível, que é Penajóia e Raposo.

Nestes próximos 4 anos, quanto é que têm em vista reconstruir e requalificar?

Neste momento, o que nós já temos previsto 270 casas, sendo que 140 são nas Terras da Costa. E nós também temos estado a apostar numa coisa que nos parece ser o que é sustentável, o ideal para uma cidade: não estar a criar guetos, não estar a criar torres de habitação pública, mas sim criar habitação pública em centros urbanos, com arquitetura de qualidade, que se confunda completamente com o que é uma habitação normal. Estamos muito felizes com os resultados que temos obtido — até em termos arquitetónicos — porque são edifícios muito bonitos, e eu estou certa de que as pessoas que os vão ocupar também terão orgulho de lá viver. Sentem-se dignificadas, sentem que não estão a viver numa construção de má qualidade. Infelizmente, a nossa habitação municipal em Almada é, em muitos casos, de má qualidade, e por isso está num estado de conservação absolutamente calamitoso. Precisamos da colaboração do IHRU, que é quem tem os melhores lotes construtíveis por todo o concelho, seja no Monte da Caparica, seja na Sobreda, para criarmos aqui um modelo de cooperativa, no qual a Câmara está disponível para entrar. Mas, para se poder fazer uma cooperativa, precisamos do terreno. E nós, de facto, enquanto Câmara, temos muitos terrenos, mas muito pequenos. Houve uma grande aposta, em toda Almada, na moradia individual, que — pronto, que não haja dúvidas — dá qualidade de vida às pessoas. Mas, para um município em expansão, cria vários problemas. Para já, é uma mancha de terrenos impermeabilizados terrível, com pouquíssimo espaço disponível para espaços verdes em zonas urbanizáveis, com imensas dificuldades até em termos de serviços públicos: lixo, recolha, mobilidade, etc. Por isso é que nós estamos a favorecer uma construção mais em altura e menos a moradiazinha nos nossos terrenos. Pode ser dois, três, quatro andares: urbanizações de qualidade, com espaços verdes, que libertam espaço público, espaços de qualidade. Aliás, nós somos provavelmente dos municípios com mais AUGIs — Áreas Urbanizáveis de Gestão Ilegal. No fundo, são construções que as pessoas foram fazendo, e elas próprias confessam: construíam à multa. Ou seja, construíam de forma ilegal, e depois a Câmara passava uma multa e legalizava. Hoje em dia, as leis já não permitem isso. Isso faz com que grande parte do território ainda esteja sem saneamento básico, tudo à base de fossas, o que é um problema ecológico gravíssimo. Os problemas estão identificados. Sabemos que é uma tarefa árdua. Sabemos que não é em quatro, nem em oito, nem em doze anos que se resolve tudo. Mas também sabemos que não se pode é parar.

Diz que lutam contra a habitação precária indigna, no entanto, e tal como já falou, continuam a existir habitações precárias, nomeadamente os bairros de barracas. O que é que está aqui a falhar e que soluções apresenta para ajudar estas pessoas?

Nós temos a nossa Estratégia Local de Habitação, que estamos a cumprir. Portanto, nós tínhamos dois grandes desafios, que eram acabar com dois grandes bairros. Um deles já acabámos. No Segundo Torrão, fizemos uma primeira fase e íamos entrar na segunda fase. Há cerca de dois anos, dois anos e meio, começámos a assistir a um negócio, porque aquilo são casas em tijolo, em terrenos do IHRU, ali na zona da Penajóia e Raposo. Percebemos que havia ali um negócio, com promotores, e que esse negócio, naturalmente, explora as pessoas mais vulneráveis. Começámos a avisar o IHRU, ainda com o governo do PS, e a dizer: “Cuidado! Isto está a crescer muito depressa” e os terrenos são deles. Nem sequer estão no nosso Plano Diretor Municipal. Na altura, disseram-nos: “Não façam nada, que nós vamos fazer o levantamento social daqueles casos”. Até à data, nada foi feito. Portanto, nós, para intervir num terreno que não é da Câmara, só podemos atuar tomando posse administrativa do terreno, chegar lá e demolir. Não podemos entrar assim. Ou então, da mesma forma, não podemos pôr luz e eletricidadese o proprietário do terreno não autorizar — a não ser que a gente tome posse administrativa do terreno. Na altura, até fomos quase impedidos de agir. Foi criado um grupo de trabalho onde a Câmara começou por estar excluída. Entretanto houve eleições, o governo mudou, e nós voltámos a insistir. Dois anos depois, nada. Sempre a insistir, e aquilo cresce todos os dias. Sabemos dos negócios vergonhosos que ali estão. Sabemos que as pessoas pagam balúrdios. Umas compravam casas — que são para ser demolidas! — por 10 mil euros. Outras agora já alugam quartos. Na última reunião que tivemos — há cerca de um mês e meio — o IHRU apresentou-nos um plano, datado de 2023 (nem se deram ao trabalho de mudar a data), e cuja proposta era voltar a fazer um levantamento social. A Câmara não pode assumir aquele problema nem vai assumir. Porque ali há pessoas que vêm de todo o lado, e aquilo exige uma equipa enorme. A Câmara está disponível para colaborar, mas, quer dizer, quem tem que dirigir o processo é o Governo, porque aquilo envolve a AIMA, e vai envolver certamente uma série de outras entidades sociais. E aqueles são terrenos do Instituto da Habitação, que tem como missão encontrar e arranjar casas para as pessoas. As câmaras colaboram com o Estado, mas a competência da habitação, e de fazer cumprir o direito constitucional, é do Estado. A nossa obrigação é continuar a lutar por aqueles que aguardam há anos, há décadas, por uma casa digna em Almada.

No vosso entender o Governo não está a assumir a sua responsabilidade?

Não. Quando o Sr. Primeiro-Ministro diz que “não deve ser coincidência que os bairros ilegais estão em municípios do PS ou do PCP”, já percebo porque é que o Governo não faz nada em relação ao IHRU. É porque está a tentar tirar dividendos políticos, agora que estamos em período de autárquicas. Como é que o Sr. Primeiro-Ministro tem o descaramento de vir falar desta questão, como se não tivesse qualquer responsabilidade no que está a acontecer ali? A nossa responsabilidade é defender os moradores do Bairro do Matador, que ainda ontem voltaram a ficar sem luz por causa das puxadas de luz ilegal. Nós temos aqui empresas fundamentais — das maiores da Área Metropolitana, como a Sovena, que todos os dias ficam sem eletricidade. Empresas que funcionam 24 horas por dia e que têm todos os seus sistemas em risco, por causa das quebras de energia causadas pelas puxadas ilegais. E nós já falámos com a E-Redes, já falámos com toda a gente. Temos para aí quase dois dossiês inteiros de tentativas para que o Governo faça alguma coisa. Nada acontece. Agora já sabemos porquê: para o Sr. Primeiro-Ministro vir dizer que “não deve ser coincidência”. O que certamente não é coincidência é o seu Governo não fazer nada, para depois ver se ganha mais uns votitos. Para quem acha que uma renda de 2.300 euros é uma renda moderada, também não me admira que o Sr. Primeiro-Ministro não perceba bem quais são as dificuldades de habitação do povo português. Nós autarcas estamos no terreno. Sabemos que a vida em Portugal é muito mais dura do que aquilo que o Sr. Primeiro-Ministro gostaria. A vida das pessoas não se mede por médias nacionais, nem por PIBs nacionais.Cada vida é um caso. Uma renda de 2.300 euros não é moderada. Gostava de saber qual é o professor, qual é o enfermeiro, qual é o polícia…Qual é a profissão que pode pagar uma renda de 2.300 euros? Nem um autarca consegue pagar uma renda de 2.300 euros.

Para estes próximos quatro anos, o alargamento da rede de transportes públicos, nomeadamente o metro à superfície, são propostas em cima da mesa?

São, de certeza. É importante perceber a grande revolução —que o Passe Navegante, e o acordo entre os 18 municípios da Área Metropolitana de Lisboa, por unanimidade — veio trazer à vida das pessoas. Havia pessoas que pagavam mais de cento e tal euros por mês, por passe, por membro da família. Da mesma maneira que a nova rede de transportes rodoviários, no caso da Almada, duplicou e, em alguns casos, triplicou a oferta. Na Charneca e Sobreda, quase que aumentou 80%. Agora, é preciso continuar uma política de mobilidade sempre com esta ideia: é preciso unir estas duas margens. É preciso melhorar. Quer dizer, este rio tem que ser uma união, e não uma divisão. A contratação do Metro de Lisboa para fazer o projeto da extensão do metro não apenas até à Costa, mas também à Trafaria, permite, a curto prazo (porque o que eles apontam é a conclusão da obra para 2029 requalificar o terminal fluvial de Porto Brandão e Trafaria. E já estamos em conversações com Oeiras e com a Transtejo para ver se a travessia que se faz Trafaria–Belém, que é uma inutilidade — porque Belém não é uma interface — possa passar a ser Trafaria–Algés, que é uma verdadeira interface de transportes. E, da mesma forma, também permitiria aliviar todas as pessoas que vêm apanhar o barco a Cacilhas. E que, muitas vezes querem é ir para a parte norte de Lisboa, ou para Oeiras, ou para Cascais. É tentar aliviar aqui esta sobrecarga do centro-sul e da Ponte 25 de Abril, que não aguenta mais nada.

Eu acho graça quando vejo as pessoas a dizerem que querem uma via dedicada para o bus. Eu também quero. Mas, quer dizer, é irrealista pensar que, mesmo com todos os esforços e a sensibilização para as pessoas usarem menos o carro individual, há muitas pessoas que ainda não têm alternativa. Portanto, é preciso criar alternativas. Criar alternativas de transporte público que sejam rápidos, eficazes, onde as pessoas não percam horas, e que sejam mais económicos do que levar o carro. Até para tirar proveito do Navegante, temos de aumentar, cada vez mais, a oferta de transporte público de qualidade e eficaz. Para além disso, nós continuamos a insistir que precisamos de uma nova travessia — que é o túnel Algés–Trafaria. Da mesma maneira que, se houver o aeroporto, tem que haver a extensão do metro até ao Montijo ou a Alcochete. Esta travessia tem que acontecer já. Porque, senão, vai ser cada vez mais difícil circularmos nesta terra.

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No entanto, neste caso, especificamente do túnel, é uma responsabilidade que não depende só da Câmara.

O metro também não. Eu sei que há aqueles partidos que gostam muito de reivindicar tudo e mais alguma coisa. Nós achamos que temos que reivindicar questões absolutamente estratégicas — não é que as outras não sejam importantes: termos melhores centros de saúde, termos profissionais para o Garcia de Orta, tudo isso é fundamental. Mas isso é um drama nacional, e nós estamos nessa luta com todos os outros. Também temos que reivindicar coisas que são fundamentais para o desenvolvimento económico do nosso município. Todos nós sabemos — sobretudo quem está em funções. Eu gosto muito de ouvir, por exemplo, a candidatura do PSD: “a mobilidade resolve-se trazendo empresas para a Almada.” Pois. Mas as empresas, enquanto só houver esta ponte, não querem vir para Almada, porque os seus trabalhadores moram do outro lado. Portanto, esta questão da mobilidade é, hoje em dia, uma questão cada vez mais central até para, inclusivamente, atrair investimentos, empresas, desenvolvimento. Nós temos o nosso grande projeto do Innovation District, e sabemos que uma das grandes questões é a mobilidade. Claro que todos nós preferimos que as pessoas morem e trabalhem no município, e que isso crie a “cidade dos 15 minutos”. Mas, para isso, é preciso criar condições para que ela aconteça.

O projeto da expansão do metro já está a ser feito. O concurso para a elaboração do projeto já foi lançado. Está a ser gerido pelo Metro de Lisboa. Já fizeram os estudos topográficos, estão a acabar os estudos de mobilidade e já lançaram o concurso para a feitura do próprio projeto.

Relativamente à questão do emprego, uma vez que há muitas pessoas, muitos trabalhadores dentro do concelho de Almada que trabalham fora do concelho, nomeadamente em Lisboa, que propostas apresenta para atrair emprego para Almada?A nossa grande proposta de criarmos um polo empresarial é, de facto, o Innovation District. E isto é uma questão fundamental, porque, com todos os investidores com quem temos falado, a questão é que os parques exclusivamente, por exemplo, 100% tecnológicos ou 100% empresariais, já não são algo que atraia muito. As grandes empresas — sobretudo se forem multinacionais — querem apostar também na qualidade de vida dos seus trabalhadores. Querem poder ter, lá está, a tal cidade dos 15 minutos. E o Innovation District está pensado — e está refletido no nosso Plano Diretor Municipal — nisso mesmo. Ou seja, inclui espaço para empresas, inclui uma parte de habitação, inclui espaços culturais, desportivos, comerciais, como é óbvio. E, portanto, para isto poder ser, de facto, uma nova cidade dos 15 minutos, precisamos urgentemente que as entidades — CCDR, APA, ICNF, que são, no fundo, as principais — possam desbloquear o nosso Plano Diretor Municipal. E percebam até que ponto estes entraves sistemáticos que andam a impor aos municípios — e somos mais de 160 a sofrer com esta questão de planos diretores municipais em suspenso — têm que ser resolvidos. É fundamental conseguirmos avançar de forma mais vigorosa com esse processo. Desde o início, fizemos uma baixa de impostos para as empresas. Temos a plena consciência de que há toda uma parte do desenvolvimento que vem pela sociedade civil. Nós temos uma sociedade almadense que está, de facto, a mudar. Temos um comércio que está a começar a mudar. Temos cada vez mais atividades culturais, desportivas. Há uma aposta crescente justamente numa qualidade de vida. O preço da habitação na margem norte também tem contribuído para isso — é verdade. Embora os nossos preços também já estejam a aumentar muito. Estamos com vários investimentos na área do turismo. É algo que temos que estimular: ter um desenvolvimento turístico que seja sempre com a preocupação de ser sustentável, respeitador, que não seja caótico como tem sido nos últimos anos. Como também parte muito da sociedade civil, isto não se decreta. Criam-se condições.

Há uma particularidade em Almada que é terrível: porque — lá estão os planos e planinhos — nós temos imensas entidades com poder desmesurado sobre o nosso território. Como já falei, desde as CCDRs, à APA, ao ICNF — todos eles têm terrenos. Mas também há a APL, a NATO… Qualquer coisa que se faça são 50 entidades a quem temos que pedir parecer. E, por mais que tentemos agilizar a questão, esta instabilidade política também não tem ajudado. Começamos a trabalhar, começamos a ver uma luzinha ao fundo do túnel… cai o Governo. Vem uma nova equipa, vem uma nova direção, vem uma nova proposta. Sou bastante persistente e convicta. E tenho sempre aquele ditado popular: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.” Continuaremos todos, até ao limite das nossas forças, a lutar para que os almadenses, por fim, sejam donos do seu território.

Promete também duas novas escolas, a EB Gabo Coutinho, na Trafaria, e a EBS António Juliano Laranjeiro Feijó. Os projetos já existem? Quando é que as populações vão ter estas duas novas escolas?

No âmbito da transferência de competências, foi feito um levantamento pelo Ministério da Educação, que identificou as escolas em pior estado. Portanto, a condição era: os municípios assumiam a gestão, mas as obras estruturais eram financiadas pelo Governo, pelo Ministério, e os municípios executavam — o que é um procedimento normal. Identificaram uma escola muito urgente e oito escolas urgentes. Nós não concordámos exatamente com aquela classificação. Consideramos que há outras que também são muito urgentes. Mas foi o que foi. Vai para dois anos. E só agora é que o Governo abriu o concurso. Os projetos de arquitetura — a Câmara adiantou o dinheiro, naturalmente — os dois projetos de António Gedeão e o novo Centro Educativo da Trafaria (nós preferimos tratá-lo assim) estão prontos para avançar para a empreitada. A garantia que nos deram é que, mal entrassem os projetos— sobretudo o da António Gedeão, que é considerado muito urgente —, se houvesse todas as condições, seria automaticamente aprovado e financiado. É com isso que contamos. Assim que tivermos o financiamento garantido, lançamos o concurso da empreitada. Em relação ao da Trafaria, também nos disseram que o financiamento para as segundas prioridades — as das “urgentes” — entraria logo a seguir.

Como é que avalia estes últimos dois mandatos? Do que se orgulha e o que ficou por fazer?

Orgulho-me muito das nossas equipas de trabalho. Durante a pandemia, eu acho — modéstia à parte — que fomos dos municípios que mais respostas deu no mais curto espaço de tempo, que mobilizou toda a gente, e conseguimos coisas impensáveis. Até as costureiras pusemos a fazer máscaras, quando nem sequer havia máscaras. Mesmo com todas as dificuldades, mesmo com toda a pressão que houve — e que ainda há — na questão da habitação, eu sei que lançámos qualquer coisa que não pode voltar para trás. Orgulho-me muito da questão da mobilidade, de todo este impulso que também demos a esse nível. Ao aceitar as competências na área social, quase que triplicámos os apoios sociais. Hoje em dia, todos os almadenses têm, junto da sua união de freguesias ou freguesia, um posto de atendimento social. As reformas administrativas que fizemos — a junção das pessoas, a criação de um gestor de caso para os apoios sociais e para o RSI, para ser apenas um técnico que acompanha tudo — isso foram grandes conquistas. A forma como conseguimos integrar 900 trabalhadores da educação, a forma como temos estado a evoluir na assunção das novas responsabilidades na educação, o envolvimento de toda a comunidade escolar — mesmo com dificuldades, mais uma vez.

É verdade que há áreas que não podem deixar de nos entristecer. Por exemplo, nós investimos imenso na renovação de equipas, de material, de condições na questão da higiene urbana. Mas está a ser um flagelo. A produção de lixo está a ser uma coisa quase ingerível. Só para dar um número: até início de agosto, já tínhamos recolhido mais 4 mil toneladas de lixo do que no ano passado inteiro. E aqui também é importante falar do Estado e da Amarsul — uma entidade que foi privatizada, que funciona super mal, que não ajuda nada. Caríssima. Pagamos à Amarsul cerca de 12 milhões de euros por ano. É dinheiro que devíamos estar a investir, justamente, nos serviços de higiene — e não estamos. Estamos a pagar a privados. Nada disto faz sentido. Temos que continuar a aumentar a recolha seletiva, temos que reforçar equipas. Mas é muito difícil, porque há cada vez menos mão de obra — seja no setor público, seja nas empresas que contratamos para garantir o serviço. Há imenso trabalho pela frente que tem de ser feito.


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