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António José Fialho | “Nós não temos, neste momento, aqui na comarca de Setúbal, nenhuma marcação superior a 7/8 meses”

Na entrevista com o Juiz-Presidente do Tribunal da Comarca de Setúbal, António José Fialho, falou-se sobre o estado atual da justiça, mas, também, da situação da Comarca de Setúbal, e sobre as suas perspetivas para o Tribunal da Relação de Évora, para onde foi nomeado Juiz Desembargador.

Como vê a situação dos tribunais sob a jurisdição da Comarca de Setúbal?a

A situação atual dos tribunais, relativamente à Comarca de Setúbal, é muito igual à de todos os outros tribunais do país. Não tem grandes diferenças.

Contudo, um dos grandes problemas que nós temos, neste momento, tem a ver com a falta de recursos humanos e logísticos, para dar resposta às situações que se colocam todos os dias, mas a situação mais complicada, talvez seja a situação dos recursos humanos, ao nível dos Oficiais de Justiça.

Devido a desacordos entre o Ministério da Justiça e o Sindicato dos Oficiais de Justiça, têm sido convocadas por este último várias greves, ao longo do presente ano, como forma de reivindicação da revisão da tabela salarial, da incursão no vencimento do suplemento de recuperação processual com efeitos a janeiro de 2021 e o pagamento desse valor mensal 14 vezes ao ano. No entanto, o Sindicato dos Oficiais de Justiça conseguiu chegar a acordo com o Ministério, a 6 de junho, após um ano e meio de greves, apesar deste acordo não ter trazido “paz aos tribunais”, citando o Presidente do SOJ Carlos Almeida. Até que ponto as greves afetaram o funcionamento da Comarca de Setúbal?

No ano passado, afetaram mais. Este ano, depois do acordo, não afetaram tanto, mas é evidente que algumas vezes afetaram. Embora a greve tenha sido convocada por um sindicato, que não tem tanta representatividade, pelo menos, aqui em Setúbal, isso não impede que um determinado funcionário, mesmo que não pertença àquele sindicato, não queira fazer greve.

Às vezes, participar na greve acaba por ser uma forma de protesto, de alguma situação que não se considere tão adequada em relação ao acordo, porque a verdade é que o aumento remuneratório atenua, de certa forma, os efeitos da greve anterior, tanto que permitiu a abertura da fase negocial com vista ao estatuto. Mas a solução terá de passar pelo estatuto e uma carreira mais vantajosa e mais gratificante para quem entra, pois só isso justifica que, efetivamente, quando se abre um concurso para 570 pessoas, entrem 570 pessoas e, mais importante ainda, que essas 570 pessoas se mantenham no quadro.

Quais são as principais preocupações dos magistrados e funcionários judiciais da Comarca em termos de condições de trabalho?

Neste momento, uma das necessidades que nós estamos a sentir, é uma necessidade de melhoria dos meios informáticos, no sentido de permitir um melhor aproveitamento das ferramentas que temos, não só nas salas, mas, também, nos gabinetes de trabalho. Um exemplo que eu lhe dou, as salas de audiência estão quase todas dotadas com equipamentos de gravação. Contudo, também se fazem muitas diligências fora das salas de audiência e que é conveniente que sejam gravadas e não há equipamentos de gravação para esses gabinetes, onde se fazem, por exemplo, audições de trabalhadores, de crianças, de vítimas de violência doméstica, de pessoas que vêm contactar o tribunal por alguma outra razão. Às vezes é conveniente que essa diligência seja gravada e não existe uma disseminação desses equipamentos. Temos de andar ali a fazer um jogo de procurar aproveitar os poucos recursos existentes.

Os recursos que temos, neste momento, já começam a revelar alguma antiguidade, digamos assim. Em relação às ferramentas informáticas que nós temos, já se começa a notar essa dificuldade de trabalho. Depois, como a Comarca é muito grande, também temos a dificuldade em não termos meios de transporte para transportar processos. Nós temos, por exemplo, núcleos agregados (Grândola e Santiago do Cacém, núcleo agregado da área cível) e, às vezes, há a necessidade de transporte de processos ou movimentação de pessoas, para algumas diligências.

Temos dois juízos de proximidade, em Alcácer do Sal e em Sines, em que o transporte é assegurado pelos próprios, porque não há transporte da Comarca para assegurar os julgamentos nesses juízos de proximidade. Estes fatores complicam, efetivamente, alguma gestão nesta parte.

Como é gerido o volume processual na Comarca? Existem planos para reduzir eventuais atrasos e as assimetrias territoriais da Comarca?

Aí, tem a ver com a cobertura. Eu acho que a cobertura, neste momento, tirando um ou outro aspeto pontual – tem a ver com uma situação que se passa em Grândola e Santiago do Cacém, em relação à área cível -, a nível de juízes e a nível de funcionários, procura corresponder, de certa forma, às necessidades que se colocam nessa parte. Não há assim grandes assimetrias nessa parte, tirando um ou outro caso em que se pode verificar uma carga muito maior.

Temos outra situação, uma medida de gestão adotada para Sesimbra, que é um concelho em franco crescimento, em que o tribunal ainda funcionava de uma forma genérica. Aliás, o juízo ainda se chama “juízo de competência genérica”, portanto, os colegas que lá estão fazem cível e crime, mas, devido a uma medida de gestão e à aceitação dos colegas, eles dividiram entre os dois juízes (um faz cível e outro faz crime). Esta especialização permite uma melhor resposta nessa parte, embora, formalmente na lei, ainda está escrito que é um juízo de competência genérica.

Como é gerido o volume processual na Comarca? Existem planos para reduzir eventuais atrasos?

Em relação à celeridade, as medidas que estão tomadas, são aquelas que estão a ser tomadas a nível todo do país, através do cumprimento dos objetivos processuais. Nessa parte, genericamente, nos últimos anos, tirando um ou outro aspeto, os objetivos processuais mais relevantes aqui são: a fixação de um tempo máximo para a realização dos julgamentos – que tem sido genericamente cumprida e, às vezes, até, abaixo disso, tratar de forma mais célebre os processos mais antigos, que é para não estarem tanto tempo -, e, finalmente, procurar fazer uma redução das pendências.

Esta questão da redução das pendências não é uma questão matemática, porque é muito variável. Nós podemos fazer, por exemplo, uma análise de um objetivo, criar um objetivo de redução de uma pendência, e se as entradas aumentarem muito, a realidade afeta aquela situação pois o sistema acaba por não dar resposta. Temos então que procurar soluções de outra natureza.

Neste aspeto, temos tido fatores externos, que são as greves e as baixas médicas, a falta de funcionários, as aposentações, que afetam realmente essa resposta, mas, no resto do cumprimento dos objetivos, eles têm sido mais ou menos cumpridos de uma forma genérica.

Tendo em conta a atuação do atual Ministério da Justiça, e algumas das medidas que falou, considera que, nos próximos anos, esses atrasos nos julgamentos possam ser minimizados?

Aqui não temos grandes atrasos nos julgamentos, antes pelo contrário. Eu recordo que, quando comecei a trabalhar como juiz, trabalhei num tribunal que estava a marcar julgamentos a 7 anos. Nós não temos, neste momento, aqui na Comarca de Setúbal, nenhuma marcação superior a 7/8 meses. É uma mudança significativa, e quando eu falo em 7/8 meses, falo em circunstâncias muito particulares como, por exemplo, na área laboral, em que a marcação do julgamento – porque é a partir do dia que se conta quando é que se marca o julgamento para fixar a dilação do agendamento -, é feita numa fase muito inicial do processo, mas, até lá, o tribunal tem de dar muitos passos para chegar ao julgamento e é normal que este, por uma questão de segurança, seja feito com alguma dilação.

Eu dou outro exemplo da minha área de jurisdição, antes de vir para aqui, que era a área de família e menores. No Barreiro, nós tínhamos uma comunidade de estrangeiros muito grande, e em processo de família de menores, muitas vezes um está cá, mas o outro está no estrangeiro – estou a falar dos pais. Se nós temos que marcar uma diligência, em que é obrigatória à presença dos pais, pois estamos a falar da vida daquelas crianças, em que têm que estar os dois presentes, para garantir a presença, por exemplo, de uma pessoa que estivesse no Brasil, em Angola, Cabo Verde, Moçambique, nós tínhamos que fazer uma dilação grande em relação à marcação da diligência -porque essa é a que conta -, para acautelar o tempo de chamada daquela pessoa. Muitas vezes, não se pode só mandar um e-mail ou mandar uma carta. A carta tem que chegar com determinados requisitos, com determinadas condições e, às vezes, não chega à primeira. Tínhamos que dar, e essas dilações às vezes é que são grandes, mas corresponder àquilo que era há uns anos atrás, nós demos um passo muito grande, porque não temos efetivamente nada superior a estes meses que eu referi, mas muitas vezes os que temos até são menos. Em contrapartida, nós temos aqui juízes que estão a marcar a 3, 4 semanas, e até menos que isso.

Então considera que, comparando com aquilo que é a situação das Comarcas do resto do país, considera a Comarca de Setúbal é quase eficiente?

Não, não, isto ocorre em todo o país. Isto é uma circunstância de vários fatores. Ocorre desde 2014, da nova reorganização judiciária. Os fatores são a especialização, uma maior cobertura dessa especialização e, também, a criação deste objetivo em que as pessoas começaram a encarar este objetivo da fixação de um tempo máximo de dilação de julgamentos como importante.

Um juiz que tenha de fazer um trabalho, depois tem que fazer área cível, depois tem que fazer família, depois tem que fazer instrução criminal, depois tem que fazer criminal, é evidente que é completamente diferente daquele que só faz uma determinada coisa, porque permite, realmente, especializar-se naquilo e desenvolver melhor as suas capacidades profissionais e de gestão do processo para aquelas que são as necessidades.

Como vê a situação dos tribunais sob a jurisdição da Comarca de Setúbal?

A situação atual dos tribunais, relativamente à Comarca de Setúbal, é um pouco igual à de todos os outros tribunais do país. Não tem grandes diferenças.

Um dos grandes problemas que nós temos, neste momento, tem a ver com a falta de recursos humanos e logísticos, para dar resposta às situações que se colocam todos os dias, mas a situação mais complicada, talvez seja a situação dos recursos humanos, a nível dos Oficiais de Justiça.

Devido a desacordos entre o Ministério da Justiça e o Sindicato dos Oficiais de Justiça, têm sido convocadas por este último várias greves, ao longo do presente ano, como forma de reivindicação da revisão da tabela salarial, da incursão no vencimento do suplemento de recuperação processual com efeitos a janeiro de 2021 e o pagamento desse valor mensal 14 vezes ao ano. No entanto, o Sindicato dos Oficiais de Justiça conseguiu chegar a acordo com o Ministério, a 6 de junho, após um ano e meio de greves, apesar deste acordo não ter trazido “paz aos tribunais”, citando o Presidente do SOJ Carlos Almeida. Até que ponto as greves afetaram o funcionamento da Comarca de Setúbal?

No ano passado, afetaram mais. Este ano, depois do acordo, não afetaram tanto, mas é evidente que algumas vezes afetaram. Pelo que me diz a Senhora Administradora, embora a greve tenha sido convocada por um sindicato, que não tem tanta representatividade, pelo menos, aqui em Setúbal, mas não impede que o funcionário, mesmo que não pertença àquele sindicato, não queira fazer greve.

Às vezes, participar na greve acaba por ser uma forma de protesto, de alguma situação que não se considere tão adequada em relação ao acordo, porque a verdade é que o aumento remuneratório atenua, de certa forma, os efeitos da greve anterior, tanto que permitiu a abertura da fase negocial com vista ao estatuto. Mas a solução terá de passar pelo estatuto e uma carreira mais vantajosa e mais gratificante para quem entra, pois só isso justifica que, efetivamente, quando se abre um concurso para 570 pessoas, entrem 570 pessoas e, mais importante ainda, que essas 570 pessoas se mantenham no quadro.

Quais são as principais preocupações dos magistrados e funcionários judiciais da Comarca em termos de condições de trabalho?

Neste momento, uma das necessidades que nós estamos a sentir, é uma necessidade de melhoria dos meios informáticos, no sentido de permitir um melhor aproveitamento das ferramentas que temos, não só nas salas, mas, também, nos gabinetes de trabalho. Um exemplo que eu lhe dou, as salas de audiência estão quase todas lotadas com equipamentos de gravação, pois se fazem muitas diligências que não se fazem em salas de audiência e que é conveniente que sejam gravadas, e que não há equipamentos de gravação para esses gabinetes, onde se fazem pequenas audições de trabalhadores, de crianças, de vítimas de violência doméstica, de pessoas que vêm contactar o tribunal por alguma outra razão. Às vezes é conveniente que essa diligência seja gravada e não existe uma disseminação desses equipamentos. Temos de andar ali a fazer um jogo de procurar aproveitar os poucos recursos existentes.

Os recursos que temos, neste momento, já começam a revelar alguma antiguidade, digamos assim. Em relação às ferramentas informáticas que nós temos, já se começa a notar essa dificuldade de trabalho. Depois, como a Comarca é muito grande, também temos a dificuldade em não termos meios de transporte para transportar processos, para fazer uma ginástica. Nós temos, por exemplo, núcleos agregados (Grândola e Santiago do Cacém ou núcleo agregado da área cível), às vezes, há a necessidade de transporte de processos, movimentação de pessoas, para algumas diligências.

Temos dois juízos de proximidade, em Alcácer do Sal e em Sines, em que o transporte é assegurado pelos próprios, porque não há transporte da Comarca para assegurar os julgamentos nesses juízos de proximidade. Estes fatores complicam, efetivamente, a gestão nesta parte.

Como é gerido o volume processual na Comarca? Existem planos para reduzir eventuais atrasos e as assimetrias territoriais da Comarca?

Aí, tem a ver com a cobertura. Eu acho que a cobertura, neste momento, tirando um ou outro aspeto pontual – tem a ver com uma situação que se passa em Grândola e Santiago do Cacém, em relação à área cível -, a nível de juízes e a nível de funcionários, procura corresponder, de certa forma, às necessidades que se colocam nessa parte. Não há assim grandes assimetrias nessa parte, tirando um ou outro caso em que se podem verificar uma carga muito maior.

Temos outra situação, uma medida de gestão adotada para Sesimbra, que é um concelho em franco crescimento, em que o tribunal ainda funcionava de uma forma genérica. Aliás, o juízo ainda se chama “juízo de competência genérica”, portanto, os colegas que lá estão fazem cível e crime, mas, devido a uma medida de gestão e à aceitação dos colegas, eles dividiram entre os dois juízes (um faz cível e outro faz crime). Esta especialização permite uma melhor resposta nessa parte, embora, formalmente na lei, ainda está escrito que é um juízo de competência genérica.

Como é gerido o volume processual na Comarca? Existem planos para reduzir eventuais atrasos?

Em relação à celeridade, as medidas que estão tomadas, são aquelas que estão a ser tomadas a nível todo do país, que é a questão do cumprimento dos objetivos processuais. Nessa parte, genericamente, nos últimos anos, tirando um ou outro aspeto, os objetivos processuais mais relevantes aqui são: a fixação de um tempo máximo para a realização dos julgamentos – que tem sido genericamente cumprida e, às vezes, até, abaixo disso, tratar de forma mais célebre os processos mais antigos, que é para não estarem tanto tempo -, e procurar fazer uma redução das pendências.

Esta questão da redução das pendências não é uma questão matemática, porque é muito variável. Nós podemos fazer, por exemplo, uma análise de um objetivo, criar um objetivo de redução de uma pendência, e se as entradas aumentarem muito, a realidade que está afeta àquela situação, acaba por não dar resposta. Tem que se procurar soluções de outra maneira.

Neste aspeto, temos tido fatores externos, que são as greves e as baixas médicas, a falta de funcionários, as aposentações, que afetam realmente essa resposta, mas, no resto do cumprimento dos objetivos, eles têm sido mais ou menos cumpridos de uma forma genérica.

Tendo em conta a atuação do atual Ministério da Justiça, e algumas das medidas que falou, considera que, nos próximos anos, esses atrasos nos julgamentos possam ser minimizados?

Nós aqui não temos grandes atrasos nos julgamentos, antes pelo contrário. Eu recordo que, quando comecei a trabalhar como juiz, trabalhei num tribunal que estava a marcar julgamentos a 7 anos. Nós não temos, neste momento, aqui na Comarca de Setúbal, nenhuma marcação superior a 7/8 meses. É uma mudança significativa, e quando eu falo em 7/8 meses, falo em circunstâncias muito particulares em que, por exemplo, na área laboral, na marcação do julgamento – porque é a partir do dia que se conta quando é que se marca o julgamento -, a marcação do julgamento é feita numa fase muito inicial do processo, mas, até lá, o tribunal tem de fazer muitos passos para chegar à marcação do julgamento e é normal que o julgamento, por uma questão de segurança, seja feito com alguma dilação.

Eu dou outro exemplo, da minha área de jurisdição, antes de vir para aqui, que era a área de família e menores, e trabalhava aqui no Barreiro. No Barreiro nós tínhamos uma comunidade de estrangeiros muito grande, e em processo de família de menores, muitas vezes um está cá, mas o outro está no estrangeiro – estou a falar dos pais. Se nós temos que marcar uma diligência, em que é obrigatória à presença dos pais, pois estamos a falar da vida daquelas crianças, em que têm que estar os dois presentes, para garantir a presença, por exemplo, de uma pessoa que estivesse no Brasil, em Angola, Cabo Verde, Moçambique, nós tínhamos que fazer uma dilação grande em relação à marcação da diligência -porque essa é a que conta -, para cautelar o tempo de chamada daquela pessoa. Muitas vezes, não se pode só mandar um e-mail ou mandar uma carta. A carta tem que chegar com determinados requisitos, com determinadas condições e, às vezes, não chega à primeira. Tínhamos que dar, e essas dilações às vezes é que são grandes, mas corresponder àquilo que era há uns anos atrás, nós demos um passo muito grande, porque não temos efetivamente nada superior a estes meses que eu referi, mas muitas vezes os que temos até são menos. Nós temos aqui juízes que estão a marcar a 3, 4 semanas, e até menos que isso.

Então considera que, comparando com aquilo que é a situação das Comarcas do resto do país, considera a Comarca de Setúbal é um caso de eficiência?

Não, não, isto ocorre em todo o país. Isto é uma circunstância de vários fatores. Ocorre desde 2014, da nova reorganização judiciária. Os fatores são a especialização, uma maior cobertura dessa especialização e, também, a criação deste objetivo em que as pessoas começaram a encarar este objetivo da fixação de um tempo máximo de dilação de julgamentos como importante.

Um juiz que tenha de fazer um trabalho, depois tem que fazer área cível, depois tem que fazer família, depois tem que fazer instrução criminal, depois tem que fazer criminal, é evidente que é completamente diferente daquele que só faz uma determinada coisa, porque permite, realmente, especializar-se naquilo e desenvolver melhor as suas capacidades profissionais e de gestão do processo para aquelas que são as necessidades.

António José Fialho (Créditos: Mário Silva)

Considera, desta forma, que a reforma judicial de 2014 contribuiu para haver uma maior celeridade do que a situação análoga anterior?

Sim, sim, bastante. Neste momento, só não temos melhores resultados devido à falta de recursos, porque efetivamente, da parte dos juízes, o número de novas entradas, embora seja ainda deficitária, é deficitária porque nós tivemos aqui um fator, há uns anos atrás, que foi quando tivemos aqueles dois anos sem cursos no CEJ [Centro de Estudos Judiciários].

Isso trouxe um efeito perverso, porque nunca mais se conseguiu recuperar. Vai demorar muito tempo para recuperar. A nível dos magistrados, houve uma grande falha, porque houve um aumento de necessidades, e é evidente que depois também há aumento de pessoas, mas no caso dos funcionários judiciais, é que nós não temos tido entradas há muitos anos, só temos tido saídas e sempre mais complicado.

Quais são as suas expectativas em termos de formação contínua dos magistrados e funcionários judiciais, nomeadamente da questão que falou, de não só haver um maior recrutamento para colmatar essa falha que houve durante esses anos, mas também em termos de incentivos para fixar e para atrair mais pessoas para essas carreiras?

São problemas diferentes, em relação aos magistrados, e em relação aos funcionários. Com os magistrados, normalmente, quando concorrem, concorrem para serem colocados. Pode é haver a dificuldade em recrutar magistrados, e a realidade social tem demonstrado que, nos últimos anos, tem sido muito difícil recrutar magistrados, porque o nosso leque de recrutamento é, essencialmente, gente do Centro e do Norte, e a escola de magistrados está em Lisboa, onde é muito caro pagar uma casa.

Os meus colegas, que eram essencialmente do Norte, às vezes comentam comigo que, se fosse hoje, não tinham a certeza que se efetivamente conseguiriam pagar uma renda em Lisboa, ali na zona da Graça, na zona de Alfama ou coisa assim, porque é próximo ali do Centro de Estudos Judiciários, no Limoeiro.

No caso dos funcionários, já é diferente, porque o recrutamento já deveria ser mais territorial, ou seja, procurar ser um incentivo de trabalho para as pessoas de uma determinada zona. Nós aqui, por exemplo, fizemos contactos com o Instituto Politécnico de Setúbal, que tem representação, quer em Setúbal, quer na parte Sul da Comarca – tem escolas lá -, no sentido de poder vir a criar um curso de formação de técnicos jurídicos.

A formação de técnicos jurídicos deverá ser uma licenciatura, pois é aquilo que é a intenção mais ou menos dos dois principais partidos que têm governado o país. A ideia era, realmente, que pudesse fazer esse curso aproveitando para depois um futuro recrutamento de jovens desta região.

Nós aqui também temos outro problema, semelhante a Lisboa: arrendar uma casa em Grândola ou em Santiago do Cacém, é quase tão caro como arrendar no centro de Lisboa, naquele caso por causa da questão da proximidade ao litoral. No caso de Santiago [do Cacém], de Grândola e de Alcácer do Sal, é muito difícil de arranjar casa e um funcionário que começa com a sua carreira com 800/900 euros não consegue pagar, por uma renda, 800/900 euros, que é o que estão a pedir por um T1 em determinadas zonas de Grândola e de Santiago do Cacém.

Isto torna tudo muito mais difícil. O recrutamento aqui tem que ser completamente diferente, não quero dizer que não haja um plano de recrutamento a nível nacional, mas a cobertura tem de ser mais ampla do que ocorre atualmente, pois temos aqui algumas vicissitudes, porque, na parte Norte da Comarca de Setúbal – Setúbal, Palmela e Sesimbra -, a rede de transportes é, mais ou menos, boa. Se formos para Alcácer do Sal, para Grândola, para Santiago do Cacém e para Sines, a rede de transportes não é tão regular, e torna tudo muito mais difícil quando as pessoas se querem deslocar.

Em relação a esse contacto que tem sido feito com o Instituto Politécnico de Setúbal, já está previsto, nos próximos anos letivos, esse curso de formação de técnicos jurídicos?

Não podia ainda avançar mas havia abertura. A questão é que o Governo e os sindicatos têm de definir quais vão ser os critérios de entrada para a carreira. Imagine, criávamos aqui um curso, mas depois o estatuto dizia assim “só são admitidos, para a carreira, estes x cursos”. Nós estaríamos a formar jovens para o desemprego. Isso, também, não nos interessa.

Aquilo que nós oferecemos ao IPS foi o seguinte: proposta de criação do curso.

Houve abertura para pensar no assunto, por parte do IPS, porque eles, também, repararam que havia um núcleo de recrutamento de alunos, que também era importante em termos de vantagens. O IPS também tem formação noutras áreas muito desenvolvidas, como na área da informática, e outras em que há um grande esforço de desenvolvimento académico por parte do IPS.

Nós, a nível de Comarca, oferecíamos a vantagem daqueles jovens terem estágio garantido. Era a nossa contrapartida. Depois, a entrada nos concursos já é algo do Governo, porque os concursos são nacionais, mas, pelo menos, tinham a garantia de estágio aqui, e próximo de casa, o que tinha uma vantagem. Mesmo que fosse um jovem que estivesse a tirar o curso no pólo sul do IPS, que funciona na zona de Santo André, se não estou em erro, podia, depois, fazer o estágio ali, em Santiago do Cacém ou Sines. Haveria espaço para esses jovens, essa proximidade, pelo menos, enquanto não arranjassem emprego, estagiavam perto de casa.

Nós estamos à espera que o estatuto diga quais são os requisitos e, depois, eventualmente, poderemos retomar essa proposta.

De que forma o tribunal tem colaborado com outras entidades, como a Ordem dos Advogados ou autarquias locais, para melhorar a justiça na região?

As autarquias e a Ordem [dos Advogados] estão representadas no Conselho Consultivo [do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal], com os vários órgãos da Ordem. Com o representante do Conselho Consultivo, há uma troca muito regular de questões e de procurar resolver problemas e, muitas vezes, até, há alguma proximidade e concordância com algumas das posições assumidas. Eu dou-lhe um exemplo: a Direção-Geral [da Administração da Justiça] tomou a iniciativa de retirar as escalas presenciais de advogados, aqui de Setúbal, contra a opinião da gestão e contra a opinião da própria Ordem dos Advogados. Portanto, é uma matéria em que nós estamos de acordo, neste caso, contra a opinião da Direção-Geral, porque está baseada apenas em questões financeiras.

Em relação às autarquias, há também uma grande colaboração, e uma grande relação com as autarquias. Nós queríamos ir um pouco mais além, que era, eventualmente, celebrar protocolos de colaboração em alguns aspetos pontuais, mas eu até reconheço que isso também é um pouco difícil, porque as autarquias, neste momento, estão a atravessar uma fase complicada, com a transferência de competências e é normal que não queiram assumir outras novas competências. Embora, em alguns casos, há até alguma abertura de assumir esses protocolos connosco, num ou noutro aspeto pontual, mas, muitas vezes também, quando há aspetos pontuais a nível logístico e tudo mais, as autarquias são muito colaborantes.

Portanto, aquilo que tem sido a competência e a colaboração com as autarquias resume-se mais a questões logísticas, certo?

Porque são áreas completamente diferentes. As autarquias, afinal de contas, são parceiros de trabalho, mas não têm grande intervenção na área da Administração da Justiça.

Em relação a essa questão, existem planos para a expansão e modernização das infraestruturas judiciais na Comarca, nomeadamente também expansão em relação às áreas a Sul do Sado?

A Sul do Sado não há nada previsto, pelo menos, neste momento. O que nós temos previsto, que está neste momento a decorrer o concurso e que está em fase de análise do projeto, é a construção do novo Palácio de Justiça, em Sesimbra. Havia a intenção da construção de um Campus aqui em Setúbal, mas é algo que eu não acredito que seja provável nos próximos anos, por duas razões. Não quero dizer que não haja vontade da Câmara, porque a lei estabelece que são as Câmaras que têm a competência de ceder os terrenos para o efeito. Eu sei que a Câmara de Setúbal até tinha ponderado a cedência de alguns terrenos para essa possibilidade.

O problema é que depois tem que ser o Ministério da Justiça a construir. Construir um edifício de raiz, para a área de Justiça é muito complicado, porque o orçamento para esta matéria tem sido, essencialmente, afeto à reparação dos problemas estruturais de alguns edifícios. Coberturas, manutenção e tudo mais. Há muito pouco dinheiro para novas construções e sei que, no ano passado, o Governo aprovou um plano que procurava dar prioridade, era efetivamente, às situações mais graves, que foram aquelas que foram identificadas. Sesimbra foi uma delas, foi uma das situações identificadas e por isso é que avançou o concurso. Depois, aparecem alguns problemas a que é preciso acudir com urgência. Não quero dizer que, no futuro, nós não tenhamos, porque isto dos edifícios é sempre uma incerteza, mas neste momento os edifícios que temos, mal ou bem, vão dando conta do recado, como se costuma dizer. Não estou a dizer que são excecionais, mas não são tão maus como outros que realmente existem.

Como avalia a resposta da justiça criminal face ao aumento de crimes violentos ou de outro tipo de crimes, os económicos, por exemplo, na região?

Isso é mais uma matéria do Ministério Público, mas, efetivamente, nós temos conhecimento do problema que está identificado no Relatório do RASI [Relatório Anual de Segurança Interna] ou seja, de um aumento de certa criminalidade aqui na zona.

O que se tem de procurar, depois, é que a resposta seja dada adequadamente. A criminalidade também é muito variada, e os tipos de resposta são dados, também, em função das opções que são tomadas pelo Ministério Público.

Aqui, a nossa preocupação tem-se de ser a seguinte: se a resposta exige uma intervenção mais musculada, com julgamento e tudo mais, é evidente que nós temos, neste momento, tribunais capazes de dar resposta a isso. Se exige outro tipo de intervenção que não seja tão musculada, como as medidas de suspensão ou coisas assim do género, esse controlo já é feito de uma forma diferente, pelas entidades de reinserção e, aí, já não tem tanta intervenção do tribunal.

O que chega ao tribunal, digamos assim, já vem filtrado, já não vem com aquela dimensão que aparece na fase inicial.

A Comarca tem, atualmente, algum programa ou iniciativa para melhorar o acesso à justiça para cidadãos economicamente desfavorecidos?

Todos os municípios da Comarca estão abrangidos pelo sistema SADT, que é o Sistema de Apoio ao Direito e aos Tribunais, e isso é assegurado. É uma competência própria da Ordem dos Advogados e da Segurança Social, não é nossa.

Temos aquela dificuldade da questão das escalas presenciais, que é um fator que afeta, do ponto de vista do funcionamento, mas, aí, é mais um problema entre a Ordem e, efetivamente, a Direção Geral. A posição do Conselho de Gestão da Comarca é que deve haver escalas presenciais.

Existe algum plano de aplicação das novas tecnologias e processos judiciais na Comarca de Setúbal? Existe algum plano para a renovação de equipamento, e para um maior contacto com o meio digital para reforçar a transparência dos cidadãos?

Os colegas daqui estão quase todos, e os funcionários, estão quase todos abertos, quer do Ministério Público, quer da área judicial. Por exemplo, na área judicial, já há muitos anos que se trabalha com os processos desmaterializados. Com o Ministério Público, começaram este ano e é um processo que está em crescimento, mas também assumido de forma muito intensa por todos. É um processo que também está neste momento em desenvolvimento.

Mas, quando todos utilizamos cada vez mais o digital, as deficiências do digital começam-se a notar mais, não é? Aliás, nós utilizamos ainda algumas ferramentas que sabemos, por aquilo que é anunciado, que vão ficar descontinuados até 2025. Portanto, o prazo para o Ministério da Justiça fazer um concurso de atualização dos meios digitais terá de ser feito agora, que é para em 2025 poder ser aproveitado.

Desaproveitámos muita coisa do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] nessa parte. Não houve aproveitamento, pelo menos, dos projetos do PRR. Eu faço parte de um grupo de trabalho de um projeto do PRR, mas é uma coisa muito específica que vai dar uma grande vantagem em termos de funcionamento. Mas é uma questão muito específica que não tem uma visão global, tem mais importância do ponto de vista da gestão dos ativos dos tribunais, mas há uma série de coisas que têm que mudar nessa parte a nível da gestão global dos processos.

Depois, a Comarca de Setúbal foi a primeira a fazer um protocolo com as polícias e com o Ministério Público a utilizar uma plataforma, que já foi utilizada em alguns processos de especial complexidade. Aqui em Setúbal também já a utilizámos em alguns processos, e assumimos, efetivamente, trabalhar com essa plataforma, em que a gestão pertence ao Conselho Superior da Magistratura. Tenho colegas que dão apoio lá, que é a chamada ALTEC, que é o Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade. São colegas que dão apoio a outros magistrados na gestão de processos mais complicados.

Para nós termos aqui um julgamento em que utilizemos essa plataforma, temos que andar a tirar equipamentos de outras salas para meter ali, porque aquilo exige um determinado conjunto de requisitos para fazer o trabalho do processo e a apresentação da prova, porque aquilo faz tratamento das escutas, faz a apresentação da prova, relaciona a prova, faz uma série de coisas. Para ser mais transparente, normalmente, é projetado num ecrã, para que toda a gente possa ir acompanhando. Nós não temos ecrãs em todas as salas que tenham as dimensões adequadas para isso, então, quando temos um julgamento, temos que andar a trazer ecrãs de umas salas para as outras, portanto, estas pequenas dificuldades que se vão sentir. Já coloquei até ao colega que faz a gestão deste programa, disse-me “olha, se eu quiser instalar aqui em Setúbal duas salas que estejam preparadas para trabalhar com a plataforma, sem problemas, o que é que eu preciso?” Ele já me deu a lista do equipamento que precisamos, e nós chegamos à conclusão que, para ter aquele equipamento, afeta às duas salas, temos que ter salas sem equipamento. Portanto, temos, neste momento, coisas que se variam, é muito difícil substituir. Se se avaria um telefone, já não há substituição. Se se avaria um elevador – temos, neste momento, um elevador avariado, num sítio que tem um tribunal de trabalho, que é em Sines, que fica no terceiro andar. As pessoas não podem subir lá acima, particularmente um sinistrado que esteja em cadeira de rodas.

Coisas assim deste género, que é o que temos, e isso, efetivamente, o esforço da Comarca é chatear, chatear sempre, mas é evidente que nós, como não temos autonomia administrativa e financeira, só temos a competência, que nem sequer temos o poder, e o dever de chatear quem tem essa competência, mas é evidente que está nas mãos dessas pessoas resolver as coisas, nem que seja, às vezes, fazer as obras.

Também sei que muitas vezes fazer as obras também não é uma coisa fácil. Basta nós vermos na nossa realidade pessoal, quando queremos fazer alguma obra em casa, a dificuldade que é.

António José Fialho (Créditos: Mário Silva)

Que papel a Comarca de Setúbal pode desempenhar na melhoria da confiança dos cidadãos no sistema judicial em Portugal?

O contributo que nós podemos fazer é um contributo de forma genérica, porque a Comarca de Setúbal não tem especificidades em relação a isso. O que se tem procurado é, com a digitalização dos processos ou desmaterialização dos processos, que o cidadão não deixe de ter acesso ao processo. Aqui em Setúbal, temos a especificidade do Balcão+, porque é um tribunal de maior dimensão e, portanto, tem maior atendimento. Nos outros sítios, mais pequenos, basta que a Secretaria, que consegue dar a resposta, mas há sempre um terminal de acesso para o cidadão, em que ele, com a sua password, consegue aceder ao seu processo, mesmo que esse processo não esteja feito em papel.

Há essa possibilidade e, às vezes, o cidadão também levar peças processuais para ter acesso a isso, porque o processo é do cidadão, não é do tribunal.

Sob a sua presidência, a comarca organizou as Jornadas de Direito do Ambiente. Vê alguma mudança na forma de fazer justiça ambiental após essa iniciativa?

Se tudo correr bem, em abril do ano que vem vamos ter as quartas jornadas. A ideia aqui das jornadas foi um pouco sensibilizar para dois aspetos principais.

Primeiro, que a cobertura da Comarca de Setúbal é, essencialmente, de área protegida, quer a nível marítimo, quer a nível terrestre. Temos a área da Arrábida, temos a área do Estuário do Sado, a própria proteção das zonas marítimas ligadas aqui ao Sado e ao mar, referente à Comarca de Setúbal, que é uma área que também é territorial, também pertence ao território da Comarca. Depois temos a zona ali da Comporta, Galé, Lagoas de Melides e da Sancha, uma série de zonas protegidas. Efetivamente, é um espaço muito grande do nosso território.

Depois também houve aqui outra realidade que foi a seguinte. Na sequência de uma diretiva do Ministério Público que tinha sido publicada, o Procurador-Coordenador da Comarca tomou a iniciativa de criar uma secção especializada para a área dos ilícitos ambientais, não só na área criminal, mas, também, na área civil. Há uma magistrada, que está especializada nessa área. Na área judicial, não precisamos, porque não chegam tantos processos, mas na área do Ministério Público é importante, para fazer esta articulação e esta ligação também com os vários órgãos de polícia criminal.

Depois também nós notámos, isto foi a motivação das primeiras jornadas, porque era um problema que eu próprio também tinha, confesso, de termos uma multiplicidade de legislação a tratar estas matérias. A área protegida da Arrábida, por exemplo, tem várias leis a tratar o assunto, conforme as zonas que estejamos a falar ou conforme as especialidades que estejamos a falar. Portanto, também havia aqui a necessidade de dar ferramentas aos colegas em relação a essa matéria e, ao mesmo tempo, permitir a discussão.

Para as próximas jornadas, o que queremos discutir é uma questão que se está a colocar na ordem do dia, que é a questão da litigância ambiental. Nós já temos aquele exemplo daqueles jovens que até recorreram ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, para pedir a condenação dos Estados por falta de iniciativas para combater as alterações climáticas, mas isto está a surgir um pouco hoje em dia por todos os países e por todos os tribunais. Também, neste momento, há ações no Supremo Tribunal de Justiça em relação a essa matéria. Discutir efetivamente que isto é uma questão que, mais cedo ou mais tarde, e neste momento é mais cedo, que está a entrar na porta dos tribunais e nós temos que estar preparados também para discutir e ter argumentos também e ferramentas. O que se procura com estas jornadas é dar aos colegas, aos advogados, aos magistrados, aos funcionários, ferramentas para poderem trabalhar esta matéria, porque é uma matéria muito específica, muito particular, com aspetos processuais e aspetos de prova muito particulares, em que, efetivamente, as pessoas têm que ter essa ferramenta, porque não estamos propriamente a falar da mesma matéria como quem está a falar do vizinho que derrubou um muro ou do vizinho que deu uma chapada a outro. São coisas completamente diferentes e muito mais complicadas.

Qual é o balanço que faz do trabalho como Juiz Presidente do Tribunal da Comarca de Setúbal?

Isto é um trabalho a três, porque, embora o juiz-presidente é que, por lei, representa e dirige os serviços do Tribunal, exceto na área do Ministério Público, que é uma competência própria do coordenador, e na área dos funcionários e na área dos equipamentos, é uma tarefa da Administradora Judiciária, as tarefas globais têm sido assumidas em conjunto.

O primeiro objetivo é procurar resolver as questões através de grande discussão, mas sempre com consenso. Isso dá-nos, efetivamente, uma maior autoridade nas decisões que tomamos. Elas são muito discutidas e, às vezes, nesta mesma mesa, são fortemente discutidas, mas, normalmente, procurando chegar a soluções de consenso e que acautelem todos os interesses em jogo nesta matéria. Depois, também, da nossa parte, dos três, também alguma humildade em compreender que as medidas de gestão são maleáveis. A solução que hoje nos parece boa, amanhã pode vir a demonstrar-se que é menos boa e, então, temos que ter a coragem de alterar. O pior erro é insistir no erro, como se costuma dizer.

Há outro aspeto aqui também importante a nível da gestão, é a colaboração das pessoas. Tem havido uma grande preocupação em ouvir os juízes, em ouvir os magistrados do Ministério Público, em ouvir os funcionários. Temos feito reuniões alargadas do Conselho de Gestão, envolvendo os coordenadores das várias áreas, também para os envolver nos problemas, porque às vezes as pessoas tentam pensar só no seu próprio problema e esquecem o problema. O problema é, às vezes questões, mais globais que têm que ser resolvidas. As nossas reuniões do Conselho Consultivo têm decorrido em vários municípios. A última, por exemplo, foi em Setúbal, porque tinha sido a vez de Setúbal, mas a próxima vai ser em Sines, só isso demonstra que nós estamos a fazer alternadamente na parte Norte do distrito ou na parte Sul e, por isso, a próxima vai ser em Sines.

O Conselho Consultivo reúne ordinariamente de seis em seis meses, por isso, também tem a ver com isso, procurando ouvir, e quando fazemos essas reuniões convidamos sempre representantes desses municípios para transmitirem aos membros do Conselho Consultivo os problemas ligados à justiça, que considerem mais relevantes, porque dão-nos a nós ferramentas para poder tomar medidas de gestão e dão também aos membros do Conselho Consultivo informação para poder também, noutras reuniões, colocarmos questões em relação à gestão que fizemos.

Eu acho que a diferença que tem havido, ou talvez não seja a diferença, porque eu acho que há outros colegas que estão a trabalhar da mesma forma, mas acho que, talvez, o que tem sido positivo, que eu encontro positivo nesses últimos três anos e que faz com que possamos trabalhar os três uns com os outros.

Fazendo o balanço das reuniões descentralizadas e com larga participação, considera que tem tido algum efeito positivo naquilo que tem sido o funcionamento da Comarca?

Nós gostamos de pensar que sim. Por exemplo, nós não temos edifício de tribunal em Palmela e já fizemos reuniões lá, temos um juízo de proximidade em Alcácer e já fizemos lá, em Sines vai ser a primeira, efetivamente, porque tivemos aí um período que só se faziam reuniões à distância, o que limitou bastante, mas agora, quando retomámos as decisões presenciais é que tomámos essa iniciativa. A primeira foi, justamente, em Alcácer do Sal, porque um dos membros do Conselho Consultivo, que é o presidente, ele que ofereceu a disponibilidade da Câmara de Alcácer para fazermos lá a reunião.

A partir daí, começámos a fazer de forma alternada as reuniões. Isso é importante e é curioso que, nas últimas reuniões, temos alargado cada vez mais o leque. Chegamos ao ponto de fazermos uma reunião e, tradicionalmente, temos um representante da Câmara, um representante da Ordem dos Advogados – além daquele que faz parte da efetiva do Conselho Constitutivo, mas do município onde estamos -, e um representante dos órgãos de segurança. Agora, nas últimas reuniões, já tivemos um representante da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, até por sugestão do Procurador-Coordenador, e, se num determinado município chegarmos à conclusão que é importante ter um representante de algum órgão que tenha alguma questão especial a resolver com o tribunal, e considere importante estar lá representado para nós ouvir.

É que nós não tomamos as decisões. A gestão não toma decisões nos processos. Pode, efetivamente, estar sensibilizada para aquela questão e, eventualmente, colocar depois a questão ao colega para que ele depois também possa ter essa sensibilidade.

Como sabe, os magistrados do Ministério Público têm autonomia na maneira como gerem os processos e os juízes são independentes. Nós não podemos intervir neste trabalho dos juízes e dos magistrados. Mas podemos conversar, e as pessoas pensam e, pelo menos, também podemos ter uma vantagem que é dar informação a esses colegas de que existe aquela problemática, para eles poderem refletir sobre aquela problemática e depois decidir da melhor forma. Quanto mais informação nós tivermos, melhor decidimos.

Com o balanço todo que foi feito em relação ao seu mandato como juiz-presidente, agora vamos falar sobre a questão do Tribunal da Relação de Évora. O senhor Dr. Juiz foi nomeado Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Évora. Quais espera ser os desafios que irá ter para a frente?

Ainda não sei, porque vou manter-me em comissão de serviço aqui, porque a comissão de serviço é em exclusividade. Não tem qualquer efeito. Só tomei posse formal, não aconteceu mais nada, além da posse formal, porque nós, depois, quando temos um sistema de manutenção da comissão de serviço em exclusividade, só quando esta terminar é que efetivamente iniciarei as funções no Tribunal da Relação de Évora.

Eu fiquei colocado na secção cível. É um tribunal, pelo qual eu tenho um carinho muito especial, não só pela cidade, sou filho de alentejanos e casado como uma alentejana. É a capital do Alentejo, digamos assim. Gosto muito do edifício, sempre gostei.

O meu início de carreira começou justamente no Alentejo, ali ao pé, mas, depois, tenho feito a minha vida toda aqui na zona, mas sempre gostei muito de Évora. Évora tem mais outra vantagem, que é a seguinte: tenho lá um conjunto de colegas com quem eu tenho uma relação de amizade e de estima muito grande, particularmente neste momento, com quem está a presidir o Tribunal – a primeira mulher Presidente da Relação de Évora – e o Vice-Presidente, o colega José Manel, são pessoas que espero que ainda lá estejam quando eu acabar a minha comissão de serviço.

São pessoas que eu tenho uma grande estima e consideração. Sei que há um bom ambiente de trabalho, as pessoas respeitam-se, as questões são muito discutidas, há tempo para discutir as questões e tempo para fazer um trabalho com alguma qualidade. Portanto, fico satisfeito porque foi a minha primeira opção, foi justamente o Tribunal de Évora e a área cível. Nós temos de concorrer para várias áreas, e eu podia não ficar na área civil. Portanto, fiquei na primeira opção, quer numa coisa, quer noutra.

É um desafio porque vai ser uma forma de trabalhar completamente diferente, porque nós aí já não julgamos em primeira instância, nós aí apreciamos se o julgamento da primeira instância foi bem feito ou não, em função do recurso. É um desafio nessa parte, porque foi algo que eu nunca fiz, mas vou ter que me preparar, faz parte da evolução normal da nossa carreira.

Em termos daquilo que é o contexto criminal dos tribunais que estão sobre a alçada do Tribunal da Relação de Évora, considera que há uma diferença significativa em relação daquilo que é o contexto de Setúbal?

O que chega ao Tribunal da Relação, normalmente, é aquilo com que as pessoas não concordam e depois recorrem. Mas o Tribunal da Relação de Évora tem uma particularidade que é esta: abrange quase metade do país em termos territoriais. Abrange Santarém, Portalegre, Évora, Setúbal, Beja e Faro. É uma área territorial muito grande.

Nem toda é composta por territorialidades com muita dimensão geográfica ou populacional, mas tem o caso de Santarém, tem o caso de Setúbal e o caso de Faro, que são, digamos, os maiores “clientes” do Tribunal da Relação de Évora.

Aquilo que eu vejo pela jurisprudência publicada do Tribunal de Évora, quer na área cível, quer na área criminal, é que é muito variada. Exige uma preparação muito grande aos colegas que lá trabalham. Aparecem, às vezes, alguns crimes de natureza complicada, mas nada que se compare, por exemplo, ao que se passa em Lisboa, que aí a complexidade criminal tem a ver com outros fatores que não têm propriamente a ver com aquilo que se passa, que é o chamado de processos mais mediáticos.

Em relação àquilo que é a sua carreira do direito internacional, ou seja, o Juiz-Presidente é Membro da Associação Internacional de Juízes de Família e Ponto de Contacto da Rede Internacional de Juízes da Haia. Considera que há uma fiscalização verdadeiramente isenta dos princípios do Direito Internacional nestas áreas?

A Rede de Juízes da Haia e a Associação Internacional de Juízes de Família só está criada relativamente a dois aspetos do direito internacional, que tem a ver com o direito internacional da proteção das crianças, particularmente o rapto internacional, e a proteção internacional de crianças. Tem a ver com as questões de matéria de competência, lei aplicável, as medidas que são aplicadas em caso de conflitos transfronteiriços que envolvam crianças e, no caso do rapto internacional de crianças.

É uma ferramenta que pode ser utilizada para agilizar os processos. Nós temos autoridades centrais, e estas convenções obrigam à criação de autoridades centrais, a qual, neste momento, funciona na Direção-Geral da Administração da Justiça. O nosso trabalho é um trabalho, no fim de contas, de retaguarda. Caso haja algum problema, alguma solicitação que algum colega nos peça, então nós intervimos.

Para a semana vou estar em Malta, numa conferência internacional, justamente da Rede de Juízes e de autoridades centrais, que tem a ver com o processo de Malta, que é um processo muito específico ligado também à temática da mediação, que também é muito importante nesta área do direito internacional. Vou ser um dos oradores e, justamente, uma das coisas que vou falar é sobre o papel dos juízes da Rede de Haia. O nosso papel é, no fim de contas, respeitando a independência interna e externa dos juízes que trabalham connosco, ultrapassar algumas dificuldades que podem existir e, nessa altura, também poder dar informação e elementos de conhecimento aos colegas para que eles possam tomar uma melhor decisão. Eu posso dar alguns exemplos de situações que se deram. Uma colega teve uma situação aqui que teve que mandar uma criança para o estrangeiro, e nós temos a possibilidade de transferência de competência de uma criança que está sujeita a uma medida em Portugal. Mas, para ela ir para um país estrangeiro, o país estrangeiro tem que fazer uma avaliação e aceitar essa transferência, porque, por exemplo, a pessoa para onde essa criança vai pode não dispor de condições para o efeito e, nessa altura, o Estado tem o poder de recusar isso. Nós podemos, efetivamente, fazer os primeiros contactos, de ver em termos formais e em termos de viabilidade se aquele pedido tem viabilidade. Como as nossas comunicações são mais informais, fazem-se normalmente pelo telefone, ou por email, ou pelas redes normais, quando falo em redes falo em qualquer forma de comunicação que seja minimamente segura, nós podemos fazer essa comunicação, porque nós não intervimos no processo de decisão e obtenho informação sobre a viabilidade e o que é que o colega tem que tratar. É mais fácil depois para o colega tratar disso.

Tivemos aqui outra situação que foi a colega da Bélgica, que tinha lá um juiz, que tinha uma questão relativamente a uma criança que viria para cá viver com a mãe, mas estava sujeita a acompanhamento lá. Era necessário que houvesse uma transferência de competência também para cá, quando a criança viesse para cá com a mãe e continuasse a ser acompanhada pelas autoridades portuguesas. O juiz belga gostaria de saber como é que as autoridades portuguesas poderiam fazer esse acompanhamento. O colega belga entrou em contacto comigo, nós temos uma língua comum que é o inglês, eu não falo, por acaso até não falo francês, mas temos uma língua comum, nós temos que indicar uma língua comum de trabalho. A colega belga entrou em contacto comigo, fez-me essas questões todas. Eu entrei em contacto com o colega que potencialmente poderia ser o juiz que iria tratar aqui do processo. O colega deu as informações como é que costumava fazer e transmitia à colega belga e, nessa altura, o juiz belga fez a entrevista, até depois em direto, intervindo o juiz português e trataram de forma até consensual, não houve necessidade de uma medida judicial, aquilo até foi aceito por acordo pela mãe, de vir para cá e começar a ser acompanhada cá pelo tribunal português.

É este tipo de intervenção que os juízes da Rede de Haia têm.


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